Na tarde do dia 19 de dezembro, a rua do Benformoso, no Martim Moniz (Lisboa), foi encerrada e cercada pela PSP, que identificou centenas de imigrantes, tratando-os como criminosos. As imagens desta rusga brutal, em que se vêem as paredes da rua repletas de pessoas imigrantes encostadas, acossadas pela polícia, causaram indignação entre largas camadas da juventude e da classe trabalhadora e tornaram-se virais nas redes sociais. E com razão: não há memória de uma operação tão declaradamente autoritária e racista desta envergadura no centro de Lisboa.
Os resultados concretos da operação foram, como não poderia deixar de ser, absolutamente patéticos. Foram efetuadas duas detenções apenas, a dois portugueses e apreendido um x-acto. Mas para o Comando Metropolitano de Lisboa o objetivo foi atingido: “Uma única faca já justificaria o trabalho de ontem”. Isto porque o verdadeiro objetivo nunca foi a segurança dos moradores daquela rua, mas antes utilizá-los como bodes expiatórios não só para a pobreza da classe trabalhadora nacional, mas também para a violência machista, fazendo uso da islamofobia.
Se o Ministério da Administração Interna, liderado por Margarida Blasco, estivesse realmente preocupado com a segurança pública, empregaria os seus recursos a perseguir violadores e agressores ou a fazer rusgas a grupos neonazis, onde certamente encontraria muito mais do que uma única faca. É, mais uma vez, claro qual o papel principal da polícia no Estado burguês: reprimir as camadas mais pobres da classe trabalhadora e do povo e manter a ordem capitalista pela força.
Terror e Revolta em Lisboa
Enquanto os seus colegas atormentavam a população imigrante do Martim Moniz, um destacamento especial da PSP levava a cabo uma operação de ainda maior envergadura nos bairros da Cova da Moura e do Zambujal, com uma centena de agentes visando o cumprimento de 12 mandados de busca, acabando por levar a cabo 4 detenções e conduzindo à esquadra outras 8 pessoas.
Estas operações policiais em larga escala têm-se multiplicado no último mês e surgem no seguimento da revolta nos bairros periféricos após o assassinato às mãos da polícia de Odair Moniz, e da grande manifestação de massas que encheu a Avenida da Liberdade e trouxe até ao coração de Lisboa o movimento da juventude racializada.
A PSP, pelo menos, não esconde tal conexão. A cada rusga que é feita na Cova da Moura e no Zambujal, são detidos jovens acusados de ter participado nas revoltas. Os mesmos que ignoram as vítimas de violência doméstica e deixam impunes violadores e agressores, são capazes de, em poucas semanas, identificar categoricamente os autores dos motins.
É palpável o medo que as revoltas de outubro causaram à burguesia portuguesa, ao seu Estado e à sua polícia. O movimento negro que se está a organizar entre os bairros periféricos demonstrou uma vitalidade que fez estremecer a classe dominante, e representa uma constante ameaça ao regime burguês, num momento em que este se prepara para levar a cabo uma forte luta contra os direitos da classe trabalhadora e contra os serviços públicos.
Esta campanha de operações policiais tem de ser entendida neste contexto — a camada mais oprimida da classe trabalhadora portuguesa levantou a cabeça e demonstrou a sua força, expulsando a polícia dos seus bairros num momento de raiva — e a classe dominante sentiu a necessidade de enviar uma mensagem ao reprimir e oprimir esta camada antes que esta se torne a vanguarda de um movimento mais amplo e mais poderoso.
A direita tradicional vira à extrema-direita
Que a extrema-direita, encabeçada pelo Chega, aplauda a alto e bom som a campanha de terror policial em curso, tal como aplaudiu e quis medalhar os assassinos de Odair Moniz, não surpreende ninguém. Mas é significativa a posição que a direita tradicional portuguesa, encabeçada pelo governo da AD, está a ter, replicando o programa do Chega ainda que se tente distinguir nas palavras.
A mesma direita que hipocritamente fala de liberdade e presunção de inocência quando os arguidos são os grandes capitalistas ou agentes da polícia, não hesita um segundo em sentenciar sem julgamento estas populações. O Ministro da Presidência, Leitão Amaro, deixou bem claro que “esta operação no Martim Moniz é apenas uma de várias. Temos várias calendarizadas”. Todo um programa político.
Estas operações foram orquestradas com o Governo e a Câmara Municipal de Lisboa, que estão tão determinados quanto a polícia em esmagar a ameaça da juventude das periferias e em acossar a classe trabalhadora imigrante. Na verdade, Carlos Moedas que recorre, uma e outra vez, ao chavão reacionário da “percepção de insegurança” é o ponta-de-lança do PSD nesta campanha, criminalizando os sem-abrigo, os imigrantes e a esquerda.
É um tipo de atuação absolutamente inaceitável e os seus responsáveis políticos não podem sair incólumes. Margarida Blasco é a principal responsável pelo espetáculo degradante de xenofobia e racismo a que assistimos esta semana e, como tal, deve ser demitida.
Quanto à esquerda parlamentar, esta prova-se completamente inútil no que toca a proteger as comunidades marginalizadas desta agressão estatal, e os seus posicionamentos demonstram bem a sua fraqueza neste assunto, com o Bloco de Esquerda recorrendo aos velhos motes de que os imigrantes contribuem para a economia nacional – como se a sua humanidade e os seus direitos estivessem dependentes disso. Os perenes apelos do PCP a mais “polícia de proximidade”, por sua vez, destoam completamente com a realidade do que sentem as populações dos bairros, quando a polícia entra pelas suas comunidades adentro.
E o PS atinge o cúmulo da hipocrisia. O mesmo partido que aprovou o Orçamento do Estado da direita que aumenta o investimento na polícia tenta agora capitalizar mediaticamente a indignação geral com o caso. Enquanto isto, os seus eleitos em Loures aprovaram uma recomendação do Chega que visa despejar famílias inteiras da habitação municipal se um dos seus elementos tiver participado nas revoltas dos bairros — o que aliás vem na senda do seu trabalho a despejar famílias trabalhadoras no município.
É também notório que, no mesmo dia em que a rusga se dava na rua do Benformoso, a Polícia Judiciária tenha concluído que não houve motivação racial por detrás da morte de Odair Moniz, admitindo a possibilidade de ser um caso de legítima defesa, com uma reação possivelmente desproporcionada. Esta ridícula declaração é a primeira pista do que parece ser a ilibação, ou pelo menos a atenuação, dos crimes dos assassinos de Odair Moniz, e da desculpabilização institucional da PSP.
Perante toda esta atitude — seja do governo, dos partidos políticos, ou dos tribunais — a descredibilização das instituições do Estado cresce aos olhos da juventude trabalhadora das periferias de Lisboa e fica cada vez mais claro que não podem esperar de nenhuma destas instituições justiça ou reforma, apenas miséria e terror.
Só há uma solução – organização!
O terror policial vai apenas servir para acender ainda mais a chama de revolta que arde nos corações da juventude trabalhadora, farta de anos de sofrimentos e humilhações, e sem perspetivas de futuro.
Mas se dessa revolta quisermos que saiam ganhos concretos – na esfera política, económica e social – então não podemos simplesmente esperar para que esta se dê. Temos de preparar o caminho para a sua vitória através do trabalho organizativo, construindo um partido revolucionário capaz de expressar as exigências dessa revolta num programa concreto que chame a si toda a classe trabalhadora em Portugal.
O movimento que se está a desenvolver entre as comunidades racializadas nos bairros periféricos dá mostras dessa capacidade organizativa — nomeadamente através do movimento Vida Justa – e é precisamente isso que faz estremecer de tal maneira a classe dominante. Mas esse trabalho tem de ser estendido, nomeadamente para chegar junto da comunidade imigrante no Martim Moniz, e junto da demais classe trabalhadora lisboeta, e de outras cidades e pontos do país.
A Esquerda Revolucionária defende:
- Fim do plano para a migração do governo; regularização imediata de todos os imigrantes e descendentes de imigrantes!
- Demissão imediata da Ministra da Administração Interna, Margarida Blasco.
- Abolição da polícia, criação de comités de auto-defesa nos bairros.