A Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa (MOL), marcada para o passado dia 19 de junho, foi “cancelada” na véspera pela Comissão Organizadora. Apesar desta tentativa de cancelamento e desmobilização, mais de um milhar de pessoas concentrou-se no Marquês de Pombal e desceu depois a Avenida da Liberdade, invocando o espírito da Revolta de Stonewall e mostrando que a nossa luta não se cancela.

Uma grave capitulação

A Comissão Organizadora justificou o cancelamento com “um parecer tardio da Direção Geral de Saúde desfavorável” para cancelar a mais importante manifestação LGBTI+ de Lisboa. Este cancelamento, é uma grave capitulação política. Foi uma cedência evidente aos receios e preconceitos das camadas médias e de todos daqueles que condenam manifestações políticas em tempo de pandemia. Para as organizações que convocam a MOL, o mais importante foi a imagem de entidade “responsável” mesmo quando as consequências são a desmobilização e puxar o travão da luta LGBTI+.

A Comissão Organizadora da Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa afirmou também no seu comunicado que “tal como em 2020, continuará a lutar pela defesa dos direitos da comunidade”. A questão que se coloca é: como?

Enquanto os negócios continuam abertos, e depois de mais de um ano em que se pagou com milhares de mortes os lucros das grandes empresas, num período de crise económica e política do capitalismo, em que milhares de trabalhadores LGBTI+ caem na pobreza e no desemprego, em que aumenta a violência contra nós por não nos encaixarmos no modelo capitalista de sexualidade, género e família, e aumentam também os ataques que sofremos da extrema-direita, chamando-nos de doentes e imorais e tentando ocupar as ruas contra o nosso direito de ser o que somos... cancela-se a Marcha do Orgulho!

O mais de um milhar de pessoas que marcharam por cima desta decisão e desceram a Avenida da Liberdade com orgulho e combatividade gritando palavras de ordem contra a homofobia, a transfobia, o fascismo e o capitalismo deixou evidentes as prioridades da juventude LGBTI+. Não podemos parar, especialmente quando mais somos atacadas.

O movimento de emancipação LGBTI+ não é dos patrões, é nosso!

Por cima da capitulação que foi o cancelamento, a Comissão Organizadora vetou ainda a participação da Casa T na organização da marcha. A Casa T é uma associação que abriga pessoas trans, e especialmente imigrantes. Qual a razão para o bloqueio de uma organização de pessoas trans imigrantes que desenvolve, em autogestão e completa independência do Estado e de empresas, um trabalho tão importante entre um dos grupos mais explorados e violentados da sociedade? Como podem as imigrantes trans ser postas fora enquanto as empresas que comercializam a nossa luta, lucram com a exploração dos trabalhadores e a especulação imobiliária são recebidas com uma passadeira vermelha?

A realidade das pessoas trans pobres e de classe trabalhadora que são forçadas pelas suas condições e pela discriminação a sofrer a brutalidade da prosituição não pode ser apagada! Obviamente, esta realidade das imigrantes trans não só é completamente alheia às camadas privilegiadas que pretendem ser donas do nosso movimento, como é abordada apenas pela ótica do negócio. Isto está patente no manifesto que a Comissão Organizadora publicou. Quando se lê nesse manifesto a “descriminalização total do trabalho sexual”, o que está de facto a ser defendido é o interesse e direito dos proxenetas a vender e a lucrar com a venda dos corpos de mulheres e pessoas trans, não o direito à emancipação das pessoas trans e não binárias. A preocupação é com os “homens de negócios” que pretendem prestar um “serviço”. De outra forma, como se explica a insistência em legalizar a prostituição num país onde as pessoas prostituídas não são criminalizadas? De acordo com a lei atual, apenas os proxenetas são criminosos.

Se permitirmos que patrões e toda a laia de comerciantes e pequeno-burgueses tomem o controlo do movimento, a nossa luta continuará a ser tratada como a coutada de um punhado de chefes que veta a participação de imigrantes, cancela manifestações a seu bel-prazer, permite a infiltração de empresas no movimento e a transformação da marcha numa festa cada vez mais despolitizada e aceitável para a burguesia e para o seu Estado.

O movimento precisa de regressar às suas origens e estar na mão dos milhões de pessoas LGBTI+ da classe trabalhadora, exploradas e pobres que são a esmagadora maioria em todo o mundo! Somos nós quem de facto tem interesse em acabar com este sistema que gera tanta opressão e violência, só a nossa luta por uma sociedade completamente nova significa a emancipação de todas as pessoas LGBTI+.

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Apesar da tentativa de cancelamento da marcha, a juventude LGBTI+ saiu à rua e mais de 1.000 pessoas desceram a Avenida da Liberdade entoando palavras de ordem contra a homofobia, a transfobia e o capitalismo.

O blackout mediático

O dia 19 de junho de 2021 é talvez a primeira vez que mais de um milhar de pessoas desce a Av. da Liberdade sem que qualquer menção seja feita na comunicação social ou na esquerda parlamentar. A tentativa de apagamento por parte das empresas capitalistas é, além de normal, expectável. A burguesia não tem qualquer interesse em demonstrar um exemplo de força e ação independente do movimento vivo da juventude de LGBTI+, por mais pequeno que seja. A combatividade da juventude LGBTI+, a sua rebelião contra todas as regras e ordens de um sistema totalmente podre, são qualidades que preocupam a classe dominante como se fossem uma outra pandemia. Tal como a juventude negra nos EUA incendiou a luta de classes com o seu movimento Black Lives Matter, também a juventude LGBTI+ mostra determinação para colocar tudo em causa. A força e a coragem desta juventude não pode ser senão inspiradora para toda a classe trabalhadora! Isto é claro.

Aquilo que é verdadeiramente lamentável é a tentativa de apagamento por parte da Comissão Organizadora e por parte do Bloco de Esquerda. O silêncio ensurdecedor que se manteve após a marcha é vergonhoso, e constitui uma reafirmação do erro que foi a tentativa de cancelamento da marcha. Perante o eleitorado pequeno-burguês que esta esquerda quer disputar, a palavra da DGS é a palavra de deus, e é preciso lavar as mãos de qualquer manifestação política que receba um “parecer negativo” desse órgão. Mais ainda, tudo o que acontece fora do controlo das direções da esquerda reformista é visto com enorme desconfiança por essas direções. Com mais de seis anos de férrea conciliação de classes e, seguindo o programa de unidade nacional de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, a direção do BE, os seus satélites e todas as organizações políticas da pequena-burguesia estão determinados a abafar qualquer ação dos explorados e oprimidos que não se submeta ao seu calendário eleitoral e aos seus interesses particulares.

A luta continua!

Todos os direitos conquistados pelas pessoas LGBTI+ foram conquistados com luta. Além de terem sido pagos com o sofrimento de incontáveis milhares de pessoas LGBTI+ anónimas que enfrentaram insultos, repressão, prisões e até a morte, é preciso frisar que foram conquistados coletivamente por um movimento de massas capaz de mobilizar muitas mais camadas da classe trabalhadora, dos pobres e da juventude.

Não há outra via para a vitória a não ser a luta de massas nas ruas, a organização da juventude e dos trabalhadores LGBTI+ sob um programa com independência de classe, socialista e revolucionário. A história deixa isto muito claro, e é hoje mais urgente do que nunca recuperar o espírito da Revolta de Stonewall, com o seu caráter vincadamente revolucionário e anticapitalista.

As ruas são nossas! Por um movimento LGBTI+ de classe, socialista e revolucionário!

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