As manifestações de dia 6 de Junho contra o racismo foram nada menos do que históricas. Mais de 20.000 pessoas marcharam só em Lisboa. No Porto pode ter chegado aos 2.000 manifestantes. Além disso, outras cidades como Faro, Beja, Braga e Coimbra tiveram também protestos contra a brutalidade policial e o racismo.

 

Uma revolta global como pano de fundo

Nos EUA, após o assassinato de George Floyd às mãos da polícia de Minneapolis, no dia 25 de Maio, em um contexto de brutal desemprego e de pandemia, em que os trabalhadores negros são desproporcionalmente afectados, milhões de jovens e trabalhadores levantaram-se e tomaram as ruas. A repressão não se fez esperar, instigada pela administração Trump e seguida com igual brutalidade tanto por governadores republicanos como democratas. Em várias cidades foi decretado o recolher obrigatório, que sem excepção foi desrespeitado e combatido por protestos massivos.

Este levantamento social dentro das fronteiras da maior potência imperialista mundial, como não podia deixar de ser, está a ter uma repercussão verdadeiramente internacional. No espaço de dias, os protestos estenderam-se não só a mais de 650 localidades dos EUA como a milhares de cidades pelo mundo. O rosto de George Floyd tornou-se o ícone de todas as vítimas de agressões e assassinatos policiais e racistas pelo mundo. De Montreal a Buenos Aires, do Rio de Janeiro a Londres, de Berlim a Gaza, de Paris a Tóquio, de Calcutá a Sidney, jovens e trabalhadores saíram à rua seguindo o exemplo dado pelo movimento Black Lives Matter. Em algumas destas cidades, especialmente em Paris, a dura repressão dos protestos obteve uma resposta à altura por parte dos manifestantes e houve elementos de insurreição semelhantes aos que se viram nas maiores cidades dos EUA.

Este é o pano de fundo dos protestos de 6 de Junho em Portugal: uma autêntica rebelião mundial da juventude e dos trabalhadores contra a opressão racista.

A juventude e os trabalhadores negros na linha da frente

Mais uma vez, aquela que é uma das camadas mais pobres e racialmente oprimidas do proletariado mostrou a sua disposição para a luta respondendo a um apelo à manifestação. Em Lisboa, inicialmente convocada como uma manifestação sob a palavra de ordem “Resgatar o Futuro, Não os Lucros”, no espaço de 4 dias, o protesto foi tomado pela juventude negra e transformado numa marcha histórica contra o racismo e a violência de Estado.

As palavras de ordem reflectiram a influência dos protestos estado-unidenses ouvindo-se bem alto “No justice, no peace!” e “Black Lives Matter!”, mas recordaram também as vítimas de assassinatos racistas e da brutalidade policial em Portugal. O homicídio do jovem cabo-verdiano Luís Giovani e as agressões a Cláudia Simões pela PSP da Amadora foram relembrados e exigiu-se justiça. Milhares e milhares de pessoas, sobretudo jovens, seguiram a juventude negra, animados por um sentimento de solidariedade de classe contra todas as vítimas de racismo em Portugal, nos EUA e em todo o mundo.

Esta é a força da nossa classe: a união por cima de divisões racistas e nacionalistas. É esse o exemplo que nos chega dos EUA e que é replicado instintivamente nestas manifestações. Num momento em que a classe trabalhadora é atacada com lay-offs e despedimentos em massa, este exemplo de combatividade e união servirá certamente de inspiração para as próximas lutas.

O contra-ataque do Estado burguês

Perante uma massa humana que excedeu largamente as expectativas quer dos organizadores quer da polícia, a atitude das forças repressivas do Estado pautou-se pela discrição. Em Lisboa, no percurso da manifestação, que desceu a Avenida Almirante Reis em direcção ao Terreiro do Paço, a presença policial foi numericamente baixa e pouco musculada. O corpo de intervenção foi colocado nas ruas laterais, contrariamente ao que aconteceu em manifestações anteriores.

Este comportamento das forças repressivas do Estado está longe de representar uma epifania anti-racista ou sequer uma concordância com as exigências dos manifestantes. Revela antes a cautela da classe dominante perante a força da manifestação e no contexto de uma revolta mundial contra o racismo. Por isso, a polícia em vez de intimidar e reprimir foi obrigada a deixar as ruas serem tomadas.

A reacção e ataque a estas manifestações deu-se fora da rua, através da comunicação social burguesa. Utilizando como destaque um cartaz (possivelmente manipulado) que dizia “Polícia bom é polícia morto” todos os meios de comunicação, todos os comentadores burgueses, todos os partidos de direita e a própria PSP lançaram uma campanha virulenta de vitimização da polícia, de desvalorização dos manifestantes e de silenciamento das suas reivindicações.

Esta tentativa para descredibilizar todo o movimento tem como alvo os sectores mais recuados da classe trabalhadora branca e da pequena-burguesia. Os elementos mais reaccionários da burguesia e do aparelho de Estado procuram agitar a sua base social como forma de manter a super-exploração da força de trabalho imigrante e negra.

Enquanto marxistas nunca igualamos a reacção do oprimido à violência do opressor. A classe trabalhadora e a juventude negra, que é brutalizada diariamente nos bairros da periferia e nos locais de trabalho, tem todo o direito de se revoltar e auto-defender contra os seus opressores, tal como está a acontecer nos EUA.

A luta dos trabalhadores negros é a luta contra o capitalismo

A mudança qualitativa operada na manifestação de 21 de Janeiro de 2019, quando cerca de 200 jovens negros da periferia subiram a Avenida da Liberdade, confirmou-se definitivamente no dia 6 de Junho. Existe uma nova camada da juventude negra de classe trabalhadora que entrou decisivamente na luta política. E entrou com toda a força e potencial revolucionários constituindo-se neste momento como vanguarda da juventude trabalhadora.

Em Janeiro de 2020 escrevíamos: “Que este potencial continue a ser criminosamente desprezado pelas actuais direcções da esquerda e da maioria do movimento operário, tomadas por reformistas pequeno-burgueses que focam toda a sua atenção no parlamento e afins, é, em última instância, irrelevante. A juventude e os trabalhadores negros não ficarão à espera de ninguém”.

As últimas mobilizações vieram confirmar esta análise. Ultrapassando as lideranças reformistas da esquerda e a própria pequena-burguesia académica negra, os jovens que marcharam por três vezes em Lisboa estão a forjar a sua consciência no terreno da luta de classes. A cada choque com o Estado burguês, a cada acto de repressão, a cada ataque racista da comunicação social, a cada nova experiência de mobilização e luta política como a de dia 6 de Junho, a juventude negra da classe trabalhadora aguça a sua consciência e dá passos na educação de dirigentes revolucionários.

A falta de ligações políticas desta camada do proletariado à esquerda e às burocracias sindicais é hoje uma grande vantagem. Livres dos preconceitos identitários e da conciliação de classes estes jovens e trabalhadores aprendem rapidamente os métodos tradicionais da classe trabalhadora — a manifestação de massas e a greve — e abraçam o programa revolucionário - criação de comités de auto-defesa e o controlo operário sobre a polícia.

O controlo das direcções reformistas e burocráticas, que actuam com um travão ao movimento dos trabalhadores, serão incapazes de alcançar vitórias durante mais uma crise do capitalismo mundial. Esse controlo não existe nesta nova camada da juventude trabalhadora que conclui rapidamente sobre a necessidade de unir todas as lutas económicas numa luta política contra a classe dominante e o seu Estado.

Essa derradeira luta pela tomada do poder só será possível com uma direcção revolucionária. É esta a tarefa do momento para a juventude de classe trabalhadora por todo o Mundo: forjar essa direcção capaz de canalizar toda a raiva e determinação acumulada por décadas de opressão e exploração capitalista para o derrube da ordem capitalista e a construção do Socialismo.
Para que mais nenhum de nós seja levado pelas mãos da polícia fascista: está na hora da organização e luta!

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