O Governo presidido por Pedro Sánchez encontra-se entre os mais fiéis executores das ordens emitidas pela NATO e Casa Branca, e entre os que repetem e difundem com mais convicção e entusiasmo a propaganda que continuamente produz a poderosa maquinaria imperialista ocidental.

A política externa é a continuação da política interna

Se na política externa essa é a realidade, no que se refere à política interna, a acção do executivo de coligação tem sido caracterizada pela defesa firme dos interesses dos grandes capitalistas e do incumprimento sistemático do acordo subscrito pelo PSOE e UP.

As promessas, repetidas até à exaustão, de reverter as principais contra reformas implementadas pelo PP, converteram-se no oposto.

A "lei da mordaça" continua vigente no fundamental e de vento em popa. Segundo os últimos dados publicados pelo Ministério do Interior, desde que esta entrou em vigor em 2015 e até 2020, foram interpostas um total de 1.155.727 sanções, sendo este último ano o mais duro com cerca de 376.000 sanções.

Quanto à qualidade da democracia espanhola, a atividade implementada pelo aparelho de Estado para preservar os interesses da oligarquia continuou a desenvolver-se sem o menor obstáculo. No passado dia 19 de abril, o The New Yorker publicou que mais de 60 dirigentes e membros eleitos independentistas catalães e bascos foram espiados com o software Pegasus1 entre 2017 e 2020. Entre eles encontravam-se Pere Aragonés, Quim Torra e Artur Mas.

Reafirmando uma vez mais o compromisso do executivo com o regime podre de 78 e as suas instituições mais obscuras, todas elas com um historial amplo de repressão policial e política e guerra suja, a ministra de Defesa, Margarita Robles, assim como o ministro do Interior, Grande Marlaska, em nome do governo, defenderam sem pudor "o trabalho" do CNI [secretas espanholas] e o seu direito a espiar com total impunidade.

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O compromisso, repetido até à exaustão, de reverter as principais contra reformas implementadas pelo PP, converteram-se no oposto.

Um "escudo social" que brilha pela sua ausência

Mas é no terreno da política social onde a demagogia e os retrocessos chegaram mais longe. Venderam-se como direitos e conquistas o que não são mais do que migalhas ou incumprimentos flagrantes das suas promessas.

O número de despejos não para de crescer, apesar de que oficialmente se insista que estão proibidos. Em concreto as execuções hipotecárias às residências habitacionais seguem dois anos em aumento: em 2021 uns 57,4% face a 2020, ano em que em plena pandemia já cresceram cerca de 41,6%. Recentemente, foi entregue a gestão dos fundos do banco mau, Sareb, aos grandes fundos especulativos como denuncia uma investigação elaborada pelo El Salto. Um escândalo absoluto teno em conta a falta de habitações públicas e o preço exorbitante das rendas. 

Como já analisamos noutros artigos2, os aspectos centrais da reforma laboral do PP mantiveram-se, desmentindo a intensa campanha propagandística do governo, com Yolanda Díaz e os ministros da UP em primeira linha.

O alcance do Ingresso Mínimo Vital (IMV), uma das medidas estrela, é uma demonstração inapelável do fracasso retumbante do executivo. A Associação de Diretores e Gerentes em Serviços Sociais denunciou que apenas se concedem a uma em cada quatro solicitações e que apenas 12% da população que se encontra por baixo do limiar da pobreza o recebe.

No passado mês de janeiro, a Cáritas fazia público um informe demolidor assinalando que 11 milhões de pessoas vivem em condição de exclusão social, 2,5 milhões a mais do que em 2018. Entre estas, 1,4 milhões são jovens (650.000 a mais do que em 2018). Os dados do estudo reconheciam que 2 milhões de casas dependem economicamente de uma pessoa como principal sustento que tem instabilidade laboral grave; isto é, assina 3 ou mais contratos por ano, ou trabalha em 3 ou mais empresas distintas no mesmo período, ou encontra-se em paragem 3 ou mais meses no ano.

Quase 2 milhões de famílias têm todos os seus membros desempregados e entre estas 600.000 carecem de qualquer tipo de vencimento periódico. As casas nestas situações encabeçadas por mulheres passaram de 18% em 2018 para 26% em 2021. No caso dos homens, o seu número cresceu no mesmo período de 15% até 18%.

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O terreno da política social é onde a demagogia e os retrocessos chegaram mais longe. Venderam-se como direitos e conquistas o que não são mais do que migalhas ou incumprimentos flagrantes das suas promessas.

Este afundar das condições de vida de milhões de famílias trabalhadoras contrasta com os lucros recorde dos capitalistas. Durante 2021 os lucros das empresas cresceram até os 53.215 milhões de euros.

O Governo como garante da paz social

É indubitável que esta catástrofe social provoca um descontentamento profundo, raiva e mal-estar que mais cedo do que tarde inevitavelmente explodirá. Esse cenário, temido pelo governo, a CEOE [principal associação patronal] e as cúpulas dos sindicatos maioritários, é o que estes tentam evitar.

Com a guerra na Ucrânia no seu apogeu e uma inflação descontrolada, o governo apela uma e outra vez ao reforço da política de “unidade nacional” para enfrentar um cenário muito negativo e que se pode prolongar. O Banco de Espanha reconheceu no seu boletim económico do passado dia 5 de março: “ O ambiente é muito volátil e as previsões estão cheias de uma incerteza extraordinária”. E as previsões que projecta são cada vez menos otimistas e estão em constante revisão para baixo. Na última afirma que “depois dos 0,9% estimados para o primeiro trimestre do ano, a economia apenas avançará uns 0,1%, no segundo trimestre, para elevar-se aos 0,4% e aos 0,7% nos trimestres seguintes”.

Neste contexto, o governo lançou um plano “anticrise”, que será aprovado com toda a segurança no Congresso, com o objetivo de aliviar os efeitos negativos da guerra da Ucrânia na economia. Este novo conjunto de medidas3 responde ao mesmo formato de todos os planos implementados nestes dois anos de gestão. Milhões para os grandes capitalistas, acompanhados de uma ruidosa campanha propagandista de raquíticas medidas sociais temporárias, como o voucher de desconto para o combustível que significou apenas uma descida real do preço dos combustíveis para o consumidor, subida de uns 15% da quantia de um IMV que poucos dos que necessitam cobram-no, limitar até junho a subida do preço das rendas aos 2%.

Em complemento a este plano, e com a inflação a rondar os 10%, o governo está a patrocinar a assinatura de um pacto de rendimentos entre os empregadores e os sindicatos CCOO e UGT. Mas este pacto está a encontrar dificuldades para se concretizar, porque apesar das reivindicações dos dirigentes sindicais serem irrisórias (estes pedem um aumento salarial de 3,4% para este ano, 2,5% para 2023, 2% para 2024 e que cubram 75% do aumento real da inflação em 2022), os empregadores recusam categoricamente.

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Governo, CEOE e os dirigentes do CCOO e da UGT, buscam um entendimento para tentar manter a paz social a todo custo.

De qualquer forma, do ponto de vista do lucro empresarial, para os patrões, o pacto de rendimentos não é essencial. Os poucos 19 acordos assinados em 2022 contemplam um aumento salarial entre 3,49% e 2%, e naqueles em vigor assinados em anos anteriores e que afetam 4,37 milhões de trabalhadores, o aumento médio é de 2,26%. A patronal, com a cumplicidade dos dirigentes do CCOO e da UGT, não precisam de assinar nenhum acordo de rendimentos para continuar a acumular lucros suculentos à custa da perda do poder de compra dos trabalhadores.

Governar a favor dos capitalistas abre o caminho para a demagogia do PP e da VOX

As sondagens eleitorais mostram um avanço crescente da direita e da extrema-direita do VOX. Esta é a consequência da política do governo do PSOE-UP e da estratégia de desmobilização das CCOO e da UGT. A desmoralização e o ceticismo a que esse discurso duplo leva e a recusa em tomar medidas reais de esquerda espalha-se pelas camadas da classe trabalhadora.

A direita percebe isso e está a agir de acordo. O PP de Feijóo continua, na prática, com a táctica de não dar trégua ao governo e insiste numa oposição frontal, sem colocar qualquer entrave a uma aliança de fundo com o partido de Abascal. O governo de coligação com o VOX constituído em Castilla-León é um exemplo claro de todas as tolices que, desde o PSOE, e mesmo desde a direcção da UP, se tem dito sobre um "cordão parlamentar" para travar o avanço da extrema-direita.

Embora seja claro que há setores do grande capital que estão muito satisfeitos com a política de Pedro Sánchez e gostariam de um entendimento entre PSOE e PP, a pressão sobre Feijoo responde a condições objetivas. A viragem à direita da base eleitoral que PP e VOX disputam é sólida; uma parte não insignificante já foi para o lado de Abascal e a maioria dos que permanecem fiéis ao PP consideram que a melhor política contra o PSOE é a linha dura contra a esquerda seguida por Isabel Díaz Ayuso.

Unidas Podemos e o cretinismo parlamentar

Longe de forçar o PSOE a seguir uma política de esquerda, a UP misturou-se com a social-democracia oficial e cedeu em todas as frentes.

A traição ao povo saharaui e a firme posição pró-NATO do executivo na guerra imperialista na Ucrânia foram respondidas pela formação púrpura com lamentáveis ​​queixas que não passaram disso mesmo. No auge do grotesco, Ione Belarra, Ministra dos Direitos Sociais e da Agenda 2030, pediu uma mobilização massiva contra o envio de armas para a Ucrânia que o governo do qual ela faz parte realiza e que a sua parceira Yolanda Díaz tem defendido publicamente!

Para os ministros da UP ainda não há motivos para deixar o governo e organizar a luta nas ruas. Que erro lamentável! Esta política está, sem qualquer dúvida, a afetar muito a UP. O seu declínio é manifesto e as rachadelas no seu núcleo estão a ficar cada vez mais profundas.

Neste contexto de recuo da UP em que há claros elementos de descomposição, Yolanda Díaz, que junto a Alberto Garzón são os ministros que mais firmemente defendem a linha política do governo em todos os assuntos, concorre à frente de um novo projeto político. O papel do Podemos nesta iniciativa ainda é desconhecido, embora já tenha causado críticas entre Yolanda Díaz e Pablo Iglesias e outros líderes do Podemos.

Por seu lado, Pedro Sánchez já manifestou publicamente o seu apoio a esta iniciativa da Ministra do Trabalho. Em 19 de abril, em entrevista à Antena 3, o presidente ostensivamente ignorou o Podemos:” está claro que só há duas opções, ou um governo de coligação da direita com a extrema-direita, ou um governo de centro-esquerda do partido socialista com o que representa o espaço de Yolanda Díaz'".

Os últimos anos, incluindo os dois do governo PSOE-UP, contêm grandes lições para a classe trabalhadora e a juventude. A principal é que a única forma de conquistar direitos, de realizar uma política em benefício da maioria da população, de reverter a situação de empobrecimento massivo e degradação social que sofremos, é a organização e mobilização à altura do desafio que o sistema capitalista nos coloca.

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A única forma de conquistar direitos, de realizar uma política em benefício da maioria da população, de reverter a situação de empobrecimento massivo e degradação social que sofremos, é a organização e mobilização à altura do desafio que o sistema capitalista nos coloca.

A guerra, a crise social, a catástrofe económica que oprime a maioria, mostram que o capitalismo não pode ser reformado, que o Parlamento é apenas um espaço para encobrir como funcionam realmente as coisas, que as decisões que afetam milhões são tomadas por um punhado de banqueiros, grandes monopólios e plutocratas em quem ninguém vota nas urnas. Diante deste engano monstruoso, temos uma tarefa urgente: levantar uma esquerda combativa que confie na força do movimento operário, que lute para derrubar este sistema podre com o programa de transformação socialista da sociedade.

 


Notas: 

1. Esta aplicação informática israelita permite ler mensagens e ativar remotamente a câmera e o microfone dos telefones.

2.  Claves para entender por qué la CEOE aplaude la reforma laboral de Yolanda Díaz. Un análisis más allá de la propaganda y la demagogia

3.  El plan anticrisis del Gobierno: una lluvia de millones para las grandes empresas

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