Foram mais de cinco milhões de jovens, trabalhadoras e trabalhadores que, no Dia Internacional da Mulher Trabalhadora de 2018 no Estado Espanhol, pararam escolas e locais de trabalho pelo fim da violência machista. Recorrendo à arma da greve laboral e estudantil, organizaram-se contra a minoria que lucra com a precariedade nos locais de trabalho (expondo mulheres ao assédio), com a destruição dos serviços públicos (aumentando o fardo do trabalho doméstico sobre as trabalhadoras), com os negócios e especulação sobre a habitação (prendendo as mulheres pobres aos seus agressores), com a mercantilização do corpo da mulher através da prostituição, da pornografia, da publicidade. Foram milhões de mulheres e homens trabalhadores, lado a lado, contra uma burguesia de todos os géneros que nos explora tanto melhor quanto mais nos divide.
Este foi um dia de luta histórico contra a opressão machista, um exemplo da força da classe trabalhadora e da sua luta histórica por uma sociedade livre de todas as formas de dominação — uma luta que caracterizou todas as revoluções socialistas, da Comuna de Paris e da Revolução Russa à Revolução Portuguesa. Estas são as verdadeiras raízes do Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, o 8M.
As comemorações deste dia em 1917, na Rússia — e em particular nas fábricas de Petrogrado onde as mulheres trabalhadoras exigiam para este dia o direito à greve —, inspiraram milhões a tomar nas suas próprias mãos a economia, a educação, a saúde, a cultura — a construir o socialismo. Nos primeiros anos da Revolução conquistaram-se direitos como a legalização do aborto, o direito ao divórcio e à licença de maternidade; iniciou-se a construção de uma rede de cantinas públicas, implementaram-se salas de amamentação nos locais de trabalho. Em suma, lançaram-se as bases de uma verdadeira igualdade entre homens e mulheres.
Para vencer, o apelo de greve internacional anual que partiu da Argentina em 2015 e as mobilizações por todo o mundo contra os números bárbaros de femicídios e pelo fim da violência machista terá que seguir o caminho destes milhões de trabalhadores nas revoluções do passado — o caminho da unidade de classe contra um sistema que nos divide e nos mata, o mesmo caminho que começou a ser trilhado no Estado Espanhol. É preciso construir, em Portugal, uma greve feminista laboral e estudantil que paralise toda a actividade económica em defesa dos direitos das mulheres!
Greves simbólicas não conquistam direitos
A Izquierda Revolucionaria, nossa organização-irmã no Estado Espanhol, o Sindicato de Estudiantes e a plataforma Libres y Combativas têm travado uma batalha contra as direcções burocráticas dos sindicatos e da esquerda, que sempre sujeitam a luta aos seus interesses carreiristas. Construímos um movimento feminista combativo juntamente com centenas de organizações nos locais de trabalho, escolas e bairros em todo o Estado Espanhol. Nesse processo, apelámos à juventude para que participasse na organização de uma greve geral estudantil, e exigimos às principais centrais sindicais, CCOO e UGT, uma greve geral feminista de 24 horas.
Chocámos assim com a posição recuada das burocracias na defesa de uma “greve simbólica” de alguns minutos, numa tentativa falhada de manter a paz social, não perturbar os patrões nem os planos de austeridade do Governo. A resposta de milhões foi de contrariar as ameaças de despedimento e de avançar com uma greve que fez abanar os alicerces da violência machista — o próprio sistema capitalista. Esta resposta desmascarou vários “feministas” que sempre se posicionam, nos momentos mais decisivos da luta de classes, pelo acorrentar das mulheres à precariedade e à violência doméstica. Estes “feministas” são representantes da burguesia como o são Christine Lagarde ou Theresa May, que beneficiam directamente da opressão da mulher trabalhadora. Mas são também as burocracias sindicais e da esquerda reformista que não estão preparadas para pôr em causa a sua vida estável em capitalismo e quebrar a sua dependência do Estado burguês.
Uma greve sem fura-greves: unidade de classe!
Na construção da greve laboral no Estado Espanhol, confrontámo-nos ainda com o apelo a uma “greve das mulheres”. Além de boicotar o poder da greve para a classe trabalhadora, permitindo que vários sectores não sejam afectados e que homens sejam chamados a furar a greve das suas companheiras, este apelo aponta como causa da violência machista a divisão de género e não a divisão de classe — alimentando desconfianças nos homens que lutam connosco por condições dignas no trabalho e na vida, e alimentando ilusões de que todas as mulheres têm os mesmos interesses.
A opressão machista tornou-se uma realidade apenas quando surgiu a propriedade privada, quando o homem precisou de garantir a transmissão hereditária dessa propriedade mantendo a mulher escravizada no lar. A Revolução Russa demonstrou que é exactamente a abolição da propriedade privada por quem nada mais tem que as suas correntes — as mulheres e os homens trabalhadores — que pode garantir a participação plena da maioria das mulheres na vida social e criar as condições para destruir a cultura de séculos de dominação patriarcal.
Violência machista e austeridade: dois lados de uma moeda
11 mulheres foram assassinadas em Portugal entre o início do ano e 18 de Fevereiro. Acompanhando a tendência dos femicídios em todo o mundo, estas mulheres morreram às mãos de companheiros, ex-companheiros e familiares. Esta realidade desoladora é o resultado de famílias estilhaçadas pela pobreza e precariedade laboral, de mulheres e mães trabalhadoras sem independência económica face aos seus agressores. Com sangue nas mãos, o Governo do PS apresentou-se como um defensor da liberdade das mulheres — colocando-se à frente da marcha do Dia Internacional pelo Fim da Violência contra a Mulher —, enquanto punha em prática orçamentos que mantêm os níveis de austeridade assassina do período da Troika e da direita conservadora.
A burocracia do BE apressou-se em tomar a liderança da organização deste 8M em Portugal, sob o slogan “Se as mulheres param tudo pára”, defendendo uma “greve feminista” das mulheres ao trabalho, à escola, ao consumo e ao trabalho doméstico. Durante meses de preparação recusou a presença do movimento em escolas e empresas e abdicou de utilizar os seus parlamentares e figuras públicas para mobilização. Isto é, impediu que o apelo à greve ganhasse a força necessária para arrastar consigo as principais organizações sindicais e estudantis — apoiando ao mesmo tempo um Orçamento de Estado austeritário juntamente com a direcção do PCP, que continua a rejeitar publicamente a necessidade de uma greve feminista. Esta orientação política ao 8M, conciliada com apelos de greve aos cuidados e ao consumo, aliena as mulheres e as famílias de classe trabalhadora e dificulta o envolvimento de sectores em luta hoje contra os efeitos da austeridade nos serviços públicos e contra a precariedade — como os enfermeiros e técnicos de saúde, funcionários e professores das escolas, estivadores e trabalhadores de call-center.
A luta pelos direitos da mulher trabalhadora tem que chegar aos locais de trabalho e ser uma luta central das organizações sindicais. Nos anos 90, no Reino Unido, a Campanha contra a Violência Doméstica iniciada pelos nossos camaradas forçou os sindicatos e os municípios a adoptar posições públicas quanto à violência doméstica, e estimulou um debate vivo entre trabalhadores e trabalhadoras. Mostrando às mulheres trabalhadoras e vítimas de violência que não estavam sozinhas nesta batalha, que eram valorizadas pelas suas organizações e companheiros de classe, esta campanha incentivou-as a lutar pelos seus direitos e pelos direitos de todos os trabalhadores — consolidando uma verdadeira unidade solidária entre os trabalhadores.
Uma esquerda unida pelo fim da violência machista
O BE, o PCP e a CGTP-IN são as únicas organizações capazes de lançar imediatamente uma campanha nacional contra o assédio e a violência machista nas empresas e nas escolas. Isto é o que se exige da esquerda perante a violência machista! A campanha tem de ser o primeiro passo na luta pelo controlo democrático dos tribunais por organizações de trabalhadores que pare a justiça machista, pelo controlo democrático dos currículos e manuais escolares, os alicerces de uma educação inclusiva, e pela construção de uma rede pública e de qualidade de creches, lares, lavandarias e cantinas que liberte a mulher trabalhadora do isolamento do lar. Por fim, por um plano nacional de pleno emprego e de habitação, que dê independência a todas as trabalhadoras.
Depois de um ano do nosso editorial dedicado ao feminismo de classe, voltamos a dizer: “Chegou a hora do socialismo (...). Com a integração de todas as mulheres na economia social e planificada será possível transformar fundamentalmente a imagem da mulher, abolir todas as diferenças de género, derrubar a barreira entre a emancipação da mulher e a emancipação da humanidade!”