Hoje, com a aprovação da lei em parlamento da auto-determinação de género — que elimina legalmente a patologização das pessoas trans, permitindo a alteração do nome e género no cartão de cidadão a partir dos 16 anos, e que proíbe as cirurgias a bebés intersexo — deu-se um passo importante na luta contra a discriminação de quem recusa o género que lhe é atribuído por esta sociedade patriarcal.

A classe trabalhadora trans, para além de explorada enquanto trabalhador/a é ainda oprimida enquanto trans, sendo mais afectada pela violência e assédio, pela precariedade, pela crise da habitação, pela degradação do Sistema Nacional de Saúde ou pela elitização do sistema público de ensino.

Enquanto marxistas, defendemos a liberdade sexual e do género, que todos os indivíduos tenham a possibilidade de viver de forma plena as suas relações, a sua sexualidade e o seu género. Defendemos o fim da violência sobre todas as pessoas LGBTQI+. Só podemos, portanto, defender esta nova lei da auto-determinação de género, que deixa ainda propostas de protecção das pessoas trans na saúde, na educação e no trabalho.

Diz o projecto de lei apresentado pelo Governo que “O Estado deve garantir o direito ao acesso e à protecção da saúde física e mental de todas as pessoas que, face à identidade de género e expressão de género manifestadas e às suas características sexuais, procurem serviços de referência ou unidades especializadas no Serviço Nacional de Saúde, designadamente para tratamentos e intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza, destinadas a fazer corresponder o corpo à sua identidade de género”.

Sabemos, no entanto, que com as contínuas políticas de desinvestimento deste Governo no Sistema Nacional de Saúde, as condições das infraestruturas e as condições laborais dos profissionais de saúde se têm deteriorado, eliminando o acesso democrático previsto pela lei a cuidados de saúde. A qualidade dos cuidados não é garantida e são eliminados serviços que obrigam a deslocações a outras regiões do país ou a tempos de espera excessivos.

É fundamental que as pessoas LGBTQI+, profundamente afectadas pela violência dos últimos anos de austeridade, se unam à restante classe trabalhadora na luta por um Sistema Nacional de Saúde de qualidade e gratuito, que garanta serviços segundo as suas necessidades e condições laborais dignas aos trabalhadores da saúde — garantindo assim todo o apoio à saúde física e psicológica das pessoas trans, incluindo acesso a intervenções cirúrgicas e tratamentos hormonais.

É ainda fundamental lutarmos por um sistema de educação público e gratuito, que elimine a precariedade na educação, que coloque os currículos, os manuais e toda a gestão das escolas e universidades ao serviço dos estudantes e trabalhadores de forma a garantir educação sexual inclusiva e formas eficazes de prevenção e combate a todas as formas de discriminação.

Partilhamos ainda da exigência do Bloco de Esquerda relativamente ao alargamento da lei à população trans imigrante e requerente de asilo, e propomos como medidas para a emancipação da classe trabalhadora LGBTQI+ um plano nacional de pleno emprego e o controlo de rendas que assegure o direito à habitação.

Não podemos deixar de denunciar o papel hipócrita do Partido Socialista, que se coloca aparentemente ao lado das pessoas trans e intersexo com a defesa desta lei, ao mesmo tempo que ataca os direitos de toda a classe trabalhadora — branca e negra, heterossexual e não-heterossexual, cis e trans — ao defender a privatização da educação, a degradação da saúde ou o aumento da precariedade, em nome do cumprimento das metas do défice. Melhor dizendo, em nome dos seus compromissos com o capital financeiro, como provou, mais uma vez, o mais recente perdão de dívida ao Novo Banco.

E denunciamos também a abstenção na proposta geral por parte do Partido Comunista Português, bem como o silêncio perante esta conquista importantíssima para as pessoas trans. O PCP, numa frente unida com o Bloco de Esquerda, CGTP, e todas as organizações laborais, de esquerda e feministas, deveria estar a apoiar esta legalização da auto-determinação de género construindo, com a classe trabalhadora LGBTQI+, uma alternativa dos trabalhadores a este governo de austeridade.

Neste período de crise capitalista, as camadas mais oprimidas são também as mais afectadas pelos recuos reaccionários que defendem o modelo familiar burguês e patriarcal. Em capitalismo, num sistema dominado pelos interesses económicos de uma elite minoritária, nenhum direito conquistado é duradouro — vejamos como exemplo os ataques aos direitos reprodutivos na Polónia, no Brasil ou nos EUA.

Enquanto perdurarem as relações de produção capitalistas — logo, a reprodução da miséria da maioria trabalhadora ao serviço do lucro da classe capitalista —, a maioria das pessoas LGBTQI+ estará condenada à instabilidade laboral, à violência e à inacessibilidade de cuidados de saúde de qualidade.

A luta pela libertação sexual e de género, pelo fim da opressão das pessoas LGBTQI+, é uma luta pelo fim do sistema capitalista e por uma sociedade cuja riqueza e produção seja gerida democraticamente, que coloque os hospitais, as escolas, a cultura e o trabalho doméstico sob controlo democrático da maioria — uma luta pelo socialismo.

Apelamos a toda a juventude e classe trabalhadora a participar nas Marchas do Orgulho LGBTQI+, dia 16 de Junho, para levantarmos unidos a bandeira do fim da violência sobre as lésbicas, bissexuais, gays, trans, pessoas queer, intersexo, e todos os restantes grupos que reivindicam a auto-determinação sexual, de género e relacional. Esta será ainda uma oportunidade para denunciarmos o papel do Partido Socialista e de organizações como a ILGA – Intervenção Lésbica, Gay e Transgénero, que promovem a participação de grandes empresas e bancos na marcha, ligando a luta LGBTQI+ à luta de toda a classe trabalhadora — pelo fim da austeridade e da precariedade, pelo aumento do salário mínimo para 900€, pela defesa das 35 horas para todos e da contratação colectiva.

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