O impacto da pandemia expôs mais uma vez, de forma nítida, a única face possível da exploração sexual. Independentemente das suas vidas, do seu estado físico, muito menos do seu estado emocional, olhando apenas à quantidade de notas que podem entrar no bolso dos donos das “casas de meninas”, milhares de mulheres são desumanizadas e submetidas a uma violência selvagem na infinita lista de bordéis que povoam ostensivamente a geografia do Estado espanhol. Alguma vez um vírus representaria o menor problema para proxenetas ou compradores de sexo continuarem a extorquir mulheres, pressionadas a vender os seus corpos num bordél ou na rua?

O problema dos bordéis é o Covid-19?

No contexto de crise sanitária, no dia 21 de agosto, a Ministra da Igualdade, Irene Montero (Podemos), exigiu que as Comunidades Autónomas fechassem os bordéis por serem uma das principais fontes de contágio. É extraordinariamente grave que o governo de coligação que se autodenomina o “mais feminista da história” — e em particular o Ministério da Igualdade, chefiado pelo Unidas Podemos — pretenda encarar esta realidade apenas como mais um problema de saúde pública e não como aquilo que realmente é: um negócio multimilionário baseado no rapto e no tráfico de pessoas, na supressão de direitos e na violação sistemática das mulheres mais oprimidas da classe trabalhadora. Um flagelo social que deve ser abolido.

Esta proposta foi apresentada como um avanço no combate à exploração sexual. Nada poderia estar mais longe da realidade. Irene Montero limitou-se a “recomendar” às Comunidades Autónomas o encerramento dos bordéis e espaços de prostituição, já que os contágios que aí ocorrem poderiam levar a um “potencial aumento de casos positivos de difícil rastreamento”. Já vimos o resultado: muitos governos regionais, especialmente em territórios onde a prostituição está intimamente ligada ao turismo, mantiveram a sua actividade sem dificuldade alguma e perante a passividade do governo central.

Em nenhum momento se questiona ou se pretende desmantelar este negócio lucrativo, que opera com a conivência e impunidade absoluta do aparelho de Estado e das demais instituições do sistema.

O máximo que propõe a ministra Irene Montero é o encerramento “temporário” dos bordéis, e que quando a pandemia passar — ou simplesmente se verificar uma ligeira melhoria — volte tudo ao normal. O mais ofensivo é a ausência absoluta de qualquer plano para retirar as mulheres prostituídas das condições de miséria e de dependência económica com as quais são aprisionadas aos bordéis ou empurradas para as ruas para sobreviver. Sem os recursos necessários para permitir uma alternativa à prostituição, em que condições ficam as mulheres prostituídas com o encerramento dos bordéis?

Evidentemente, este abandono institucional contrasta com a situação da máfia proxeneta que, sendo reconhecida como associação patronal desde 2001 com o beneplácito do Supremo Tribunal, terá inclusivamente direito a requerer do governo ajuda para os lay-off. Um escândalo absoluto!

A violência cresce e a protecção diminui para as mulheres prostituídas

De acordo com o relatório da Prevención, Reinserción y Atención a la Mujer Prostituida (APRAMP), embora durante o estado de alarme “casas de meninas” e bordéis tivessem sido encerrados, 80% da prostituição dessas dependências foi redirecionada para apartamentos e casas particulares. Como indica a APRAMP, aumentaram as práticas mais humilhantes e violentas impostas sobre mulheres que, em situação de completa indefesa, se vêem forçadas a aceitar.

Os “empresários” dos bordéis aproveitam-se totalmente desta terrível vulnerabilidade. Como a maioria são imigrantes, condenadas à “irregularidade” pela Lei da Imigração, sem acesso ao sistema público de saúde, sem família ou rede de apoio e sem outra residência além do quarto que alugam no bordel, as dívidas destas mulheres para com os seus exploradores aumentaram exponencialmente.

Por outro lado, a passagem dos bordéis para os apartamentos não tem sido um obstáculo para os proxenetas evitarem os efeitos do confinamento ou aumentarem os seus negócios e a exploração do corpo das mulheres. No Estado Espanhol, a prostituição digital e o tráfico de pornografia aumentaram 30% desde março, e os registos de visitas a sites com conteúdo pornográfico desde o início do confinamento ultrapassaram a soma total de visualizações da Netflix, Amazon e Twitter combinadas.

Apesar de tudo isso ser mais do que sabido, durante estes meses, tanto o silêncio como a inacção do Ministério da Igualdade e do governo foram estrondosos.

E não é tudo. Inicialmente, o governo anunciou que tanto as vítimas de tráfico como as outras mulheres em “contexto de prostituição” seriam um grupo prioritário no que diz respeito ao rendimento mínimo vital. Mas, uma vez aprovado no Boletim Oficial do Estado (BOE), as “mulheres em contexto de prostituição” ficaram de fora do documento perante o silêncio absoluto do Ministério da Igualdade.

Em vez disso, uma administração sem recursos foi indigitada com a tarefa de identificar e decidir o que é tráfico e o que não é. Ou seja, as mulheres em situação brutal de extorsão económica e abusos, que necessitam de atenção integral e de recursos materiais e psicológicos para saírem da sua situação, terão que se expor a um longo processo que se provou incapaz de garantir a confidencialidade. Como se podem sentir protegidas as mulheres assediadas e violentadas pelo seu proxeneta, que vivem na pobreza, com responsabilidades familiares e ainda socialmente estigmatizadas, ou sob ameaça de serem expulsas do país, se em vez de receberem uma alternativa imediata são questionadas num exame público?

Ou será que o Ministério da Igualdade se esqueceu que a maior força de coerção com a qual operam os exploradores da prostituição é a falta de recursos económicos e a ausência total de direitos destas mulheres? Fechar bordéis sem combater radicalmente as condições que empurram as mulheres para a pobreza, a precariedade e o desemprego só contribui para manter intactas as raízes sobre as quais se fortalece a prostituição.

Abolir a prostituição e defender as vítimas!

Se o Ministério da Igualdade e o governo querem defender as mulheres que sofrem exploração sexual diariamente, é preciso uma mudança radical. Começando com o encerramento não temporário, mas total e definitivo dos bordéis, e continuando com a apreensão da fortuna pessoal e bens dos proxenetas, traficantes de pessoas e beneficiários da exploração sexual, de forma a investir estas fortunas na garantia dos direitos sociais e económicos das vítimas e suas famílias.

Como? Garantindo um subsídio de desemprego por tempo indeterminado até que estas mulheres encontrem um emprego digno, sem demora ou obstáculos institucionais; expropriando casas vazias nas mãos dos bancos para fornecer habitação pública digna e acessível com abastecimento básico de água, eletricidade e aquecimento; garantindo a protecção social, sanitária e educacional aos seus filhos e filhas de forma a evitar a violência contra eles, e devolvendo a guarda dos filhos às mulheres que, estando em situação de prostituição, viram esse direito ser-lhes retirado.

O governo de coligação tem de garantir a regulamentação e o direito à cidadania para todas as mulheres prostituídas estrangeiras vítimas de tráfico, bem como garantir pelos meios públicos o direito ao reagrupamento familiar no exterior e acabar com as deportações. E, é claro, revogar todas as leis e regulamentos municipais e estatais repressivos que criminalizam as mulheres na prostituição.

 
 
 
 
 
 

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