Primeiro Orçamento do Estado (OE2023) enquanto governo com maioria absoluta e o PS avança com um corte de 600 milhões de euros na educação — tão grande quanto o feito durante a troika pelo governo de Passos Coelho. A preparação da municipalização do ensino, o que significa a sua destruição, é o culminar de uma década de ataques à escola pública que começou com despedimentos, fechos de escolas públicas, precarização e rebaixamento das condições de trabalho dos professores. É este o pano de fundo para as atuais greves e manifestações de professores, as maiores dos últimos anos.

O rebaixamento das condições de trabalho dos professores aconteceu a uma velocidade desenfreada. Sem investimento, multiplicaram-se as escolas sem materiais de ensino ou infrastructuras adequadas, onde até chove ou faz frio. As 35 horas semanais de trabalho são uma mentira. A “componente não-lectiva” inclui aulas de apoio, reuniões pedagógicas e acções de formação e reuniões de conselhos de turma, tendo muitos professores ainda tarefas enquanto directores de turma, bibliotecários, etc. Isto para além da preparação das aulas, testes, correcções, que muitos acabam por ter de fazer em casa, em horário não remunerado. Como se não bastasse, o Ministério da Educação chegou a obrigar professores a trabalhar horas extraordinárias para colmatar vagas que ficaram por preencher ou substituir colegas de baixa. É uma sobrecarga de trabalho brutal.

A isto junta-se a precarização que o Estado burguês estendeu também aos funcionários públicos em início de carreira, sendo os professores particularmente afetados. Hoje 1 em cada 4 professores do 3º Ciclo e Secundário são precários, estando a contratos. Os horários de muitos destes professores são uma manta de retalhos dividida entre várias escolas. As “férias de verão”, já sem salário, são passadas à procura de trabalho para o ano seguinte, na incerteza de conseguir uma colocação ou horários completos. Inerente à precariedade estão os problemas sociais e financeiros de poderem ser colocados numa cidade a centenas de quilómetros — como os custos com os transportes e as rendas caríssimas, o desgaste físico e tempo gasto em viagens e o desgaste emocional de estar longe da família e amigos.

Para escapar à precariedade um professor tem de conseguir colocação com horário anual completo durante 3 anos consecutivos na mesma escola, estando esta obrigada a abrir vaga para o quadro (“norma-travão”). Um requisito quase impossivel de alcançar, arrastando-se a precaridade durante anos ou até décadas, como se percebe pelo chocante facto da idade média de entrada na carreira docente ser de 45 anos! Aqueles que conseguem entrar têm ainda de lidar com todo o tipo de artimanhas do governo para que não progridam, desde a recuperação apenas parcial do tempo de serviço para contagem na progressão da carreira à existência de quotas que apenas permitem que 1 ou 2 professores progridam por escola. Assim se explica que metade dos professores efetivos ainda se encontram entre o 1º e o 4º escalão da carreira, de um total de 10, recebendo entre 1000€ e 1350€ líquidos. Desde 2010 os salários dos professores só foram aumentados 2 vezes, ambas recentemente e em menos de 1%, o que, a par com a atual inflação, significa uma diminuição de poder de compra de mais de 20% em 12 anos. Mesmo em horário completo muitos professores precisam de um 2º emprego para pagar as contas.

Trabalhar muito, sem condições e ganhar pouco — é este o retrato do que é ser professor em Portugal. Segundo um inquérito nacional feito em 2018 a cerca de 19.000 professores mais de 45% dos inquiridos apresentavam sinais preocupantes de burnout e 80% queriam a reforma antecipada. A terrível gestão da pandemia nas escolas nos últimos anos atrasou a aquisição de competências dos alunos e aumentou a pressão a que os professores estão sujeitos, fazendo disparar estes números. São claras as razões pelas quais muitos professores abandonaram a profissão — 10.000 na última década segundo a Federação Nacional dos Professores (FENPROF) — e a esmagadora maioria não incentiva os jovens a entrar na carreira.

Com uma crise em mãos o governo aplica medidas paliativas, deixando por resolver todas as bases materiais que levam à falta de professores enquanto lança novos ataques aos professores e à escola pública

Mas para os jovens a falta de condições está ainda mais a montante. Os mestrados em ensino — obrigatórios para se poder concorrer ao concurso nacional para professor do 3º Ciclo e Secundário — têm propinas anuais que rondam os 1200€ e aulas espalhadas pelo dia, incompatíveis com um horário de trabalho. Perante uma nova crise capitalista — que fez disparar o número de estudantes que têm o pagamento das propinas em atraso — muitos jovens desistem do curso ou, recém-licenciados, não têm outra opção que não seja começar imediatamente a trabalhar. Outros preferem procurar trabalhos que oferecem melhores salários e condições laborais. Dos licenciados em cursos com grande empregabilidade como Física e Química ou Informática apenas cerca de 20 escolhem seguir o curso de ensino todos os anos.

Assim, hoje os professores formados anualmente são menos 70% do que em 2001. Como resultado Portugal tem os professores mais velhos da OCDE: 3 em cada 4 com mais de 50 anos e apenas 2 em cada 100 com menos de 30 anos. A vaga de professores que entrou na escola pública nos anos que se seguiram à Revolução Portuguesa está a reformar-se, tendo sido batido o recorde de reformas no ensino o ano passado. Segundo um estudo recente quase 60% dos professores se vão reformar até 2030. Seria necessário contratar cerca de 35.000 novos professores até lá, número impossivel de atingir ao ritmo de formação atual.

O resultado foi um novo início de ano lectivo desastroso. Segundo Mário Nogueira, dirigende da FENPROF, 80.000 alunos ficaram sem professor a pelo menos uma cadeira na primeira semana de aulas. Resolver a crise da falta de professores exigiriam um investimento colossal na educação, o que chocaria de frente com o sistema capitalista – algo impensável para o governo burguês do PS. Sem seguir esta via, o mais que conseguiu fazer foi avançar com alguns paliativos circunscritos às regras de colocação dos professores.

Os professores são inicialmente colocados a partir da reserva nacio­nal de recrutamento, ordenada segundo a média obtida na formação. Se ao fim de duas rondas uma escola ainda tiver posições em aberto passa a ser da responsabilidade do seu director encontrar candidato/a através de anúncios. O Estado impedia-os até agora de concorrerem novamente se já recusaram colocações num ano letivo — o que acontece com frequência por serem colocados em localidades distantes ou em vagas com poucas horas semanais. A falta de professores obrigou o governo a levantar esta penalização este ano — que não passava de uma tentativa descarada de fazer os professores aceitarem qualquer trabalho, diminuindo as condições de trabalho de todo o sector — mas dos 5.000 professores abrangidos apenas 1.850 mostraram vontade de regressar. O governo permitiu ainda que os directores das escolas contratassem licenciados sem o mestrado em ensino, mas bloqueando a entrada na carreira, assegurando logo à partida a precarização desta nova camada de professores.

Em vez de procurar resolver de facto a crise da falta de professores, o governo aproveita para usá-la como subterfúgio para lançar um novo ataque à escola pública. Ainda em setembro o Ministro da Educação João Costa anunciava que os directores poderiam escolher os professores a incluir no quadro da sua escola, ignorando o concurso nacional, e em novembro avançava com a proposta de que ficaria a cargo de conselhos locais de diretores contratar um terço dos professores. Ficam assim com o poder de escolher que professores colocar e rejeitar, abrindo a porta a favorecimentos. Um aprofundamento de poder na figura do director e, por conseguinte, da falta de democracia nas escolas. Décadas depois da Revolução Portuguesa ter democratizado as escolas e varrido com a figura salazarista do director, eis que o PS a quer trazer de volta como farsa, “director-CEO”, adaptada ao Zeitgeist da atual ditadura do capital.

Mas a verdadeira intenção é mais perversa: nada menos que dar o primeiro passo em direção à municipalização das escolas. Seria o inicio de uma educação a várias velocidades no país, ficando a cargo de cada autarquia quanto investe em cada escola ou mesmo se as privatiza, abrindo o caminho ao aumento da precaridade e abaixamento de salários e condições dos professores e restantes profissionais do ensino. Em suma, a completa destruição da escola pública. É em sua defesa que se levantam agora os professores. 

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Um sindicalismo democrático e combativo unifica as lutas, organiza as greves através de comités de greve em cada escola, que discutem as reivindicações, a organização das questões logísticas e acordos com o governo.

Um sindicalismo democrático e combativo é um avanço, mas para defender a escola pública é preciso mudar todo o sistema!

A FENPROF convocou uma primeira greve para 2 de novembro, ação que teve 90% de adesão. Mas dando sempre preferência às negociações à porta fechada em detrimento da luta nas ruas e locais de trabalho — a única que faz de facto avançar a organização e consegue alcançar ganhos significativos — a ideia da FENPROF era a de arrefecer os ânimos, convocando apenas uma manifestação, sem greve, para dali a 4 meses, no início de março. É este o papel das burocracias sindicais: aplicar todo e qualquer tipo de manobras para garantir a paz social. Afinal, cada vez mais financiados pelo Estado burguês — que acreditam ser um moderador neutro entre capital e trabalho e não a ferramenta da burguesia que tem como função gerir os interesses desta classe — os seus lugarzinhos dependem da manutenção do status quo.

Mas os ataques do governo significam guerra aberta. A direcção da FENPROF subestimou completamente a insatisfação dos professores face ao seu boicote e a vontade de levarem a luta avante. Quando o Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP), um sindicato independente, mostrou ser a única via para o fazer, marcando uma semana de greves que culminou com uma manifestação dia 17 de dezembro, a resposta foi massiva: dezenas de piquetes construídos por comissões de greve espalhados por escolas do país durante a semana e dezenas de milhares de professores no largo da Assembleia da República, em Lisboa, no sábado.

O STOP constrói as greves de baixo para cima, organizadas por comités de greve em cada escola, que discutem as reivindicações e organização das questões logísticas. Para além disso os dirigentes só estão mandatados para assinarem acordos com o governo depois de os discutirem com as bases. É em parte a explicação para a resposta massiva: os professores tomaram nas suas mãos a construção da greve, tornando-a verdadeiramente sua. O STOP está ainda a unificar as lutas do ensino, tendo convocado greve também para os trabalhadores não docentes, a convidar outros sindicatos a unir forças e a mobilizar os alunos, as famílias e outros sectores em defesa da escola pública. Assim se constrói um sindicalismo democrático e combativo! 

O oposto dos sindicatos burocráticos da CGTP, cujas greves são marcadas e organizadas apenas pela direcção, as lutas compartimentalizadas por profissão e região, e os acordos assinados à porta fechada. O governo, contando com as direções sindicais da CGTP para travar a luta na rua, foi apanhado de surpresa. Desde então o ministro da Educação não tem poupado esforços em atacar o STOP, chegando ao cúmulo de convocar um conferência de imprensa de emergência para descredibilizar os seus dirigentes, chamando-os de mentirosos e alegando que "não passa pela cabeça de ninguém fazer essa transferência de competências [para as autarquias]". Mas o governo julga-nos idiotas, quando está a avançar com o mesmíssimo plano na saúde? A virulência da sua resposta não é por acaso: um sindicalismo combativo capaz de inspirar outros sectores a seguir-lhe as pegadas, unificando as lutas em manifestações de massas é um gigantesco perigo para o governo de maioria absoluta do PS. A prova disso mesmo é que há uns dias o ministro da Educação se viu obrigado a desistir dos conselhos de diretores para tentar travar a greve e comprar tempo. Não é motivo para abrandar a luta, pelo contrário, há que aproveitar o momentum criado para construir uma greve geral da educação e reconquistar direitos!

O confronto entre professores e governo faz parte uma luta de classes mais ampla, entre trabalhadores e burguesia. Décadas de governos burgueses destruiram grande parte do que a nossa classe conquistou na Revolução portuguesa, chegando agora ao ponto de pôr em causa a educação e saúde públicas através do desinvestimento e ao preparar a sua municipalização e privatização. Mas é precisamente este o caminho a seguir: unificar as lutas da educação, saúde, transportes, etc, numa greve geral que defenda serviços públicos gratuitos e de qualidade, aumente os salários e combata a precariedade de toda a classe trabalhadora. Deve ser esta a prioridade de todos os sindicatos combativos! Mas pô-lo em prática significa chocar de frente com os interesses do capital e implica a direção revolucionária de um partido dos trabalhadores munido de um programa socialista claro, que recuse o cretinismo parlamentar e reconheça as ruas e a luta de massas como único meio capaz de transformar radicalmente a sociedade e dar uma vida digna aos trabalhadores. É preciso construí-lo!

Defendemos:

- Democracia nas escolas! Criação de comités de trabalhadores do ensino e alunos que giram de forma democrática as escolas, a única forma de garantir um ensino de qualidade, sem exploração e opressões;

- Fim da precariedade e das Empresas de Trabalho Temporário! Contratação direta e coletiva por estes comités de todos os trabalhadores das escolas, com condições e salários dignos;

- Fim da escola privada! Nacionalização sem indemnização de todos os colégios privados;

- Fim das propinas! Educação gratuita e com bolsas de estudo para cobrir as despesas dos estudantes (materiais, vestuário, transportes, etc.) e permitir a formação adequada de uma nova geração de professores;

- Alojamento gratuito para estudantes em residencias universitárias públicas e de qualidade;

- Nacionalização sem indemnização de toda a banca de forma a garantir os recursos para a execução destas medidas e a colocar a gigantesca riqueza acumulada durante décadas pelos capitalistas ao serviço do bem-estar da esmagadora maioria da população.

Solidariedade com os professores e trabalhadores não docentes da educação!

Todos e todas à Manifestação Nacional pela Escola Pública de dia 14 de Janeiro!

Junta-te à Esquerda Revolucionária!

JORNAL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA

JORNAL DA LIVRES E COMBATIVAS