Depois de dias de uma ofensiva policial e judicial sem quartel em que os direitos democráticos foram espezinhados com sanha, o governo do PP decidiu utilizar a repressão massiva para impedir o povo da Catalunha de exercer o seu direito de decidir.
O povo catalão tem o direito de decidir!
Numa operação que relembra os tempos da ditadura franquista, efectivos da Guarda Civil detiveram 14 autoridades da Generalitat [1] responsáveis pela organização do referendo de 1-O [1 de Outubro]. Assim que receberam as primeiras notícias destas ações autoritárias, milhares de jovens e trabalhadores tomaram as ruas de Barcelona e muitas outras cidades para responder à repressão e defender a liberdade e os direitos do povo catalão.
O confisco de propaganda com a invasão de gráficas e sedes, a imposição de uma massiva censura de informação, a detenção de jovens por afixar cartazes, as ameaças de acções penais contra centenas de membros do governo local, o confisco indiscriminado de documentos nas sedes do governo e tentativas de assalto às sedes da CUP [2], a proibição de manifestações pelo direito de decidir em Madrid, Gasteiz, Gijón, a intervenção nas finanças da Generalitat por parte do governo central, o envio de milhares de polícias para a Catalunha para intimidar a população e implementar o que, de facto, é um Estado de Excepção… esta é a receita com a qual o PP, o aparato do Estado, Ciudadanos [3] e, lamentavelmente, a direção do PSOE, pretendem impedir que o povo da Catalunha exerça seu direito de votar sobre a relação que quer ter com o Estado Espanhol, incluindo o seu legítimo direito à independência.
Um ataque sem precedentes contra os direitos e liberdades democráticas
A ofensiva policial foi preparada de antemão pelo governo. Tanto assim é que Rajoy se reuniu nas primeiras horas da quarta-feira, 20 de Setembro, com Pedro Sánchez no [Palácio de] La Moncloa e, posteriormente, com Albert Rivera. Que escândalo ver os dirigentes do PSOE a apoiar esta ofensiva franquista contra o povo da Catalunha!
A cumplicidade dos actuais dirigentes do PSOE com o PP para amordaçar o povo catalão e impedir que se vote no próximo dia 1 de Outubro passará à história da social-democracia como uma das suas páginas mais infames. Estas são as consequências nefastas de abraçar durante anos o nacionalismo espanholista e de se fundir com a classe dominante em todos os assuntos essenciais. Não só abandonaram o ponto de vista do socialismo no respeitante à questão nacional — que sempre defendeu o direito de autodeterminação das nações oprimidas —, os dirigentes do PSOE, ainda que apelem retoricamente a “negociações”, colocaram-se na prática ao lado dos franquistas que negam que a Catalunha seja uma nação e estão dispostos a empreender uma nova “cruzada”, recorrendo à violência e à repressão de Estado, para demonstrá-lo.
A ideia de que o referendo de 1-O representa um “golpe de Estado” e é uma imposição “antidemocrática” contra um sector da população catalã é uma das maiores mentiras que tentam vender os meios de comunicação ao serviço da burguesia espanhola. E um absurdo em si mesmo. Se o Estado, o PP e os partidos que a eles se subordinam estão tão seguros de que os independentistas são uma minoria, por que não aceitar as urnas? Por que impedir a votação? Porquê na Venezuela, mas não na Catalunha?
Numa votação democrática sobre a autodeterminação, todas as pessoas que não apoiam a independência têm a opção clara de não votar ou votar pelo NÃO. Partidos como o PP, Ciudadanos ou o PSOE, que defendem a legalidade emanada [pela Constituição] de 78, têm uma grande quantidade de recursos e de influência para fazer uma campanha a favor dos seus argumentos e contra a independência. Por isso mesmo, a autêntica razão que explica a atitude selvagem da direita e do Estado não é que defendam a democracia, mas exatamente o contrário: é que negam que o povo da Catalunha tenha o direito de decidir e que a Catalunha seja uma nação. A sua posição não é mais que a continuação de uma linha de conduta que a burguesia espanhola e o seu Estado centralista têm manifestado historicamente, esmagando, na maioria das vezes com mão militar, as aspirações democrático-nacionais da Catalunha, Euskal Herria [4] e Galiza. Isto foi o que aconteceu sob a ditadura franquista, e desde a Transição que qualquer avanço nesses direitos tem sempre sido resultado de mobilizações massivas.
Numa conferência de imprensa, ao lado de todos os seus conselheiros, o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, apontou a realidade da situação: “O Estado Espanhol suspendeu de facto o auto-governo da Catalunha e aplicou de facto um Estado de Excepção”. Torna-se realmente incrível que um dirigente de um partido nacionalista burguês tenha que dizer estas coisas. Até onde chegou o PP a espezinhar os mais elementares direitos democráticos! Agora vê-se com toda a clareza por que motivo o partido de Rajoy sempre se recusou a condenar a ditadura franquista e pode verificar-se o que nós, marxistas, sempre temos defendido: que o aparato do Estado está cheio de elementos fascistas e reacionários e que a chamada Transição não os purgou, pelo contrário, protegeu-os e alentou-os.
Com efeito, o que vivemos na Catalunha é a suspensão na prática do Estatut [5] e do governo catalão, que tem anuladas as suas funções políticas mais importantes. O PP e os seus aliados, apoiados pelos meios de comunicação da burguesia espanholista, esfregam as mãos: por fim a lei é cumprida, há Estado de direito e reina a “democracia”. O partido que está inundado de casos de corrupção, que corta selvaticamente os gastos em educação e saúde públicas, que presenteou os banqueiros com mais de cem mil milhões de euros, que nos despeja das nossas casas, nos condena à precariedade e aos baixos salários, suporta regimes ditatoriais como o marroquino ou o saudita e fortalece as intervenções militares do imperialismo… este mesmo partido quer dar-nos lições de democracia!
Há que responder com mobilização massiva da classe trabalhadora e da juventude: Greve Geral já!
Esta ofensiva franquista foi contestada nas ruas valente e decididamente pela população catalã e o caráter multitudinário desta reação exemplar só é incrementado a cada dia. Mas é completamente necessário incorporar a classe trabalhadora nesta luta, e que esta se mobilize de maneira unitária juntamente com a juventude e os sectores das camadas médias que já o fazem. É também necessário impulsionar uma resposta fora da Catalunha, porque esta agressão contra as liberdades democráticas representa uma enorme ameaça para o conjunto da população de todos os territórios e especialmente para os trabalhadores, os jovens e as suas organizações combativas.
Como Esquerra Revolucionària [6], apoiamos totalmente as mobilizações que se estão a desenvolver por toda a Catalunha e pelo Estado Espanhol, mas se queremos quebrar o assalto autoritário perpetrado pelo governo central é urgente que o conjunto da esquerda que luta, os movimentos sociais e os sindicatos da classe (CUP, ERC, Catalunya en Comú, Intersindical, CCOO, UGT, CGT, etc.) ponhamos mãos à obra organizando a resposta mais contundente possível, e isto só se pode realizar convocando já uma greve geral de 24 horas o a qual paralisaremos toda a vida económica e social da Catalunha.
Uma greve geral na Catalunha deve ser acompanhada de um apelo à mobilização da classe trabalhadora e da juventude do resto do Estado Espanhol em apoio ao povo catalão e aos seus direitos democráticos, mas que também deve ser um ponto de inflexão para que a esquerda que luta tome a a direção deste processo e junte a defesa do direito de autodeterminação a um programa contra a austeridade e os cortes sociais. Uma mobilização com estas características é o caminho mais eficaz para derrotar o PP e as suas políticas franquistas, e conseguir tirar a direita catalã do Governo da Catalunha.
Por uma república socialista catalã!
A razão fundamental que impediu até ao momento que o enorme mal-estar social que existe na Catalunha conflua numa autêntica rebelião social que derrote o Estado, o PP e suas políticas capitalistas, é que as formações parlamentares da esquerda da social-democracia (CUP, Podemos, Catalunya en Comú, Izquierda Unida) e os sindicatos recusaram colocar-se à frente deste grande movimento de massas com um programa que una a luta pela autodeterminação às reivindicações económicas e sociais que exige a maioria da classe trabalhadora, a juventude e os setores populares.
Cedeu-se a direção formal da luta contra o Estado e o governo do PP ao PDeCAT [7], permitindo que estes políticos burgueses possam aparecer como as únicas vítimas da política autoritária da direita espanholista. Isso manteve uma divisão negativa entre a classe trabalhadora. Ao contrário do que defendem os dirigentes da CUP e da ERC [8], a direção do processo por parte do PDeCAT não soma, subtrai. Inclusivamente do ponto de vista da defesa dos direitos nacionais, os dirigentes do PDeCAT procuraram todas as desculpas possíveis para não convocar o referendo. Finalmente, a pressão do movimento e a evidência de que se não o fizessem perderiam estrondosamente as eleições levou-os (com muitas divisões internas) a marcar uma data.
Apesar dos desejos da reacção e da sua grosseira manipulação dos fatos, vomitada constantemente nos meios de comunicação, a realidade é que os milhões de jovens e trabalhadores que não votaram na consultação de 9-N [9] ou não responderam à Diada [10] não rejeitam o direito de decidir. A grande maioria deles mobilizou-se contra tudo o que o PP representa: os cortes, os despejos, a corrupção, etc. Se não fizeram o mesmo em apoio ao referendo até agora, é porque na direção do “processo” estão Puigdemont e Mas, os do caso Palau e do esquema de corrupção dos 3% [11], os mesmos que sempre estiveram ao lado do PP contra os trabalhadores, aprovando as reformas laborais, os cortes na saúde e na educação ou as privatizações.
Mas agora tudo isso pode mudar. Não há dúvidas de que a repressão promovida pelo PP é um abanão para milhões de trabalhadores e jovens dos bairros operários de toda a Catalunha. As imagens da Guarda Civil a fazer detenções e de Rajoy a vangloriar-se de maneira arrogante das suas medidas repressivas estão a ter um impacto na consciência de milhões — dentro e fora da Catalunha — porque são uma repetição do que viveram gerações inteiras sob o franquismo. Não há como esquecer que os direitos democráticos de que hoje desfrutamos, incluindo o Estatut e o restabelecimento da Generalitat, foram produto da mobilização massiva dos trabalhadores da Catalunha, muitos deles imigrantes que com suas famílias povoaram e povoam as localidades do cinturão vermelho de Barcelona e outras cidades.
Agora mesmo reúnem-se todas as condições para unir os milhões que já estão mobilizados, dispostos a defender nas ruas o referendo, com os sectores que também querem lutar contra a repressão mas desconfiam do PDeCAT. Se os dirigentes da esquerda, estatal e catalã, e os sindicatos de classe convocarem uma greve geral e mobilizarem a classe trabalhadora, a juventude e os sectores populares, dentro e fora da Catalunha, em defesa do direito de decidir, contra o PP e a repressão do Estado, demarcando-se claramente do PDeCAT — algo que a CUP deveria fazer imediatamente, rompendo o seu pacto parlamentar com a direita catalanista – e ligando esta batalha à luta contra os cortes, por emprego digno, saúde e educação públicas, etc., não só seria possível travar a repressão como também abrir caminho para um governo de esquerda e para a república socialista catalã.
A única forma de tornar efectivo o direito de autodeterminação é unificando a grande maioria da população na Catalunha e, em primeiro lugar, a poderosa classe trabalhadora catalã, com um programa que vincule de maneira inseparável, como duas faces da mesma moeda, a luta pela autodeterminação e a luta contra o capitalismo. Pela mão da burguesia catalã é impossível uma verdadeira libertação social e nacional da Catalunha.
Como Esquerra Revolucionària, apelamos a todos os trabalhadores e jovens da Catalunha a lutar de maneira decidida contra este golpe autoritário do PP e do Estado, pelo direito de decidir e poder exercer o voto no 1-O, e por uma república socialista catalã que acabe com os cortes, que crie milhões de postos de trabalho com direitos e salários dignos, que ponha fim aos despejos e que nacionalize os bancos e as grandes empresas para colocar a riqueza ao serviço das necessidades da maioria.
Esta república socialista catalã geraria uma simpatia avassaladora entre os trabalhadores do resto do Estado Espanhol (que têm o mesmo inimigo, a burguesia, e sofrem os mesmos ataques) e em todos os demais países da Europa, abrindo uma senda para a transformação social e para a libertação de todos os povos oprimidos.
Contra a repressão e pelo socialismo, junta-te à Esquerra Revolucionària!
[1] Governo da comunidade autónoma da Catalunha.
[2] Candidatura d’Unitat Popular (em português: Candidatura de Unidade Popular) é um partido catalão independentista de esquerda.
[3] Ciudadanos – Partido de la Ciudadanía é um partido da direita liberal e contra a independência da Catalunha.
[4] Euskal Herria, na língua euskera (língua basca), é o nome do comummente chamado País Basco.
[5] O Estatuto de Autonomia da Catalunha, ou seja, a lei da constituição de 1978 que confere à Catalunha a sua autonomia.
[6] Nome catalão da Izquierda Revolucionaria, secção do CIT no Estado Espanhol.
[7] Partit Demòcrata Europeu Català (em português: Partido Democrático Europeu Catalão) é um partido catalão independentista de direita.
[8] Esquerra Republicana de Catalunya (em português: Esquerda Republicana da Catalunha) é um partido independentista e social-democrata catalão.
[9] Os autores referem-se ao referendo de 9 de Novembro de 2014, também sobre a independência da Catalunha.
[10] Dia nacional da Catalunha, marcado todos os anos por um festival e, recentemente, com manifestações independentistas.
[11] Trata-se aqui de dois esquemas de corrupção com desvio de fundos que geraram escândalo na Catalunha, os chamados “Caso Palau” e “Caso 3%”. Ambos envolvem Artur Mas, figura de proa do PDeCAT, e outros membros do PDeCAT, do qual faz parte Carles Puigdemont, o presidente do governo da Catalunha.