A subida dos preços da eletricidade não pára. Cada semana traz novos recordes históricos e Portugal tem hoje a eletricidade mais cara da União Europeia1, o que agrava uma situação de pobreza energética alarmante. Em 2020 quase 20% da população em Portugal não tinha condições económicas para aquecer as suas casas, isto no país da Europa em que as habitações têm o maior nível de “desconforto térmico”2. Estima-se que mais de 2,000 pessoas tenham morrido de frio no inverno passado3! É este o resultado assassino da privatização do setor energético. Sem medidas radicais que façam baixar os preços, a tragédia será ainda maior no inverno que se aproxima.

Um setor energético privatizado para garantir os lucros das grandes empresas

A comunicação social burguesa explica a subida do preço da eletricidade como resultado de uma série de fatores: o aumento do preço do gás natural — que triplicou este ano —, uma menor produção a partir de fontes renováveis; os custos das licenças de emissão de CO2 associadas ou a retoma da atividade económica que fez aumentar a procura de energia. Não sendo mentira, estas justificações ocultam o fundamental: a liberalização e privatização do setor energético, incentivadas pela Comissão Europeia, logo a partir da década de 90, e postas em prática pelos sucessivos governos burgueses.

A Energias de Portugal (EDP), que resultou da nacionalização de várias companhias elétricas durante a Revolução Portuguesa e por isso assegurava quase totalmente a produção de electricidade do país, é hoje uma empresa privada com acionistas que vão dos EUA à China. O “modelo de negócio” da EDP privatizada consiste na venda da sua infraestrutura em Portugal para garantir capital rápido que lhe permita investir em mercados estrangeiros que garantam melhores taxas de lucro. O negócio milionário da venda das barragens do Douro — onde houve uma fuga ao fisco de mais de 100 milhões de euros — é um exemplo claro da aplicação desta estratégia, alheando um quarto das suas instalações de produção de energia hídrica de forma a investir no Estado espanhol, Reino Unido ou Brasil. Hoje, com a entrada de novas empresas privadas no mercado, apesar de continuar a garantir a maioria da produção de energia, a EDP já só detém 40% da comercialização de eletricidade.

O mercado ibérico de energia elétrica (MIBEL) está completamente cartelizado, ou seja, os preços são especulativos e acordados entre as várias empresas do ramo. É por este motivo que a eletricidade produzida a partir de fontes renováveis, portanto, com menores custos de produção, é vendida ao mesmo preço daquela que é produzida com combustíveis fósseis, e que é afetada pelo aumento dos preços desses combustíveis (gás, carvão, petróleo). Estes são os chamados “windfall profits”. Mas os capitalistas vão mais longe ainda. O preço da eletricidade produzida através de fontes renováveis é inflacionado até equivaler ao preço da eletricidade de fontes não renováveis já com as taxas de emissão de CO2 que são aplicadas a esta última. Os lucros especulativos são gigantescos!

A isto junta-se uma gigantesca transferência de dinheiro público para as empresas privadas sob a forma de subsídios estatais à produção de energias renováveis. Tudo medidas que foram apregoadas pelos comentadores ao serviço da classe dominante como capazes de diminuir os preços. Aconteceu exatamente o contrário.

Não é de admirar que a EDP apresente lucros astronómicos ano após ano. No 1º semestre deste ano, a EDP aumentou os seus lucros para os 343 milhões de euros e, apesar da queda do consumo de energia causada pela pandemia, os seus lucros tinham já aumentado 56% em 2020. Estes lucros são prontamente divididos pelos acionistas, enquanto os trabalhadores do grupo continuam a sofrer com a degradação das condições de trabalho e baixos salários — os aumentos anuais são vergonhosamente baixos e não compensam sequer a inflação, com os trabalhadores de call-center a ser aumentados em menos de 1€ a cada ano. Para os capitalistas, a liberalização resultou lindamente.

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Os lucros da EDP são divididos pelos acionistas enquanto os trabalhadores do grupo sofrem com a degradação das condições de trabalho e baixos salários.

Um governo que defende os lucros das grandes empresas privadas da energia

O governo anunciou várias medidas, com um custo total de 815 milhões de euros — incluindo 270 milhões do fundo ambiental, que supostamente seriam para a transição energética —, de forma a prometer que o preço da eletricidade no mercado regulado4 não vai aumentar em 2022. São medidas paliativas, não ultrapassando nunca a lógica de mercado no setor energético.

A CIP, organização patronal, sugeriu ao governo que usasse o fundo ambiental para ajudar as empresas privadas a fazer frente ao preço crescente. Sabendo que no mercado liberalizado o governo se recusa a controlar os preços, as suas medidas teriam de incidir nos impostos. E o choradinho da CIP resultou: o governo prometeu uma redução nas tarifas de energia do mercado liberalizado5, que inclui os consumidores industriais, esperando que contribua para uma diminuição dos preços em 35%.

A carga fiscal na eletricidade é de facto elevada — a 3ª maior da União Europeia — sendo ainda um imposto regressivo — ou seja, não tem em conta as diferenças de rendimento —, mas é ingénuo pensar que reduzindo a carga fiscal as grandes comercializadoras vão baixar os preços. O resultado será apenas uma maior taxa de lucro para as empresas do setor.

À direita, figuras como Paulo Rangel, candidato à liderança do PSD, acusam o governo PS de não fazer o suficiente para aliviar a “fatura energética dos portugueses”. Declarações pejadas de hipocrisia, especialmente se tivermos em conta que foi o último governo do PSD/CDS que aumentou o IVA da eletricidade para a taxa máxima e concluiu a privatização da EDP e da REN, a empresa responsável pelo transporte de eletricidade.

As direcções do BE e do PCP, imitando a resposta do governo PSOE-UP no Estado espanhol, limitam-se a pedir que se cortem os windfall profits das hidroeléctricas. O objectivo seria reduzir em 5% os preços da eletricidade para os consumidores domésticos. Um valor abaixo do aumento de cerca de 6% que já houve este ano no mercado regulado! A solução para este problema exige romper completamente com a lógica de mercado e atacar a propriedade capitalista, exige a nacionalização.

Nacionalizar o setor é a única forma de garantir preços acessíveis

Alterar a estrutura tarifária ou acabar com os windfall profits não começa sequer a resolver o problema, é fugir à questão central. Esta situação não pode continuar. A esquerda tem de ter como ponto assente no seu programa a expropriação das grandes companhias elétricas, a sua nacionalização sob controlo dos trabalhadores, e a expropriação igualmente dos gigantescos lucros acumulados ao longo de anos e anos de especulação e presentes do Estado.

A única forma de garantir energia elétrica limpa e sustentável para toda a população é considerá-la um serviço básico essencial, que de forma alguma pode estar subordinado aos interesses de grandes grupos financeiros. Todo o setor da energia tem de ser público!

Um programa realmente socialista que incluísse estas reivindicações e fosse conquistado através de um plano de luta consequente e continuado ganharia certamente o apoio de vastas camadas da classe trabalhadora e da juventude. Basta de políticas capitalistas, de manobras e parlamentarismo. É urgente construir uma esquerda combativa e voltar às ruas!


Notas:

1.  Portugal tem hoje a eletricidade mais cara da UE

2.  Desconforto térmico é regra nas casas portuguesas

3.  Frio explica uma em cada quatro mortes em excesso de Janeiro

4. 94.993 mil famílias, cerca de 20% dos consumidores e 5% do consumo.

5. 5 milhões, cerca de 80% dos consumidores e 95% do consumo.

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