Há semanas que milhares de tractores bloqueiam estradas e auto-estradas, impedindo o acesso a algumas das grandes cidades. Um movimento que voltou a trazer as bandeiras espanholas para as ruas, agitadas pelas organizações maioritárias de agricultores, ASAJA, COAG, UPA,1 mas também por novas plataformas que não disfarçam o seu discurso de extrema-direita.

A razão invocada para estas acções pode ser resumida no seguinte: «o governo espanhol e Bruxelas estão a levar o "campo espanhol" à ruína». Tal acontecimento, evidentemente, estendeu o debate às fileiras da esquerda: as reivindicações do movimento agrário devem ser apoiadas? Que conteúdo de classe têm? Apontam numa direção reacionária ou progressista? Com este artigo, tentamos responder a algumas das questões levantadas, esclarecer as tendências dominantes nesta "luta" e propor uma alternativa global do ponto de vista da esquerda combativa a uma agricultura capitalista dominada pelos grandes monopólios.

Os verdadeiros flagelos que não são alvo do debate público

Antes de mais, devemos sublinhar que os problemas que afligem a maioria das famílias que, de uma forma ou de outra, dependem do sector agroalimentar para viver — para viver, não para enriquecer e ter contas correntes de sete dígitos — são claros e muito localizados.

Sejamos concretos. As explorações agrícolas espanholas são famosas pelas suas péssimas condições de trabalho. Estamos a falar de centenas de milhares de trabalhadores que sofrem o pesadelo dos baixos salários, das jornadas de trabalho intermináveis, da precariedade e até da semi-escravatura de um número crescente de trabalhadores imigrantes jornaleiros. Obviamente, isto não é mencionado nos relatórios, nem nas exigências feitas pelos porta-vozes das “tractoradas”. O que acontece aos trabalhadores do sector parece não lhes interessar.

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A exploração agrícola espanhola tem condições de trabalho infames. Com o pesadelo dos baixos salários, da precariedade e mesmo da semi-escravatura de um número cada vez maior de jornaleiros e jornaleiras imigrantes.

Os dados são devastadores. O salário médio mensal bruto no sector, segundo uma sondagem de 2022, era de 1.477 euros, o terceiro pior por ramo de atividade, apenas acima do sector da hotelaria e restauração (1.390 euros) e do emprego doméstico (981 euros), e muito abaixo do salário médio do Estado (2.128 euros). A taxa de emprego temporário é atualmente de 37,6%, contra uma média geral de 16,5%. É também o sector com maior taxa de sinistralidade: de janeiro a novembro de 2023, 70 trabalhadores morreram em acidentes de trabalho.

Mas são os trabalhadores migrantes que sofrem as condições de trabalho mais deploráveis. Em Almeria há cerca de 13.000 explorações agrícolas que empregam quase 100% de mão-de-obra migrante. Diversas organizações humanitárias e sindicais estimam que entre 10 e 30% das pessoas que aí trabalham o fazem de forma irregular, sem quaisquer direitos. Em Huelva e Almeria há entre 7.000 e 10.000 pessoas a trabalhar em condições sub-humanas, distribuídas por 120 bairros de lata.

É chocante que em todas estas mobilizações não tenha sido proferida uma única palavra para denunciar esta situação. Nem sequer uma simples alusão a estes trabalhadores, como se eles não existissem.

Obviamente que, ao contrário das mobilizações dos jornaleiros dos anos setenta, oitenta e noventa do século passado, muitas delas lideradas pelo Sindicato de Obreros del Campo (SOC) de Diego Cañamero e Juan Manuel Sánchez Gordillo, nesta ocasião não se faz a mínima referência a uma reforma agrária global, tão necessária na Andaluzia, na Extremadura e noutras zonas onde a propriedade latifundiária continua a ser uma realidade dilacerante.

Este facto é muito revelador de quem são os protagonistas destas mobilizações. Não são os trabalhadores agrícolas assalariados, nem os que trabalham na indústria agroalimentar, nas fábricas de conservas, nos grandes armazéns que manuseiam frutas, legumes e outros produtos para exportação. Na realidade, estamos a falar de uma mobilização de pequenos, médios e grandes proprietários rurais, politicamente dominada por estes últimos.

Quando se fala do pouco que os pequenos agricultores recebem na origem pelas suas colheitas, pelo leite ou pela carne, como se ouve sempre nos meios de comunicação social, é chocante que nunca se queira apontar o dedo aos responsáveis por esta situação: os grandes monopólios capitalistas e os fundos de investimento do sector. Mas, por mais óbvio que pareça, não é a Mercadona, o Carrefour, o Eroski, o Alcampo, o Día, o LIDL, o El Corte Inglés, o Ahorra Más... que são visados pelos manifestantes, com algumas honrosas excepções.

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As mobilizações não são dos trabalhadores agrícolas assalariados, nem dos trabalhadores das fábricas de conservas, de transformação de frutas e legumes e de outros produtos para exportação. São dos proprietários das terras, politicamente dominadas pelos maiores.

Estes gigantes exercem uma ditadura férrea sobre a compra, a distribuição e a comercialização da grande fatia do que é produzido no campo, tanto para consumo interno como para exportação. Graças a esta posição monopolista, as seis maiores empresas acima mencionadas registaram um volume de negócios de 107 mil milhões de euros em 2020, com um lucro suculento. A Mercadona, por exemplo, registou em 2022 um volume de negócios 11,6% superior ao de 2021, atingindo 31.041 milhões de euros e um resultado líquido de 718 milhões de euros, mais 5,5% do que no ano anterior.2

É claro quem trabalha a terra e quem obtém os maiores lucros, sempre em detrimento dos pequenos agricultores, que são uma minoria das explorações agrícolas e pecuárias do país, e sobretudo em detrimento da classe trabalhadora que paga cada dia mais por alimentos cada vez de pior qualidade.

Uma mobilização liderada pelos grandes e médios proprietários rurais

A 6 de fevereiro, a plataforma que esteve na origem das primeiras mobilizações, a Agrupación Nacional de Agricultores y Ganaderos del Sector Primario, conhecida como Plataforma 6f, publicou um manifesto com as suas reivindicações.

Esta associação, criada por ex-militantes do Vox, expôs, nas três páginas deste documento, o programa completo de reivindicações da extrema-direita para o campo. E embora nos últimos dias sectores dos manifestantes se tenham distanciado desta plataforma e sejam as organizações patronais agrícolas ASAJA e COAG, e a minoritária Unión de Pequeños Agricultores (UPA), que os canalizam, as reivindicações fundamentais continuam a ser as mesmas que as formuladas pela Plataforma 6f.

As exigências são bastante esclarecedoras: revogação da Agenda 2030, revogação da lei do bem-estar animal, revogação das leis ambientais e de proteção das espécies. Pedem também a eliminação dos limites à utilização de pesticidas e de qualquer regulamentação que os obrigue a fornecer uma nutrição sustentável aos solos agrícolas.

Os grandes agricultores que marcam o tom a este movimento, fingindo-se de pequenos proprietários que têm de trabalhar do nascer ao pôr do sol sem ver qualquer lucro, apontam para o grande fardo do aumento dos custos de produção, exigindo mais ajudas do Estado e da UE. Claro que são muito, muito espanhóis e denunciam a "invasão" de produtos provenientes de países terceiros, contra os quais dizem não poder competir devido às regras, às limitações e aos custos excessivos provocados pelas políticas verdes da UE, aos "salários elevados" que têm de pagar e aos impostos elevados que são obrigados a pagar às Finanças.

Em suma, qualquer pessoa com um pouco de experiência política sabe perfeitamente que estes agricultores só querem "liberdade", a mesma liberdade que Isabel Díaz Ayuso reclama em Madrid para que os patrões e os especuladores do capital possam fazer o que quiserem, sugando o sangue da classe trabalhadora, pagando salários miseráveis, fazendo da habitação um negócio fabuloso e ganhando dinheiro com a privatização dos serviços públicos. Porque, para esta “gente de bem”, a liberdade é isso mesmo.

O mundo rural espanhol, como o de toda a Europa, sofreu uma forte transformação nas últimas décadas. Já não é composto maioritariamente por pequenas propriedades. A intervenção dos fundos de investimento e das multinacionais do sector agroalimentar transformou a paisagem. Agora são os grandes empresários agrícolas que controlam o sector, que dispõem de mais recursos e que detêm a maior superfície agrícola útil (SAU). O processo de concentração do sector agrícola em Espanha está a avançar inexoravelmente. As explorações de 100 ou mais hectares, que representam 6% do total, são responsáveis por 58% da SAU e geram 30% da produção.3

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O processo de concentração no sector agrícola está a avançar inexoravelmente. As explorações de 100 ou mais hectares, que representam 6% do total, são responsáveis por 58% da superfície agrícola utilizável.

Quando estes médios e grandes proprietários falam de liberdade não estão a defender a agricultura para o povo. Estão apenas a defender os seus interesses, as suas contas bancárias e a defesa de um estilo de vida que inclui rendimentos elevados, bons carros e jipes, universidades privadas para os seus filhos, coutadas de caça privadas e, acima de tudo, bom património imobiliário.

Se é preciso pilhar tudo para manter esta situação, então que se pilhe tudo, a começar pela pilhagem dos recursos naturais, sobretudo dos recursos hídricos, esgotando os aquíferos e os lençóis freáticos, consumindo até à exaustão os nutrientes naturais da terra para a saturar de adubos e produtos fitossanitários sem limite nem controlo.

Estamos a viver uma situação de seca prolongada, mas o consumo de água por parte dos médios e grandes agricultores disparou. Há alguns dias, a RTVE publicou uma extensa reportagem sobre o assunto, da qual vale a pena citar alguns parágrafos:

"Os dados são claros: 79,1% dos recursos hídricos são consumidos pela agricultura e a pecuária. Do restante, 15,03% correspondem ao abastecimento urbano (incluindo o de turistas), 5,8% à indústria e 0,4% ao uso recreativo, que inclui, por exemplo, a irrigação de campos de golfe, o enchimento de piscinas ou parques aquáticos, de acordo com dados do Ministério da Transição Ecológica de 2018 a 2021, dependendo da bacia (...).

Nas últimas duas décadas, os hectares de regadio cresceram quase 11%, enquanto os hectares de sequeiro mantiveram-se praticamente iguais, segundo dados do Ministério da Agricultura. Os hectares irrigados representam quase 23% da superfície cultivada em Espanha, mas, devido à sua maior produtividade, são responsáveis por 65% da produção final de legumes (...).

A esta situação junta-se o uso ilegal de água para a agricultura (...) Os agentes da SEPRONA fecham centenas ou milhares de poços ilegais todos os anos em regiões sedentas como a Axarquia em Málaga, ou nos arredores de áreas naturais no limite da sua sobrevivência, como Doñana [Andaluzia] ou o Mar Menor [Múrcia]. A Greenpeace calcula em um milhão o número destes poços e exigiu esta semana ao governo um inventário oficial para fazer face ao problema".

Estamos a sofrer duramente as consequências deste modelo capitalista agrário predador, que este governo do PSOE e Sumar, como todos os anteriores, consente e fomenta. As reservas de água estão a diminuir sob a ditadura do regadio (e também do turismo de massas), agravando a seca e a destruição de lugares de grande valor ecológico (Doñana, Mar Menor...). A utilização excessiva de pesticidas tem um impacto devastador no habitat de uma multiplicidade de espécies animais e vegetais, para além de provocar uma diminuição contínua da qualidade dos alimentos consumidos pela maioria da população.

Na verdade, é todo este conjunto de factores que mina a produção em pequena escala, sustentável e respeitadora do ambiente, e para o qual os líderes destas mobilizações não se preocupam. Pensar que os reaccionários que lideram estas “tractoradas” estão empenhados num modelo de agricultura ecológica, local e respeitadora das condições de trabalho, é acreditar em histórias da carochinha.

Uma das afirmações mais populares que fizeram foi a de que estão fartos da burocracia da UE: "Temos demasiada papelada", dizem nas suas entrevistas e nas redes sociais. Claro que sim. Toda a gente faz papelada, mesmo os trabalhadores que ganham 1500 euros por mês têm de fazer uma declaração de impostos. Mas o que eles não dizem é que nós, trabalhadores comuns, não temos a nossa atividade profissional subsidiada, mas os grandes agricultores recebem milhares de milhões da Política Agrícola Comum (PAC) da UE. Isso é que é um pagamento generoso.

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Nós, trabalhadores, não temos o nosso trabalho subsidiado, mas os grandes agricultores recebem milhares de milhões da Política Agrícola Comum (PAC) da UE.

A PAC da UE é o maior fundo de subsídios do mundo. Na campanha de 2023, o Estado espanhol recebeu 4.875 milhões de euros e foi-lhe atribuído um total de 34.124 milhões de euros para o período 2021-2027. São os mais ricos, os maiores exploradores do trabalho assalariado, que ficam com a parte de leão da Política Agrícola Comum (PAC) e dos subsídios governamentais.

São também os que mais beneficiam dos prémios dos seguros agrícolas e dos subsídios que recebem devido à seca. Sem ir mais longe, o Tesouro reduziu o IRPF [imposto sobre rendimento] dos criadores de gado e dos agricultores afectados pela seca em 25% em 2023, mas estas reduções "atingiram 50% no caso dos olivais, amendoeiras e apicultura, e 30% para os cereais, oleaginosas e leguminosas, castanhas, pêssegos, nectarinas, damascos e outros sectores pecuários. Além disso, e desde que os declarantes se encontrem sob o regime de estimativa objetiva, podem reduzir o rendimento líquido anterior em 35% para a compra de gasóleo agrícola e 15% para a compra de adubos".

Todos os dias ouvimos falar de concorrência desleal por parte de produtos não comunitários. Claro que sim. Mas o que eles mantêm em silêncio novamente é que as exportações agrícolas espanholas registaram dois recordes históricos: em 2021, com 60.118 milhões e um aumento de 11% em relação a 2020, e em 2022, com 68.918 milhões de euros, mais 13,1% do que no ano anterior.

Mais ainda, como sempre acontece quando se agita tanto a bandeira espanhola, a hipocrisia é insultuosa. As principais empresas do sector agroalimentar que operam em Marrocos são espanholas. De facto, nos últimos três anos, o número de empresas espanholas do sector que abriram sucursais em Marrocos aumentou 35%: a Mercadona abastece Marrocos de legumes e frutas em grande escala e compra-os a outras empresas espanholas que aí operam, como a empresa almeriana Agroatlas, que é o segundo maior comerciante de feijão verde redondo da Europa. Evidentemente, o capital não conhece fronteiras e o seu espanholismo é o mesmo de sempre. Foguetório e engano.

Por outro lado, o aumento dos custos denunciado pelos manifestantes é causado pelo controlo monopolista e pela gestão especulativa da produção e distribuição de fertilizantes, combustíveis, acesso às principais reservas de água, etc., exercidos pelas grandes empresas do sector.

Em suma, e para não sermos enganados, há que distinguir claramente entre os médios e grandes proprietários, que controlam a maior parte da produção e da comercialização nas mãos das multinacionais, e os pequenos proprietários, que, segundo os dados oficiais de 2022, obtiveram rendimentos muito baixos.

Mas a verdade é que o sector agrícola é cada vez mais poderoso em Espanha, como o apontam estudos especializados: "Apesar da tempestade perfeita que o campo espanhol está a viver devido à escalada dos preços e à seca desta primavera, o sector é um pilar da economia espanhola e contribuiu com até 110.100 milhões de euros em 2022, o que representa 9,2% de toda a economia nacional, de acordo com o relatório "Observatório do sector agroalimentar espanhol no contexto europeu", elaborado por Cajamar em colaboração com o IVIE (Instituto Valenciano de Investigação Económica), que foi apresentado esta quinta-feira. Com estes dados, a Espanha continua a ser a quarta maior economia agroalimentar da União Europeia, contribuindo com 11,9% do valor acrescentado bruto (VAB) do sector na UE. Além disso, a quota do sector agroalimentar no total da economia é maior em Espanha do que na União Europeia (9,2% contra 6,6%), principalmente devido ao maior peso da comercialização (4,1%) em comparação com o nível europeu (2,6%)". Conclusivo.

Uma alternativa de esquerda para transformar e defender o mundo rural em benefício do povo trabalhador

É inútil esconder o carácter de classe deste movimento das “tractoradas” e quem lhe define o tom. Aqueles que, à esquerda, procuram elementos progressistas "para apoiar" estão a lidar com ilusões. É claro que há milhares de pequenos proprietários, não assalariados, porque não o são, que estão a passar por dificuldades. Mas o foco destas mobilizações e das suas reivindicações não é em benefício dos pequenos, mas sim dos médios e grandes proprietários, que sempre foram e serão, por razões óbvias, a base social e eleitoral da direita conservadora e da extrema-direita.

Uma mobilização que retoma e defende as principais reivindicações da direita e da extrema-direita; que se vangloria do seu negacionismo climático e do seu desprezo pelo ambientalismo; que encoraja o argumento de que o que falta aqui é a liberdade de produzir e de explorar sem restrições uma massa de jornaleiros e trabalhadores sazonais; que sempre que possível se vangloria do seu espanholismo, machismo e homofobia mais rançosos. Estes sectores nunca poderão ser verdadeiramente a base da revolução social. Pelo contrário, serão a vanguarda da contrarrevolução. De facto, foram eles que levaram o Vox à posição de terceiro partido parlamentar.

São os assalariados do campo, os jornaleiros e trabalhadores sazonais imigrantes e espanhóis dos frutos vermelhos de Huelva, das estufas de Almeria, das grandes explorações hortícolas e frutícolas de Múrcia e Valência, que sofrem os duros efeitos da desigualdade imposta pelo modelo de agricultura capitalista controlado pelos grandes monopólios e pelos bancos. E, logicamente, este modelo também atinge duramente uma parte não negligenciável dos pequenos agricultores submetidos a esta ditadura do mercado.

As constantes concessões aos grandes poderes do sector que têm sido aplicadas por todos os governos, incluindo o anterior em que Podemos participou e a atual coligação PSOE-SUMAR, longe de unir estes dois sectores na luta e de arrancar o pequeno produtor à influência dos grandes proprietários e da extrema-direita, reforça o domínio ideológico destes sobre os pequenos agricultores.

A esquerda deve levantar uma alternativa que implique uma mudança real e radical nas relações de produção no campo. É necessário impor salários dignos, emprego estável e com direitos para todos os trabalhadores, e perseguir energicamente a escravatura laboral que prevalece em muitas zonas e que é bem conhecida mas contra a qual nada se faz.

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A esquerda deve defender uma mudança real e radical nas relações de produção no campo. Impor salários dignos, emprego estável e com direitos para todos os trabalhadores e a perseguição ao trabalho escravo.

É necessário expropriar a propriedade latifundiária e nacionalizar as terras dos grandes proprietários para realizar uma reforma agrária completa, que dignifique verdadeiramente as condições de trabalho e os salários dos jornaleiros e dos trabalhadores agrícolas, pague pensões decentes, acabe com as habitações precárias, o desemprego, o PER4 e o caciquismo.

É necessário tomar medidas imediatas contra os grandes monopólios agro-alimentares, as grandes cadeias de distribuição, as empresas de energia e as indústrias de sementes e de factores de produção básicos, da única forma viável e realista: nacionalizando-os. Só assim os pequenos agricultores podem obter os factores de produção de que necessitam a baixo custo, produzir de uma forma respeitadora do ambiente e pôr fim à especulação dos preços dos alimentos, garantindo aos trabalhadores o acesso a alimentos de qualidade. O controlo dos preços de consumo é indispensável, mesmo que isso afecte os sacrossantos lucros dos do costume.

A fim de proporcionar crédito barato às pequenas explorações agrícolas, é necessário nacionalizar os bancos e pôr termo ao parasitismo do capital financeiro.

Para melhorar as condições de vida no campo e na cidade, precisamos de uma agricultura ecologicamente sustentável, o que exige um planeamento racional e socialista da produção agrícola, livre da luta pelo lucro máximo.

É claro que aos líderes das “tractoradas” este programa lhes provoca urticária, mas para a maioria da população é a única saída.


Notas:

1. NdT: Siglas das organizações espanholas de agricultores: ASAJA - Asociación Agraria de Jóvenes Agricultores, COAG - Coordinadora de Organizaciones de Agricultores y Ganaderos e a UPA - Unión de Pequeños Agricultores y Ganaderos.

2. NdT: Em Portugal esta situação é em tudo semelhante. No ano passado, os lucros da Jerónimo Martins (Pingo Doce) foram de 756 milhões e da Sonae (Continente) foram de 354 milhões.

3. NdT: Em Portugal a tendência é igual. As explorações com mais de 20 hectares representam 78% da SAU (Pordata dados 2019). Dados de 2022 indicam igualmente um salário médio de 916,2 €, menos 20% face à média nacional. Nestes dados não figuram logicamente os referentes às situações de escravatura e semi-escravatura de que os trabalhadores imigrantes são alvo.

4. NdT: O PER, sigla para Plano de Empleo Rural, é um programa de subsídio aos trabalhadores temporários na agricultura, que coloca o Estado a financiar os períodos de desemprego sazonal.

[Originalmente publicado em izquierdarevolucionaria.net a 18 de fevereiro de 2024]

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