A rede de transportes coletivos é essencial para a mobilidade da grande maioria da classe trabalhadora, juventude e pensionistas. É também a forma ambientalmente mais sustentável de deslocação por oposição ao transporte individual. Conforme explicámos anteriormente, a criação dos novos passes sociais na Área Metropolitana de Lisboa (AML), embora represente um alívio monetário para muitas famílias trabalhadoras, evidenciou ainda mais as décadas de desinvestimento e privatização dos serviços, causando uma aceleração da degradação do serviço prestado e uma sobrelotação permanente dos transportes coletivos.
E nem a pandemia, que causou naturalmente uma diminuição na utilização deste serviço, melhorou a situação. Durante o pico da pandemia, as camadas mais oprimidas da nossa classe continuaram a sofrer com as supressões brutais no serviço, deslocando-se em autocarros ou comboios apinhados e sem qualquer distanciamento sanitário mínimo.
A ruptura total do sistema de transportes foi adiada, uma vez que a procura pelo transporte coletivo se mantém a níveis inferiores ao período pré-pandemia. Na AML e na Área Metropolitana do Porto (AMP), as vendas de passes baixaram, respetivamente, 25% e 34%. A principal causa apontada é o teletrabalho, que continua a rondar os 17% nestas duas áreas metropolitanas. No entanto, o aumento da utilização do transporte individual evidencia o verdadeiro problema: a falta de resposta do transporte coletivo.
Apesar dos anúncios pomposos do governo PS nos últimos anos sobre investimento na ferrovia, na modernização da frota de autocarros ou nos tão badalados fundos europeus, a verdade é que décadas de desinvestimento e privatização dos serviços não se desfazem só com palavras. Todos os dias são suprimidos barcos, autocarros ou comboios porque faltam peças ou porque faltam operadores. Os funcionários destas empresas acumulam horas extraordinárias em excesso, desregulação de horários e férias por gozar. A raiva no setor tem vindo a acumular-se desde há anos, quer nos trabalhadores, quer nos utentes.
Onda de greves no setor dos transportes
Desde setembro de 2021 até à publicação deste artigo as greves no setor dos transportes têm-se multiplicado: Transtejo/Soflusa, STCP, Carris, Transportes Urbanos de Faro, Rodoviária de Lisboa, Transportes Coletivos do Barreiro, Metro de Lisboa, Metro do Porto, CP, grupo Barraqueiro, entre outras. Em todas estas empresas os trabalhadores reivindicam aumentos salariais e melhores condições de trabalho, além de mais contratações de pessoal, melhor manutenção e mais investimento.
As greves, convocadas maioritariamente por sindicatos afetos à FECTRANS (CGTP), têm tido uma boa resposta dos trabalhadores com adesões entre os 70% e os 100% conforme os casos, mas também dos utentes entre os quais — apesar das tentativas da comunicação social burguesa em arrancar declarações penalizadoras da greve — a grande maioria das vezes os grevistas encontram solidariedade e compreensão. As greves e a luta organizada dos trabalhadores são, sem dúvida, o caminho a seguir.
Os poucos resultados alcançados até aqui, no entanto, mostram que é necessário levar a luta mais longe. As privatizações sucessivas no setor, a degradação do material, as horas extraordinárias em excesso e os congelamentos salariais mantêm-se.
O principal passo a dar é a unificação das lutas. As greves convocadas são parciais, separadas por empresa, separadas inclusive por categoria profissional. Desta maneira, facilmente encontram a resistência e bloqueio do patronato, que continua confortavelmente a explorar os trabalhadores e a lucrar milhões, e do Estado.
Prova disso é a proposta de aumento de 10€ de salário base que as associações patronais — ANTROP e Transdev — levaram à mesa das negociações para o setor rodoviário. Um aumento que, além de insuficiente, é um verdadeiro desrespeito para com qualquer trabalhador. O rechaço a esta proposta é total e a vontade de lutar também com a adesão às greves dos dias 20 de setembro, 1 de outubro, 22 de novembro e 2 de dezembro de 2021 a ser quase total. Mas quatro dias de greve com várias semanas de intervalo — ou uma interrupção de 2 meses devido a eleições — são uma repetição da receita até agora seguida pela CGTP, e o resultado que esta receita tem é o cansaço dos trabalhadores.
Para resolver os impasses negociais em que a burocracia sindical e o patronato se movimentam perpetuamente é necessário estender e aprofundar a luta no setor dos transportes como um todo, ou seja, de maneira unificada.
Outro passo fundamental é o da organização e controlo dos trabalhadores, em oposição a um modelo de sindicalismo “de cima para baixo”. É necessária a organização de assembleias e plenários de trabalhadores abertos a todas as categorias profissionais do sector dos transportes, e é necessário que nestes espaços se tomem decisões democraticamente, para organizar uma luta continuada e uma greve que de facto sejam um golpe duro nos capitalistas do sector, que de facto forcem o patronato a responder às reivindicações dos trabalhadores sob pena de sofrer pesadas consequências. O calendário, os métodos de luta e o caderno reivindicativo precisam de ser discutidos e votados o mais amplamente possível entre todos os trabalhadores. Só a nossa organização democrática e a nossa participação direta enquanto trabalhadores pode garantir a máxima eficácia da nossa luta e garantir a solidariedade ativa da esmagadora maioria da classe trabalhadora e da juventude.
Lutar por um transporte coletivo público e gratuito
Os passes sociais e outras concessões milionárias às empresas privadas ou às Parcerias Público-Privadas do setor dos transportes não nos garantem o direito à mobilidade. Enquanto forem os capitalistas a decidir percursos e horários, o preço dos bilhetes ou quantos trabalhadores despedir com o único objetivo de maximizar os lucros, será sempre a classe trabalhadora a sofrer as consequências.
Além disto, estará sempre dependente dos interesses destes capitalistas e dos lobbies do petróleo a transição para uma rede de transportes ambientalmente sustentáveis ou a oferta necessária para ser possível eliminar a utilização do transporte individual dentro das cidades.
É necessário efetuar um planeamento democrático de uma rede de transportes unificada e de âmbito nacional capaz de servir as populações eficazmente e gratuitamente. Por isso, o transporte coletivo deve ser considerado um bem essencial e nacionalizado sob o controlo democrático dos trabalhadores e utentes, e sem indemnizações para os grupos económicos que, durante décadas, lucraram com subvenções estatais. Só assim se poderá garantir um transporte coletivo de qualidade, universal, ecológico e gratuito.
Por fim, é preciso deixar claro que este programa nunca será possível seguindo a lógica do capitalismo, aceitando as regras do jogo impostas pela burguesia. É necessário romper com o institucionalismo e com a conciliação de classes que tem orientado a atuação das burocracias sindicais e da esquerda reformista. É necessário construir uma esquerda combativa que coloque em cima da mesa um programa socialista e que organize e mobilize a classe trabalhadora e a juventude para a luta nas ruas, nos locais de trabalho, nas escolas e nos bairros.