Depois das vergonhosas manobras do PSOE com o Ciudadanos e o desafio lançado por Isabel Díaz Ayuso, a decisão de Pablo Iglesias de se candidatar em Madrid abriu uma nova perspectiva.
Da Izquierda Revolucionaria, ao mesmo tempo que defendemos um programa anticapitalista contra os cortes, as privatizações e a repressão — e mantemos as nossas críticas à política da direção do Unidas Podemos — consideramos uma obrigação derrotar a extrema-direita nas urnas, apoiando a candidatura de Iglesias. Não há lugar para sectarismo estéril quando o que está em jogo é tão importante!
Esta decisão de Pablo Iglesias já desencadeou uma enxurrada de ataques selvagens. Numa conferência de imprensa, Ayuso avançou com toda a sua argumentação: “É uma pessoa ligada à ETA, que acredita na ocupação e no boicote de empresas, e em ataques desmedidos ao [Hospital de Emergências Enfermeira Isabel] Zendal, fomentando greves. E, sobretudo, queimando as ruas de Madrid, como temos visto nas últimas semanas”. Orgulhosa do seu estilo trumpista, informou-nos da alteração do slogan da sua campanha: “já não é socialismo ou liberdade, senão comunismo ou liberdade”.
Evidentemente, a candidata do PP (Partido Popular) quer agregar todos os votos da direita conservadora e da extrema-direita, assumindo o discurso do Vox sem complexos. E não decepciona. Nesse mesmo dia, numa entrevista com Ana Rosa Quintana no Tele 5, perguntou à apresentadora se já a tinham chamado de fascista. Perante a resposta afirmativa dela, Ayuso respondeu com um grande sorriso: “Então estás no lado certo da história”.
Chamarem-te fascista é um elogio! Como já dissemos várias vezes, só é possível que tal mediocridade tão desprezível possa mover-se com esta arrogância porque a oposição de esquerda tem sido inexistente nestes últimos anos. A paz social e a unidade nacional apregoada pelo PSOE estenderam um tapete vermelho à direita. Ayuso tem sido a porta-voz de uma política criminosa: ostenta o terrível recorde de mortos pela pandemia, de idosos que faleceram abandonados nos lares de idosos privados, governou até agora exclusivamente para uma elite empresarial que encheu os seus bolsos com o saque de recursos públicos, os golpes imobiliários, a precariedade extrema e os baixos salários. E tem sido tratada com muita delicadeza pelo PSOE, Más Madrid e UP.
Assim não se derrotará a direita
O balanço destes anos para a esquerda parlamentar de Madrid é muito negativo. O PSOE e o seu atual candidato, Ángel Gabilondo, evitou cuidadosamente pisar os calos do PP. Determinados a manter a governabilidade e a estabilidade, tal como exige o Ibex 35, não se isolaram na hora de proteger a direita nos momentos mais críticos, com a vã esperança de obter o seu apoio para os “grandes pactos de Estado”.
Foi Pedro Sánchez em pessoa que se reuniu com Ayuso no fim de Setembro, um dia depois da mobilização dos bairros de classe trabalhadora contra o confinamento, e juntou-se a ela para lhes transmitir o seu apoio perante dezenas de bandeiras espanholas. Neste período, o PSOE fez de tudo para evitar uma moção de censura, — nem sequer quis pedir a sua demissão! — olhando sempre para outro lado, não fosse uma manifestação contra a presidente da Comunidade de Madrid tornar-se também numa crítica à gestão do Governo de coligação.
Ayuso tem conseguido mover-se sem entraves. A sua ofensiva privatizadora não encontrou qualquer obstáculo, excepto a mobilização vinda de baixo. Essa é a verdade. O Governo PSOE-UP consentiu todas as suas inconveniências, e fê-lo porque a política económica do Conselho de Ministros, liderada por Nadia Calviño, representante direta do poder financeiro e patronal, vai de encontro ao discurso neo-liberal de Ayuso e dos empresários madrilenos que a rodeiam.
A outra esquerda parlamentar, representada pelo Más Madrid e Unidas Podemos, não se diferenciou, no essencial, do guião escrito pelo PSOE. Não é este o espaço para analisar a ruptura do Podemos na comunidade madrilena, semelhante à que aconteceu noutros territórios. Mas podemos dizer que o abandono da mobilização social, da confrontação com o poder económico e a aceitação da lógica de mercado, que foram marcas deixadas pela governação da Câmara Municipal encabeçada por Manuela Carmena, representou um enorme fiasco e uma grande decepção.
A fisionomia dos bairros de classe trabalhadora duramente afectados pela falta de serviços sociais, o aumento no preço das rendas, a destruição da saúde e da educação públicas, não foi o foco do Más Madrid, que continuou a consentir esta situação, e permitiu milhares de despejos e operações especulativas como a Chamartín.
A decisão de Pablo Iglesias e os seus efeitos
A decisão de Iglesias de abandonar a vice-presidência do Governo e lutar contra a extrema-direita encabeçada por Ayuso e o Vox, despertou um entusiasmo evidente entre dezenas de milhares de ativistas e militantes de esquerda. Foi um golpe inesperado para a direita, e também para o PSOE. Muitos viram isto como um ato de coragem e determinação. Surgiu a expectativa de que se poder disputar a presidência da câmara a Ayuso.
Mas obviamente este movimento, apesar da sua audácia, não pode apagar os erros do passado. Iglesias é visto por um amplo setor da classe trabalhadora e da juventude como o melhor dirigente da esquerda há muito tempo. Isto não evita que uma parte considerável do seu crédito e autoridade fique comprometido pelo abandono evidente das diretrizes com que nasceu o Podemos, e a desmobilização social em benefício do trabalho institucional que toma conta de um aparelho cada vez mais burocratizado.
Desde o início que o seu objetivo era governar com Pedro Sánchez. E é óbvio que esta fórmula foi rejeitada pela burguesia e o poder económico e mediático. A classe dominante fez o possível para impor outras opções, especialmente a de uma coligação entre o PSOE e o Ciudadanos, defendida durante muitos meses por Sánchez, sendo este o motivo pelo qual convocou segundas eleições em Novembro de 2019.
Iglesias argumentou repetidamente que, com a sua presença no Governo, arrastariam o PSOE para a esquerda. Mas esta ideia, à qual se agarraram muitos ativistas, foi desmentida pelos factos. As constantes discrepâncias públicas de Pablo Iglesias em todos os campos demonstram-no.
Pedro Sánchez não cumpriu praticamente nada do seu acordo de Governo. Não revogou a reforma laboral nem a lei da Mordaça. Não se mexeu para evitar a repressão do aparato judicial contra o movimento de libertação nacional da Catalunha, e, claro, manteve os presos políticos na prisão. Como um pilar do regime de 78, negou-se sistematicamente a esclarecer a corrupção da monarquia, votando em linha com o PP, Cs e Vox no Parlamento para impedir qualquer comissão de investigação.
O PSOE recusou-se a reverter os cortes e a austeridade, e regou a banca e as multinacionais com milhares de milhões de Euros. Rejeitou qualquer política de nacionalização e, sem pôr limites à especulação imobiliária, quer utilizá-la para estimular a “recuperação económica”. Não quer impor limites aos preços abusivos das rendas, esse “bem de mercado”, e nega-se a proibir os despejos por lei. E quanto a deter fascistas e a retirá-los do aparelho de Estado repleto deles — como comprovaram os escandalosos manifestos e mensagens de WhatsApp golpistas dos militares — prefere criminalizar a luta da juventude e do movimento feminista.
A verdade é esta, e Pablo Iglesias pôde comprová-la sem dúvidas. Por isso, a crítica lançada em declarações públicas ou entrevistas não é suficiente. Se estás no Conselho de Ministros legitimando as suas decisões, não podes estar ao mesmo tempo na oposição de esquerdas mobilizando os trabalhadores e a juventude, que é precisamente o que a social-democracia e a burguesia querem evitar. Isto é o que se tem passado em Madrid durante demasiado tempo, e que a direita soube aproveitá-lo em pleno.
No dia em que Pablo Iglesias apresentou a sua candidatura, gravou um vídeo em que disse algumas verdades: “A democracia está ameaçada por uma nova direita trumpista impulsionada pelos poderes económicos e mediáticos (...) Madrid está neste momento em grande risco, o que é também um risco para toda a Espanha, de que haja um Governo de extrema-direita com Ayuso e com o Vox (...) Há que impedir que estes deliquentes, que estes criminosos que reinvidicam a ditadura, que fazem apologia ao terrorismo de Estado, que promovem a violência contra os migrantes, contra os homossexuais e contra as feministas, que dizem que são a sua gente militares que falam em fusilar 26 milhões de vermelhos, possam deter todo o poder em Madrid com tudo o que isso implica para o resto do país (...) A direita não se pára com partidos vira-casacas, senão antes com uma candidatura forte e com carácter.”
É inegável que, quando quer, o dirigente do Unidas Podemos sabe utilizar uma linguagem que mobiliza e vai de encontro a aspirações profundas. Mas as palavras devem ser acompanhadas por atos. E, nos atos, as carências políticas do UP são evidentes, ao ponto de seguir amarrado ào PSOE, cobrindo o seu flanco esquerdo, e fazendo-se passar por progressistas políticos quando não o são. Quando não precisarem deles, expulsá-los-ão do Governo sem pensar duas vezes.
Iglesias decidiu descer à arena e dar luta a Ayuso e ao Vox. Será um erro? Claro que não. Mas a questão é que o fascismo e a extrema-direita não se combate só com slogans, mas sim com um programa de classe, socialista e revolucionário. Se o Unidas Podemos continua a legitimar a estratégia da social-democracia no Governo, se não lidera uma oposição firme que agrupe a classe trabalhadora e a juventude para lutar contra o desemprego, os cortes sociais e as privatizações, e pensa que com algumas migalhas consegue conter o enorme descontentamento social, será esmagado pelos acontecimentos.
Competir pela presidência de Madrid oferece também palco para que o Podemos saia da penosa situação em que se encontra nesta comunidade. Mas isso nunca acontecerá restringindo sua política ao espartilho do cretinismo parlamentar. A luta de classes está a preparar novas explosões sociais, a polarização extrema é um sintoma da gravidade da crise capitalista. Esta campanha pode ter sucesso se houver uma forte mobilização dos bairros de classe trabalhadora, e se recuperar um programa de luta contra a direita, o fascismo e o regime de 78.
Errejón e o papel do Más Madrid
A decisão do Más Madrid de rejeitar uma candidatura unitária com o Unidas Podemos, mostra até que ponto a organização encabeçada por Íñigo Errejón tem uma visão mesquinha e burocrática. A sua candidata, Mónica García, argumentou que “as mulheres estão cansadas de fazer o trabalho sujo para depois, em momentos históricos, pedirem para nos afastarmos.” Pretende dissimular, apelando lamentavelmente ao feminismo, aquilo que que nada mais é que uma burla para centenas de milhares de trabalhadores e jovens que querem uma candidatura unitária para derrotar a extrema direita. Parece orquestrada por Ferraz.
O Más Madrid parece ignorar que a Comunidade já tenha tido mulheres presidente durante muitos anos. Esperanza Aguirre, Cristina Cifuentes e Isabel Ayuso são mulheres, e também reaccionárias e franquistas, assim como defensores do grande capital, da homofobia e do machismo. Não é uma questão de género, é uma questão de classe e de ideologia.
Íñigo Errejón e Mónica Garcia converteram-se nos novos heróis de todos aqueles que querem evitar a derrota da reação. Num editorial entitulado “La batalla capital de Madrid”, o El País explica-nos: “A candidatura com voz própria de Mónica García como cabeça de lista pelo Más Madrid, pode contribuir para abrir o foco da campanha às questões concretas da Comunidade, e para que o choque ultra-ideologizado seja menos dominante. O Más Madrid é uma plataforma política que fez um trabalho considerável na Câmara Municipal e na Assembleia, exercendo uma oposição constante e pertinente numa região em que as condições para o controlo da pandemia são especialmente complexas. São esses assuntos, e não outros de natureza mais abstrata, que deviam ser o foco da discussão durante a campanha.”
El País, porta-voz qualificado da burguesia, lidera a campanha contra Pablo Iglésias e, igual a muitos outros meios de comunicação de direita, elogia o trabalho do Más Madrid. Isto não é apenas um acaso.
Por exemplo, o seu porta-voz na Câmara Municipal, Rita Maestre, no pico da pandemia e da gestão criminosa do Governo de PP em Madrid, declarou a 17 de Abril de 2020: “Partimos da confiança de que o presidente da câmara está comprometido em resolver os problemas da cidade. Apoiaremos totalmente as vossas medidas porque confiamos que querem fazer o melhor para a vossa cidade”. Imediatamente, o presidente da câmara de Madrid, José Luis Martínez-Almeida, visivelmente emocionado, respondeu da sua tribuna: “Agradeço o tom da Sra. Maestre. Estamos separados por questões ideológicas mas a humanidade une-nos. Temos um objetivo em comum”. E a porta-voz do Más Madrid concluiu: “É bom que este plenário não pareça o Congresso. Isto tem a ver com o humor do seu Governo e da oposição. É um bom exemplo para Madrid, já que devemos estar à altura do que Madrid fez no último mês”. 1 Muitos comentários havia a fazer a esta troca.
Derrotar Ayuso e o Vox é uma obrigação para a esquerda que se diz marxista e revolucionária
A convocatória de 4 de Maio tornou-se muito mais do que simples eleições autónomas. O que acontecer nesse dia irá marcar a política do próximo período. Os marxistas revolucionários não permanecerão à margem. Vamos participar ativamente, apoiando a candidatura de Pablo Iglesias com um programa de classe, socialista e anti-fascista.
Claro que apoiar esta candidatura, e fazê-lo com o nosso programa, não implica que aceitemos as políticas e estratégia do UP. Isso é óbvio. Permancer à margem, ou pior, fazer campanha contra o UP e Pablo Iglesias no momento em que é possível evitar o sucesso de Ayuso e do Vox, é um exercício ultra-esquerdista completamente estúpido e estéril.
León Trotsky teve que explicar, em muitas ocasiões, a diferença fundamental entre o marxismo e o sectarismo. Fê-lo ainda nos anos trinta, quando combateu os estalinistas que, com a sua teoria do “social fascismo”, se recusaram a implementar uma tática de frente unida com a social democracia e levar os trabalhadores alemães a um bloco defensivo capaz de derrotar Hitler. Nessas circustâncias, que não podemos desenvolver neste artigo, Trotsky foi acusado pelos estalinistas de capitular perante o reformismo.
Muitos sectários também, incluindo um número considerável que provinham das suas próprias fileiras, o acusaram igualmente quando incentivou os seus partidários a trabalhar com as organizações socialistas e de trabalhadores, que se voltaram para a esquerda como consequência do avanço do fascismo, com o objetivo de atrair setores importantes dos seus militantes ao programa marxista. É o mesmo tipo de ataques sectários que receberam Marx, Engels, Lenin e Rosa Luxemburgo, por intervirem na luta de classes real, e por construir o partido revolucionário onde a classe trabalhadora se expressa.
“O marxismo — escreve Trotsky — descobriu as leis que governam a sociedade capitalista e elaborou um programa científico baseado nas mesmas. É uma conquista colossal! No entanto, criar um programa correto não é suficiente. É necessário que a classe trabalhadora o aceite. Mas o sectário, por natureza, pára quando a primeira metade da luta já está cumprida. Em vez de participar ativamente na verdadeira luta das classes trabalhadoras, cria abstrações propagandistas a partir do programa marxista. Para o sectário, a vida social é uma grande escola e ele o seu professor. Opina que a classe trabalhadora devia deixar de lado questões de pouca importância e juntar-se à volta da sua tribuna…” 2
Os militantes da Izquierda Revolucionaria estamos curados do vírus do sectarismo, sempre acompanhado de outro igualmente pernicioso: o oportunismo. Na batalha de Madrid, iremos ocupar a nossa posição de combate, deixando claro que é a hora de atuar com audácia e decisão, de sintonizar com o que a classe trabalhadora e a juventude necessitam.
Há que construir uma esquerda que não tenha medo de bater de frente com o sistema e a reação, que se apoie na mobilização massiva, que defenda a nacionalização da banca e dos setores estratégicos para reforçar a saúde, a educação e os serviços públicos essenciais, para lutar contra o desemprego com um subsídio de desemprego de 1.200 Euros mensais financiados com impostos dos ricos, proibindo os despejos e expropriando as milhões de casas que estão nas mãos dos bancos e fundos abutres.
Uma esquerda que seja capaz de derrubar o regime de 78 e conquistar a república socialista. Esta é a luta fundamental.
Referências
[1] Rita Mestre emociona Almeida com as suas palavras
[2] Sectarismo, centrismo e a Quarta Internacional, 22 de Outubro de 1935