A fuga de Juan Carlos I anunciada segunda-feira 3 de Agosto, negociada em segredo durante semanas entre a casa Real e o Governo de Pedro Sánchez, tornou-se um escândalo à escala histórica. Parte essencial do resgate de Felipe VI, desenhada pelo PSOE e por poderosos lobbies, chama a atenção pelo desprezo de qualquer elemento democrático. Um rei imposto pelo ditador Franco, podre até à medula e tendo acumulado uma das maiores fortunas do mundo como lobista e comissionista das grandes empresas e corporações espanholas, foge para uma retiro dourado entre as amostras vergonhosas de gratidão oferecidas pelos partidos do regime de 78.

A crise da monarquia borbónica não é mais que o reflexo da crise geral do capitalismo espanhol e mundial e da enorme polarização política que não deixa de se agudizar no contexto de um fiasco económico e social sem precedentes. É por isso que o capítulo marcado pela fuga de Juan Carlos I tem tanto significado.

Os cabecilhas que permitiram esta fuga procuram um balão de oxigénio para o reinado de Felipe VI e restaurar a falsa legitimidade de uma monarquia que, como o resto das instituições do Estado, perderam a maior parte da sua credibilidade perante uma população farta de suportar sacrifícios, de desemprego, precariedade e miséria enquanto os seus governantes exibem uma moral corrupta à prova de bala.

O que parece que não foi calculado pelos autores desta manobra foi que a forma e o conteúdo da mesma não só não cumprirá o efeito desejado como fará o oposto: provocar ainda mais distância e mais fúria contra um sistema que só serve para defender os privilégios obscenos de uma elite dominante.

Uma decisão deste calibre obriga todos os actores políticos a posicionar-se. À direita, os dirigentes do PP, do Ciudadanos e do Vox voltaram a demonstrar o que se espera deles. É um dos seus que desaparece, que tantos serviços prestou à burguesia e à consolidação de negócios incríveis que enriqueceu em milhões as famílias mais ilustres da democracia espanhola, que por sua vez eram também as mais ricas durante a ditadura franquista. Ao fim ao cabo, Juan Carlos I representa perfeitamente a cultura do “esforço” e do “patriotismo” que os políticos da reação exaltam e que na realidade significava para eles saquear impunemente o património e os recursos públicos através do roubo descarado, mentiras e comissões corruptas, contando sempre com a proteção da justiça e uma legislação feita à sua medida.

As mesmas organizações e dirigentes que sentem saudades do franquismo, que se negaram a condenar os crimes do regime, não vêm o menor problema em despedir-se deste ladrão enquanto lhe garantem todas as honras. Não estão as suas fileiras cheias de personagens da mesma laia? Não praticam os conselheiros da administração da banca ou das grandes empresas os mesmos hábitos e costumes que Juan Carlos I quando levam a cabo os seus negócios?

Nada a contestar. A direita e o capital são coerentes e levam o seu programa até às suas últimas consequências.

A questão aqui é que a fuga foi pensada pela cabeça do Governo de coligação, Pedro Sánchez, e os seus parceiros mais próximos durante semanas, tal como os meios de comunicação social revelaram. Assim é a forma como o Governo “mais progressista” da história da Espanha — termo usado por ministros tanto do PSOE como do Unidas Podemos — pretende resolver um assunto desta importância. Juan Carlos I, além de fugir em segurança com o saque, mantém o seu título de rei emérito, continua a fazer parte da casa real, é aforado [1] e a sua segurança paga pelo erário público.

A monarquia como pedra angular

Perante a bomba política que esta notícia implicou, e as aparentes contradições surgidas no seio do Governo com declarações de Pablo Iglesias a falar de fuga e de ação indigna por parte de Juan Carlos I ou de Irene Montero [ministra da Igualdade, militante do Podemos] afirmar que os ministros do Podemos não tinham sido informados desta decisão, Sánchez compareceu a uma conferência de imprensa terça 5 de Agosto no Palácio da Moncloa.

As suas palavras foram tão contudentes que é difícil encontrar uma defesa mais feroz do regime de 78: “O Governo que eu presido considera plenamente vigente o pacto constitucional (...) neste momento necessitamos de estabilidade e instituições robustas, comprometidas com a exemplaridade, a transparência e a regeneração; a linha marcada pela Casa Real nestas últimas horas é a adequada”. As informações posteriores dos meios de comunicação indicam que o debate também ficou terminado no último conselho de ministros, onde Sánchez voltou a frisar que a monarquia representa a pedra angular da ordem constitucional que o Governo de coligação defende em uníssono.

O presidente espanhol, num momento crítico, deixou mais que claro que o papel do PSOE nestes últimos quarenta anos como garantia política para a burguesia não é um acidente e adverte os seus sócios que esta rota é imutável. Mesmo que Sánchez não o tivesse feito de forma explícita, o resto dos dirigentes do PSOE não tardaram em engraxar a figura de Juan Carlos I. “O rei que consolidou a democracia”, “cujo papel no golpe de estado de 1981 foi chave para evitar uma nova ditadura”, “o melhor embaixador da marca Espanha” e um sem fim de pérolas que seguem o guião oficial da chamada Transição. Mascarando com violinos e elogios o papel de Juan Carlos I, também se oculta a nefasta política da direção do PSOE para encobrir a monarquia.

A chamada Transição dos anos setenta converteu-se num relato de mentiras históricas ao serviço dos interesses da classe dominante e àqueles políticos da esquerda reformista que, com as suas renúncias e capitulações, prepararam o caminho para a derrota. Precisamos de dissipar o nevoeiro de propaganda se queremos compreender o que realmente sucedeu e o seu impacto nos acontecimentos atuais. Só assim teremos uma visão completa, em que é impossível separar os negócios de Juan Carlos I do papel que lhe foi atribuído nos Pactos de Transição e que se formalizou na constituição de 1978.

Entre 1976 e 1978, os políticos franquistas de maior visão (Martín Villa, Adolfo Suárez, Torcuato Fernández Miranda, José María de Areilza e outros) convenceram-se de que era impossível manter a ditadura franquista. A possibilidade de que o aumento imparável das greves dos trabalhadores — que entre 1975-1977 tomaram o caráter de um autêntico levantamento social — se coroasse com um triunfo da revolução socialista empurrou-os a tentar um acordo estratégico com os partidos dos trabalhadores mais importantes da época: o Partido Comunista de Espanha, encabeçado por Santiago Carrilo, que era de longe o mais poderoso, e o PSOE de Felipe González.

O pacto foi encorajado pela banca e as grandes empresas e teve o apoio do imperialismo norteamericano que o viu como a forma de descarrilar o processo revolucionário que o Estado Espanhol estava a atravessar, paralelo ao que aconteceu em Portugal depois da Revolução Portuguesa de 1974. Foi assim que os políticos franquistas, que fizeram toda a sua carreira a utilizar o aparato repressivo, apoiando cada fuzilamento, tortura, prisão e exílio sem protesto, se transformaram da noite para o dia em “democratas”. Algo que jamais teria sido possível sem o apoio dos dirigentes do PCE e do PSOE que, pondo em jogo toda a sua autoridade moral e política, deram uma nova legitimidade a essa casta de reacionários e permitiram que um jovem Borbón — coroado rei por Franco — passasse de “Juan Carlos o breve” a monarca de todos os espanhóis.

É falso que os direitos e liberdades democráticas tenham sido trazidas por Juan Carlos I ou Adolfo Suárez. Esta enorme mentira, que adquiriu já o selo de verdade histórica, não só foi alimentada pela opinião pública burguesa mas também abundantemente pelos dirigentes da esquerda reformista. Foi a classe trabalhadora e a juventude que impulsionaram por via de greves, mobilizações e manifestações de massas e ocupações de fábricas as liberdades democráticas que hoje disfrutamos parcialmente, visto que muitas foram posteriormente mutiladas pelos sucessivos governos do PSOE e do PP. A correlação de forças era tão favorável à revolução socialista naqueles anos que nem sequer a brutal repressão, que custou a vida a centenas de militantes de esquerda assassinados por bandos fascistas e pelas forças policiais, deteve a determinação da classe trabalhadora e da juventude para varrer a ditadura franquista e o sistema que a tinha tornado possível: o capitalismo.

O factor decisivo para derrotar aquele movimento formidável não foi a repressão, mas sim a política de colaboração de classes dos dirigentes do PCE e do PSOE, a mesma que hoje defende desde o Governo de coligação. Usando o falso argumento de que “Franco morreu na cama” — um insulto à memória das centenas de milhares de lutadores anti-franquistas — e ajudados pela retórica cobarde de “uma correlação de forças desfavoráveis” e um possível “golpe de Estado”, os dirigentes do PCE, do PSOE e dos sindicatos cederam em todas as posições e renunciaram o socialismo quando mais perto estávamos de o conquistar. O resultado dessas mentiras é a situação atual espanhola.

Santiago carrilo e Felipe González aceitaram o regime monárquico imposto por Franco, elevaram a figura de Juan Carlos I às nuvens, assumiram a economia de “livre mercado” e o poder inviolável dos grandes capitalistas para decidir todos os assuntos de fundo. Apoiaram com os seus votos entusiastas uma lei que garantia a impunidade dos crimes do franquismo e que manteve intacto o aparato estatal (da justiça às forças policiais e militares) herdado da ditadura. Um elemento central deste “consenso” foi negar o direito à autodeterminação da Catalunha, do País Basco e da Galiza. O texto constitucional viu-se obrigou a reconhecer o sistema de Comunidades Autónomas, mas consagrou a unidade da “Pátria” mediante medidas de exceção (como o artigo 155) e o recurso à violência legal do Estado (o exército garante em última instância esta unidade forçada). A Espanha, unificada, grande e livre ficou a salvo.

A constituição de 1978 pegou em todas estas capitulações da esquerda e deu-lhe a imagem de “democracia parlamentar”. A classe dominante, depois de ter acumulado imensos benefícios graças à sangrenta repressão exercida por Franco, impôs que a Constituição de 1978 reservasse para Juan Carlos I enormes poderes excepcionais que não estavam submetidos a nenhum controlo. Poderes estes que não são inofensivos e que se podiam activar para serem utilizados em períodos de crise social e política.

Mas o papel de árbitro que a constituição reserva ao rei servia-lhe de pouco se não tivesse à sua disposição um aparato de Estado forjado e treinado, durante quase quatro décadas, para reprimir a classe trabalhadora. Os altos oficiais militares, os juízes do Supremo Tribunal e do Tribunal Constitucional, os altos funcionários do Estado, a Polícia e a Guardia Civil, e, claro, a Igreja Católica mantida tal qual como nos tempos de Franco, com generosos dinheiros públicos, são os instrumentos para exercer controlo e esmagar qualquer intenção de acabar com esta ordem social injusta. Vimo-los actuar na actual crise catalã de maneira brutal, confirmando a expressão popular: “chamam-lhe democracia mas não o é”.

Não é este o espaço para analisar o papel de Juan Carlos I no falhado Golpe de Estado de 23 de Fevereiro de 1981. Mas a ideia de que a sua atuação foi decisiva para pará-lo é uma fantochada que as investigações jornalisticas mais sérias já desmontaram há muito. O rei emérito estava perfeitamente informado dos preparativos do golpe e os seus mentores, os generais Armada e Milans del Bosch, contavam com o seu apoio. Obviamente tudo deu para o torto quando outros actores políticos entraram em jogo, nomeadamente os grandes capitalistas espanhóis e estrangeiros, que não compartilhavam a visão de que um golpe militar fosse estabilizar a situação e sim, pelo contrário, que facilitasse um levantamento revolucionário que poderia terminar muito mal para os seus interesses. Este factor, o medo à reação dos trabalhadores e da juventude, foi o que empurrou um setor da classe dominante a impôr-se e a obrigar Juan Carlos I a não apoiar o golpe, claro está várias horas depois deste ter sido posto em marcha.

A política burguesa é a arte do engano e da mentira e Pedro Sánchez não faz mais que recorrer a ela quando tenta vender a bondade da monarquia no preciso momento em que o seu mais alto representante foge do país depois de amontoar uma fortuna durante quase quatro décadas que a lista da Forbes aponta como uma das mais importantes do mundo. O que Pedro Sánchez não explica é como Juan Carlos I pôde enriquecer desta forma. E não o faz porque o seu partido, o PP, o Ciudadanos, o Vox e todos os que sustentam este regime com tanto esforço atuaram como cúmplices e encobridores de um esquema de roubo consentido a fim de manter a estabilidade do sistema.

A posição do Unidas Podemos

A justificação de Pablo Iglesias e de outros responsáveis do Podemos para o Governo de coligação foi que empurrariam o PSOE para a esquerda. A pouco mais de seis meses da sua constituição, este argumento transformou-se no seu contrário: foi o PSOE que arrastou o Unidas Podemos para a direita. As posições tomadas são reveladoras.

Em declarações anteriores analisámos em profundidade os planos de reconstrução do Governo, feitas à medida da grande banca e das empresas do Ibex 35 que receberam 100.000 milhões de euros dos cofres públicos, comparado às limitações do chamado “escudo social” e dos 3.000 milhões anuais dedicados ao ‘Ingresso Mínimo Vital’. Negar-se a reverter a reforma laboral — feito arrogantemente por Nadia Calviño [vice-presidente dos Assuntos Económicos] —, o uso da lei Mordaça para impôr mais de um milhão de multas durante o período de confinamento, negar-se a criar uma comissão sobre Juan Carlos I, o entusiasmo pelo acordo europeu — um pacto que salvaguarda a continuidade da austeridade e dos cortes —, ou que o ensino público se encontre numa situação de colapso e não se faça nada para a resgatar contratando dezenas de milhares de professores e invertendo as medidas para garantir a segurança dos alunos e a qualidade do ensino online, sublinha o que dissemos. E em relação à saúde, continuamos a ver o seu desmantelamento e a sua privatização, a precariedade que atinge milhares de trabalhadores num momento em que vemos uma nova onda de contágios, sem que o Governo tome medidas efetivas.

Para terminar, a coligação do PSOE e UP não ultrapassa as regras impostas pelo grande capital, a Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE), a UE e outras organizações da burguesia. Obviamente que em termos eleitorais a alternativa é muito pior e a classe trabalhadora é consciente de que um executivo liderado por Pablo Casado [líder do PP] e Santiago Abascal [líder do Vox] seria um pesadelo. Mas não podemos meter a cabeça na areia, temos de ver a realidade como ela é. E o Governo, longe de virar à esquerda, orienta-se cada vez mais à direita.

O sucedido com Juan Carlos I é outra prova relevante. E as declarações dos dirigentes do Podemos demonstram que, uma vez mais, não estão dispostos a lutar, que se conformam com a discrepância retórica sem mover um dedo para impulsionar a mobilização contra a monarquia e a favor da república.

Já conhecemos este jogo. Dia 3 de agosto Pablo Iglesias não tardou em tweetar que “a própria dignidade da Chefia de Estado implicaria que Juan Carlos desse a cara no seu país e perante o seu povo”. Que quer dizer com isto? Entendemos que considera escandalosa e fraudulenta a sua fuga. Mas o vice-presidente do Governo não levanta qualquer ação concreta para impedir que este crime se consuma. Apresenta as suas opiniões em relação à monarquia como um exercício de “normalidade democrática”, para limitar-se a dizer que as suas discrepâncias com Pedro Sánchez serão resolvidas de maneira discreta e em privado. Por outras palavras, nada mais fará a respeito deeste assunto.

O pior de tudo, no entanto, são as suas declarações em vídeo sobre a necessidade de abrir um debate sobre a monarquia e a república e de como a responsabilidade por impulsionar o movimento a favor da república é dos jovens. Em que realidade paralela vive Pablo Iglesias? Não se apercebeu do movimento massivo que abanou a Catalunha desde Outubro de 2017 a favor da república, pelo direito a decidir e onde os jovens tiveram um papel decisivo? Claro que se apercebeu, mas em vez de apoiar esta mobilização exemplar para adicionar um conteúdo de classe e socialista, renunciou participar nela, isto quando não a tentou desacreditar classificando-a como uma montagem das elites, como também o fez Alberto Garzón [ministro do Consumo, membro da Izquierda Unida, organização que integra o Unidas Podemos].

Iglesias esqueceu-se rapidamente que Juan Carlos I abdicou em 2014. E não o fez por vontade própria, mas sim pela pressão do movimento de massas que se tinha mobilizado a partir do 15M de 2011, as grandes Marés que levaram milhões às ruas em defesa da saúde e educação públicas, das marchas da dignidade e da rejeição da actuação de um monarca que dava discursos sobre a exemplaridade pública, enquanto caçava elefantes e o seu genro era apanhado em flagrante por lucrar com os seus conselhos do comissionista experimentado.

A juventude tem estado na linha da frente da batalha todos estes anos e a sua opinião a favor da república não deixa de se fortalecer, como indicam todos os inquéritos. A questão não é a atitude da juventude, mas sim o que Pablo Iglesias vai fazer para romper com a lógica do regime de 78.

Iglesias defende que a atual correlação de forças no parlamento não permite um referendo sobre a república. De que nos tenta convencer? Que o PSOE e a direita se opõe a este referendo? Isso é óbvio. O que Iglesias tem que decidir é que medidas vai tomar para dar força à mobilização de massas com o objetivo de levantar tal pressão social que o referendo se impõe pela via das acções.

Será que Pablo Iglesias se esqueceu que a proclamação da Segunda República em 1931 foi o resultado da ação revolucionária da população, que com as suas greves e mobilizações massivas entre 1930 e 1931 deitaram abaixo a ditadura de Primo de Rivera e puseram Alfonso XIII a caminho do exílio? É incrível como se pode mudar tanto de postura quando em vez de olhar para os factos através do prisma da luta de classes, se olha a realidade pelas lentes dos assentos parlamentares.

A correlação de forças só se pode modificar no decorrer da luta, entabulando de maneira enérgica a confrontação com os grandes poderes estabelecidos. Não foi precisamente isso que nos disse no movimento do 15M? Não foi a luta de massas e o desafiar da ordem estabelecida que permitiu o surgimento do Podemos?

Pablo Iglesias e a direção do UP encontram-se confortáveis com a discrepância literária e jornalística. E assim, pela via das capitulações, da retirada programática, do abandono das ruas, só se fortalece quem marca o passo à direita do Governo. Quando chegar o momento, o PSOE vai prescindir dos serviços prestados pelo Podemos sem cortesias. As piscadelas constantes ao Ciudadanos e a estratégia de fazer um pacto com o PP em assuntos de Estado não são detalhes táticos, mas sim uma declaração de princípios para um período político convulso.

Dizemos isto sem qualquer sectarismo. Esta linha “pragmática”, que pretende ser realista e distante de visões utópicas, já nos fez sofrer no passado, e com resultados catastróficos. O PCE era uma organização de massas, com o apoio da classe trabalhadora e da juventude, dominava o movimento sindical, estudantil e local, mas a política da sua direção destruiu o partido, desmoralizou as dezenas de milhares dos seus melhores militantes ao mesmo tempo que uma parte considerável dos seus dirigentes engrossava as fileiras do PSOE. Se não queremos repetir esta história trágica, a direção do Podemos, e Pablo Iglesias à frente dela, devem rectificar imediatamente a sua política e enfrentar pelas ações o curso à direita que o Governo segue agora. Será que o farão?

Levantar um movimento de massas pela república socialista!

Os editoriais da imprensa burguesa por estes dias não dão lugar a dúvidas. Há muito medo que a crise da monarquia, em conjunto ao colapso económico que vivemos, alimente um período de lutas sociais e políticas ainda mais agudas do que aquele que teve início em 2011.

“Aqueles que aproveitam a queda em desgraça de Juan Carlos I para reabrir o debate sobre a monarquia devem tentar perceber, por mais legítima que seja a reivindicação republicana, se esta tem agora consensos sociais e parlamentares suficientes para se traduzir numa reforma constitucional. Os dados indicam o contrário. É portanto irresponsável alimentar a crise institucional num momento que o país precisa de estabilidade, unindo todas as suas forças para enfrentar uma crise económica devastadora que já chegou e uma crise de saúde pública que não pára de piorar.” Assim finaliza o editorial do El País de 4 de Agosto, um dia depois da fuga do rei emérito.

É evidente que a classe dominante vê com muito medo a luta pela república. E é assim porque a experiência histórica ensina que os movimentos de massas a favor da república acabam por se converter em movimentos revolucionários. Obviamente que se amanhã se viram na necessidade de se desembaraçarem de Felipe VI para manter de pé o edifício capitalista, muitos senhores se converteriam em “republicanos com todo o coração”. Isso foi o que se passou em 1931 com Niceto Alcalá-Zamora [político que ocupou o cargo de vários ministérios durante o reinado de Afonso XIII e depois da sua queda o de primeiro presidente da 2ª República Espanhola] e Miguel Maura [político monárquico que após a instauração da república se tornaria repúblicano]. Mas a burguesia não quer brincar com o fogo e foge dessa questão como da peste. Prefere apoiar o sistema actual e mais ainda apoiar o Governo do PSOE e Unidas Podemos.

A Esquerda Revolucionária considera que estamos perante uma oportunidade histórica. É o momento de exercer o direito a decidir e não branquear um rei como Felipe VI que, além de continuar a assegurar os interesses da oligarquia, demonstrou o seu compromisso com a repressão e o autoritarismo encorajando a ofensiva brutal contra o povo da Catalunha. Há que exigir a convocação imediata de um referendo democrático onde o povo se possa expressar e votar se quer continuar a submeter-se a uma instituição reacionária ou se prefere uma república.

A verdadeira esquerda, militante e combativa, que com a sua luta revelou o autêntico carácter de classe da monarquia, deve continuar a batalha contra estas manobras desesperadas que buscam a sobrevivência da monarquia e o regime podre de 78. Há que levantar um movimento de massas a favor da república, de uma república dos trabalhadores e da juventude que rompa com a austeridade e os cortes e que defenda abertamente a transformação da sociedade. Uma república socialista é a alternativa frente ao sacrifício social e económico que o povo espanhol sofre. Uma república socialista que desfaça o nó da história e ponha em prática o legado dos trabalhadores e camponeses que combateram heroicamente o fascismo e protagonizaram uma revolução que fez o mundo tremer.

Pela república socialista, abaixo a monarquia corrupta!

Referendo democrático já!

Junta-te à Esquerda Revolucionária!

[1] Os aforados são, no Estado espanhol, Indivíduos que têm o direito a ser julgados por um tribunal distinto do do resto dos cidadãos, normalmente juizes e fiscais, políticos e, desde um alteração à lei feita pelo governo do PP em 2014, a família real.

 

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