Continuar a luta até conquistar a república socialista catalã!

O Supremo Tribunal tornou pública a sentença do julgamento do Procés1. As duras condenações dos presos políticos representam, acima de tudo, uma declaração de guerra do regime de 78 ao povo catalão, ao seu direito legítimo de decidir e à luta pela república. Uma sentença que confirma o que já sabíamos: que a democracia construída nos anos da Transição é profundamente autoritária e está completamente sujeita a um aparato estatal herdado directamente da ditadura.

A burguesia espanhola, e também a catalã, deixaram claro que o povo da Catalunha é um perigoso inimigo a abater, como o foi em tantas outras ocasiões históricas, ao desafiar o regime capitalista e a sua ordem política. A determinação demonstrada a 1 de Outubro de 2017, organizando um referendo democrático no qual mais de dois milhões de pessoas exerceram o seu direito de voto a favor da independência e da república, tentam anulá-la e ocultá-la por todos os meios. Mas o mais importante, e o que desencadeou todos os alarmes da classe dominante, é que esse direito foi exercido pela acção directa de centenas de milhares de trabalhadores e jovens, resistindo à repressão desenfreada dos milhares de guardias civiles e polícias nacionais às ordens do Estado central.

Sim, naquele dia houve uma violência desmedida nas ruas de toda a Catalunha. Mas essa violência foi apenas uma parte, como testemunham milhares de fotografias, vídeos amadores e imagens que foram transmitidas pelos meios de comunicação ao longo do dia.

No mundo do regime de 78, a polícia de choque que entrava à machadada, partindo os vidros das escolas, que espancava violentamente idosos, mulheres e crianças, que roubava urnas como se fossem troféus de caça, que abria cabeças à bastonada, exercia a "legalidade constitucional". Maldita seja esta legalidade constitucional que recompensa os torturadores e protege os fascistas, que impede a exumação dos corpos de centenas de milhares de combatentes republicanos enterrados em valas e túmulos clandestinos, que resgata bancos, mas expulsa milhares de famílias de suas casas, que privatiza a saúde, a educação, condena-nos ao desemprego, a salários miseráveis e à precariedade. Esta constitucionalidade capitalista e opressiva não nos representa.

A 1 de Outubro, o povo da Catalunha disse basta à "unidade da pátria" imposta manu militari por um exército repleto de franquistas e de reaccionários. Rebelou-se contra um Estado que nega o direito legítimo à autodeterminação, mas também contra os políticos que usaram as instituições para servir o grande poder económico e a oligarquia catalã. Ou não foi a grande greve geral de 3 de Outubro, que mobilizou milhões de trabalhadores e jovens numa demonstração de força sem precedentes, um aviso claro de que a república à qual aspiramos significa romper decisivamente com tudo o que nos levou à situação atual?

Como a 14 de Abril de 1931 e a 19 de Julho de 1936, os trabalhadores, os jovens e o povo da Catalunha colocaram-se na vanguarda da luta pela transformação da sociedade.

O que aconteceu em Outubro de 2017 foi o questionamento mais sério, decidido e radical alguma vez feito ao regime capitalista que, nos anos setenta, restaurou uma democracia parlamentar sob controlo. Todos os verdadeiros poderes entendiam o que estava em jogo e agiam em concordância: lançaram uma furiosa campanha repressiva, incentivaram o nacionalismo espanhol mais repugnante e usaram todas as ferramentas à sua disposição — desde a monarquia de Filipe VI, à polícia, aos tribunais, aos partidos do sistema, até aos meios de comunicação social — para dar uma lição inesquecível ao povo catalão. Deve-se dizer, no entanto, que fracassaram retumbantemente.

Não é rebelião, mas "sedição"

Este ataque frontal aos direitos democráticos do povo catalão representa uma ameaça directa às conquistas e liberdades da classe trabalhadora e da juventude de todos os territórios. Daí a sua importância histórica.

Durante quase dois anos, ouvimos os representantes mais bem-sucedidos da reacção espanholista, mas também de vários líderes da social-democracia, falar sobre um "golpe de estado". Na realidade, o que o Supremo Tribunal julgou foi uma mobilização exemplar e pacífica e, indirectamente, são obrigados a reconhecê-lo no próprio auto, utilizando vários subterfúgios para fundamentar o delito de "sedição" e "desfalque" depois de abandonar o de "rebelião".

Assim, a sentença refere-se a como, no Outono de 2017, houve "episódios incontestáveis de violência", mas ao mesmo tempo reconhece que não são suficientes para condenar os presos por rebelião: "A violência tem que ser uma violência funcional, instrumental, premeditada de forma directa, sem intermediários, para os fins que almejam com essa acção os rebeldes. ”

No lugar da rebelião, o Supremo Tribunal tipifica o delito de sedição e justifica-o recorrendo à concentração pacífica de 20 de Setembro de 2017 perante a Conselleria d'Economia [o ministério autonómico da economia], na qual dezenas de milhares de pessoas participaram, e a "resistência" à violenta operação da polícia nacional e da Guardia Civil a 1 de Outubro. Tudo isso serve para montar uma resolução que justifique o crime de sedição, conforme explicado pelo Código Penal: “a acção de levantar-se pública e tumultuosamente para impedir, por força ou fora das vias legais, a aplicação das Leis ou qualquer outra autoridade, corporação oficial ou funcionário público, o exercício legítimo das suas funções ou o cumprimento dos seus acordos ou de resoluções administrativas ou judiciais.”

E aqui chegamos ao ponto central dessa sentença escandalosa contra a democracia. Segundo o Supremo Tribunal, a mobilização pacífica de milhões de pessoas que exercem um direito político, como votar para decidir sobre o tipo de relacionamento que querem que a Catalunha tenha com o resto do Estado, é considerada um crime e cola-se-lhe o rótulo de violência. Desta forma, as grandes mobilizações do 15M em 2011, as acções para impedir despejos, as greves gerais, as marés cidadãs ou as marchas da dignidade... poderiam ser classificadas como sedição.

Com esta decisão, fica claro que o regime 78 não pode tolerar o exercício democrático de um povo inteiro. Por que razão? Porque o triunfo da mobilização a favor da república poderia abrir uma fase muito perigosa de rebelião social e política contra as instituições capitalistas.

Numa coisa concordamos com os analistas do sistema: os eventos de 1 de Outubro abriram uma crise revolucionária. E nós, como marxistas, sublinhamos: uma crise revolucionária completamente legítima e necessária quando se trata de transformar uma ordem política e económica injusta, que existe contra os interesses da maioria.

O legal é democrático?

A ideia de que tudo o que é legal é democrático é martelada pelo governo em funções e pelos partidos do sistema. Mas este tipo de silogismos esconde uma ideia completamente falsa e muito reaccionária. É evidente, para todos os que têm olhos na cara, que o que é legal numa sociedade baseada na exploração de uma classe sobre outra terá sempre a tarefa de salvaguardar a ordem estabelecida, ou seja, de defender os interesses da classe dominante; algo que não tem nada a ver com uma verdadeira democracia. Quando os oprimidos desafiam essa ordem, então o Estado — que é o instrumento de coerção por excelência da classe capitalista — entra em acção, revelando toda a sua violência.

As condenações fraudulentas contra os líderes independentistas contrastam brutalmente com as absolvições ou sentenças ridículas dos políticos corruptos do PP, dos banqueiros que levaram o Bankia ou o Banco Popular à falência, dos fascistas que atacam activistas de esquerda, dos líderes policiais envolvidos no narcotráfico ou dos violadores e assassinos de mulheres tratados com “paninhos quentes” pela justiça. Essa justiça tem um conteúdo claro de classe: é o mesmo que envia os jovens de Altsasu para a prisão, mantém Alfon atrás das grades, condena sindicalistas que participam em greves ou condena tweeters, rappers e activistas da PAH [Plataforma dos Afectados pela Hipoteca]. É a mesma justiça que se opõe a julgar os crimes do franquismo e considera perfeitamente legal a apologia da ditadura, realizada publicamente por dezenas de comandantes do exército.

A causa do povo da Catalunha é a causa da esquerda e de todos os que aspiram a transformar a sociedade

O Supremo Tribunal condenou Oriol Junqueras, ex-vice-presidente da Generalitat, à maior pena, 13 anos; três ex-consejeros2, Raül Romeva, Jordi Turull e Dolors Bassa, a 12 anos; a ex-presidente do Parlament, Carme Forcadell, a 11 anos; e os líderes da Assembleia Nacional Catalã e da associação cultural Òmnium Cultural, Jordi Sànchez e Jordi Cuixart, a 9 anos. Alcançarão assim o seu objetivo de conter o movimento de libertação nacional catalão? Obviamente que não, isso está completamente descartado.

Marx notou que um povo que oprime outro nunca poderá ser livre. É por isto que o marxismo revolucionário ergueu a bandeira do princípio do direito à autodeterminação das nações oprimidas, como aspiração democrática que deve ser apoiada por todos os revolucionários.

Obviamente, há muito que o PSOE já esqueceu e espezinhou estas ideias. A sua firme defesa do Artigo 155, a sua negação do direito a decidir, a sua capitulação diante do aparato do Estado, ajoelhando-se perante o nacionalismo espanholista — o mesmo que destruiu as liberdades democráticas nos anos 30 do século passado — tornaram-no, por direito próprio, um partido de Estado absolutamente confiável para a classe dominante. Não é coincidência que o slogan de campanha escolhido pelo PSOE seja “Agora Governo! Agora Espanha!” A opção de Pedro Sánchez não podia ser mais cristalina.

Da mesma forma, o que a outra parte da esquerda parlamentar do Estado espanhol está a fazer é um enorme erro. Unidas Podemos renunciou a envolver-se no movimento de libertação nacional da Catalunha, e com os piores argumentos. Em vez de estender a solidariedade ao povo da Catalunha e de promover a mobilização para a república em todos os territórios, reforçando o seu conteúdo de classe e unificando a resposta contra o inimigo comum — a monarquia, o patronato, o regime de 78 e todos os seus representantes — adoptaram uma posição cínica e equidistante entre a gente que foi espancada por organizar uma votação democrática e o bloco do 1553, que levantou a bandeira do mais rançoso espanholismo e da repressão em todas as suas formas possíveis.

A luta de milhões de pessoas pelo direito à autodeterminação e à república foi denunciada por numerosos intelectuais "progressistas" e políticos de esquerda, que supostamente se declaram "republicanos" e "comunistas", como um movimento reaccionário liderado pelas elites catalãs. Mas o certo é que a burguesia catalã não só não promoveu a independência e a república, como se posicionou firmemente contra ela, aliando-se à burguesia espanhola e jogando um papel fundamental na repressão e na campanha do medo (basta recordar as centenas de empresas que se retiraram da Catalunha imediatamente após 1 de Outubro).

O que vimos nas negociações para o fracassado governo de coligação entre o Unidas Podemos e o PSOE é conclusivo. Pablo Iglesias aceitou a política de Sánchez e renunciou expressamente ao direito à autodeterminação e a qualquer crítica ao regime de 78. Chegou até a afirmar que, caso se tornassem parte do governo e o PSOE aplicasse o 155, o acataria sem resistir. A experiência destes dois anos mostrou que o abandono de uma posição de classe e internacionalista na questão nacional converte-se numa renúncia completa à defesa dos direitos democráticos.

A burguesia espanhola está muito consciente de quão inaceitável é a sentença do Supremo Tribunal, e prepara-se para enfrentar uma resposta massiva nas ruas. É por isso que as detenções de nove activistas dos CDR [Comités de Defesa do Referendo], acusados de terrorismo, não são acidentais. Trata-se de fazer o máximo de ruído possível e ocultar, com mentiras e propaganda, a verdadeira situação. A interconexão entre os acontecimentos na Catalunha e as movimentações que ocorrem nas mais altas instâncias do Estado não passam despercebidas a ninguém. Com uma economia que avança para a recessão, a burguesia espanhola e catalã prepara cortes novos e brutais que atingirão milhões de trabalhadores e os sectores empobrecidos das camadas médias. Neste contexto, o exemplo que representa a continuidade da mobilização na Catalunha constitui um perigo real de desestabilização e resistência aos seus planos.

Com a repressão do povo catalão consolida-se a tendência autoritária que garante a unidade nacional imposta pela ditadura de Franco e seus herdeiros políticos, e que amanhã será utilizada ainda mais duramente contra qualquer movimento social, sindicato e organização que não esteja disposta a aceitar a política dos governos capitalistas.

Greve geral e um plano de luta para conquistar a república socialista catalã!

No movimento de libertação nacional catalão há um choque crescente que alimenta a sua diferenciação interna. Por um lado, centenas de milhares de jovens, trabalhadores e amplos sectores das camadas médias que querem levar até ao fim a luta por uma república que rompa com a opressão do Estado central e torne realidade a transformação social da Catalunha. Por outro lado, a direita catalanista (PDeCAT) e sectores da direcção da ERC que se estão a fazer os maiores esforços para negociar com o Estado uma saída em linhas autonomistas, o que lhes permitirá fazer recuar o movimento e retirá-lo das ruas.

Esta contradição expressou-se durante o último ano nos apupos a Torra4 ou nas exigências de renúncia a Buch, Ministro do Interior, pela repressão de diferentes manifestações antifascistas e independentistas. Voltou a expressar-se recentemente ante a decisão do Departamento do Interior de autorizar os Mossos5 a usar gás pimenta contra os manifestantes. Nos últimos meses este mal-estar refletiu-se em inúmeras críticas às assembleias territoriais do ANC e nas acções dos CDRs, ou na decisão de que os líderes dos partidos do Govern não marchassem à cabeça da manifestação da Diada6.

Devemos tirar todas as conclusões que a experiência nos permitiu durante estes anos. A resposta à sentença do Supremo Tribunal não se pode limitar a uma greve isolada — que alivia a pressão de uma panela a ferver — ou a uma abordagem política que leve ao rebaixamento dos nossos objetivos políticos precisamente quando temos a força para alcançá-los.

O Sindicat d'Estudiants está a organizar uma greve geral da juventude, de 72 horas e com um programa combativo: Fim da repressão franquista!, pela libertação imediata dos presos políticos, pela República Catalã dos trabalhadores e da juventude! Este é o caminho. Precisamos de um plano de luta ambicioso, à altura dos acontecimentos. É necessário que toda a esquerda combativa, os CDRs, os sindicatos de classe que se posicionaram a favor da república e todos os movimentos sociais elaborem um plano de acção prolongado no tempo, com um calendário claro de greves gerais, de ocupações de locais de trabalho e de estudo e de manifestações que ganhem o apoio massivo da população.

Conseguir um movimento de resistência desta magnitude exige que deixemos claro que lutamos por uma república socialista que nacionalize os sectores fundamentais da economia, bancos e grandes monopólios e que ponha um fim ao pesadelo dos cortes sociais, à falta de habitação pública e acessível, à precariedade e salários miseráveis, à violência patriarcal e à destruição do meio ambiente. Deste modo estabeleceríamos uma ponte capaz de superar as fronteiras da Catalunha e unificar a nossa luta com a dos trabalhadores e jovens do resto dos territórios, criando as melhores condições para enfrentar e vencer a repressão.

Centenas de milhares de pessoas na Catalunha estão fartas de palavras e promessas que nunca se concretizam. É por isso que devemos confiar nas nossas próprias forças e determinação para enfrentar a repressão do Estado e tornar a república uma realidade. Há que unir a libertação nacional à transformação socialista da sociedade e estabelecer uma estratégia capaz de alcançar a vitória. E não basta a vontade de lutar, é preciso agir conscientemente para construir um partido dos trabalhadores e da juventude que torne tudo isto possível.

Junta-te à Esquerda Revolucionária para construir a esquerda combativa!

Liberdade imediata para os presos políticos!

¡Visca Catalunya, lliure i socialista!

 


NOTAS:

1. O Processo de independência da Catalunha, com todo o conjunto de acontecimentos que implicou até agora — manifestações, o referendo, julgamentos, sentenças, etc. — é conhecido simplesmente como o “procés”, palavra catalã para “processo”.

2. Um consejero é, ao nível de uma região autónoma do Estado espanhol, o equivalente a um ministro.

3. O bloco de forças políticas que defendem a aplicação do artigo 155 da constituição do Estado espanhol, que permite a suspensão de todos os direitos democráticos das comunidades autónomas.

4. Quim Torra, presidente da Generalitat.

5. Mossos d’Escuadra é o nome da polícia catalã.

6. Dia Nacional da Catalunha, 11 de Setembro.

 

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