No passado mês de Setembro foi divulgada ao público a decisão do tribunal de Vila Nova de Gaia (confirmada num acórdão do Tribunal da Relação do Porto) de condenar os dois violadores de uma mulher de 26 anos, que se encontrava inconsciente na casa de banho de uma discoteca Vila Nova de Gaia, a quatro anos e meio de pena suspensa. A justificação dada para a relativização foi um clima de “sedução mútua”. A Associação Sindical dos Juízes Portugueses não tardou em sair em defesa da decisão alegando que “A maior parte das pessoas entende que para que exista violação basta a pessoa não dar o seu consentimento ou, neste caso, a pessoa estar inconsciente. Mas não. Juridicamente isso não é violação”. Quem explicou isto foi a secretária-geral da Associação, Carla Oliveira, uma mulher.

Mais uma vez vemos o verdadeiro carácter machista da Justiça, que relativiza e normaliza a violência contra a mulher culpando a vítima, a pessoa que tem o seu direito à liberdade revogado e o seu consentimento invalidado. A Justiça concede desta forma impunidade aos violadores e deixa bem clara a mensagem de que para tal violência não há consequências. Em Portugal o único crime violento que aumentou em 2017 foi a violação, cerca de 21% em relação ao ano anterior, crime este que em 53,3% dos casos são perpetuados por pessoas próximas às vítimas, sejam familiares ou conhecidos.

Este não é um caso isolado e não pode ser reduzido a apenas um punhado de indivíduos machistas. O machismo é sim uma componente da Justiça, e esta um dos pilares em que assenta o aparelho do Estado, cuja existência é justificada pela manutenção de um sistema baseado na exploração e opressão de classe, de género e de raça. Nestas alturas ouve-se o bradar das vozes mais liberais, que denunciam como problema a ausência de uma perspectiva de género dos tribunais e que apontam como solução a sensibilização e a educação de juízes e juízas para a atingir. Nós rejeitamos este argumento que apenas procura abafar a discussão que vai ao fundo da questão — o problema não é a falta de educação dos juízes e juízas, mas sim a ausência de democracia na própria justiça e nos tribunais. Estas juízas que atestam a impunidade dos violadores e agressores não verão a mesma coisa que nós vemos nestes casos? Certamente o verão, a diferença é que estas pertencem a uma casta cujo propósito é servir o sistema e garantir a ordem estabelecida, obrigatoriamente perpetuando as opressões necessárias ao normal funcionamento do capitalismo.

À medida que a crise capitalista se vai acentuando, também a violência contra as mulheres aumenta. A precariedade laboral, ao mutilar os direitos da classe trabalhadora e da juventude, afecta especialmente as mulheres trabalhadoras, tornando-as vulneráveis: ao assédio no trabalho cada vez mais precário, que têm de suportar para o conseguir manter; à violência doméstica, onde na falta de autonomia financeira ficam à mercê dos parceiros ou familiares; nos direitos reprodutivos, sobre os quais não têm garantia absolutamente nenhuma sem um Sistema Nacional de Saúde funcional e verdadeiramente acessível; e em tantos outros aspectos.

Um desses aspectos é o do trabalho doméstico: com a constante delapidação dos serviços públicos as mulheres trabalhadoras têm sido forçadas a assumir ainda mais responsabilidade nas tarefas domésticas, no cuidar das crianças, dos idosos e dos familiares doentes. Sem uma rede pública de creches ou de cuidados de enfermagem e com um Sistema Nacional de Saúde de tal maneira degradado, o tempo diário que as mulheres trabalhadoras gastam nas tarefas domésticas chega a ser quase mais duas horas do que os homens. Esta é a realidade que revolta a maioria da juventude e mulheres trabalhadoras, que vêem os seus sonhos de uma vida emancipada afastados.

Greve geral feminista!

A luta contra a violência machista só pode ser uma luta de toda a classe trabalhadora, unida e organizada. Continuamos a assistir à intensificação da desigualdade salarial, da dependência económica, à perda dos direitos reprodutivos e ao consequente aumento da violência contra a mulher. O espaço aberto pela ausência de forças de esquerda capazes de apontar um caminho para a construção de uma outra sociedade que rejeite a lógica actual e dominante do lucro, uma sociedade socialista, está a ser ocupado com discursos populistas de direita que não se abstêm de pregar as suas ideias conservadoras, retrógradas e moralistas respectivamente ao lugar da mulher na vida social. Temos que combatê-lo!

Eliminar a violência machista nunca será possível sem romper com um sistema que depende desta e de outras opressões para manter a sua ordem e o funcionamento. É necessário que nos organizemos para lutar pelos nossos direitos numa ofensiva directa contra o Capital e o seu Estado, com mulheres e homens organizados nos seus locais de trabalho e de estudo reivindicando a dignidade e a igualdade em casa e no trabalho.

A luta é o único caminho! Aderimos à greve geral feminista internacional no dia 8 de Março de 2019, queremos construí-la, por um movimento feminista de classe capaz de conquistar os direitos que nos são devidos!

JORNAL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA

JORNAL DA LIVRES E COMBATIVAS