Desde o final do século XX, com o recuar da esquerda a nível internacional e o avanço da ideologia neoliberal, que as instituições burguesas pressionavam a aplicação de modelos de gestão do sector empresarial à administração pública. Segundo a lógica neoliberal, a competição feroz do sector empresarial potencia uma melhoria de métodos de trabalho e otimização de custos, o que não aconteceria na administração pública devido à falta de concorrência no seu domínio de atividade. Surgiu assim o “modelo gestionário” nas empresas públicas, que, em teoria, procura definir métricas e índices de desempenho, dar um uso eficaz dos recursos disponíveis e dar enfoque aos “resultados”.

No ano 2000 a União Europeia inicia a Estrutura Comum de Avaliação (CAF, do inglês “Common Assessment Framework”) de modo a lançar as diretrizes para esta alteração. Os governos de Portugal têm sido grandes entusiastas da CAF, tendo sido este modelo impulsionado pelo XVI Governo Constitucional — a coligação pouco duradoura de PSD-CDS encabeçada por Santana Lopes, em 2004 — sob o nome de Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP). Tão apressadamente quis o governo lançá-lo que não deu sequer condições aos ministérios para que aplicassem o modelo, o que fez com que no 1º semestre de vigência do sistema apenas 5% dos cerca de 740 mil funcionários públicos fossem avaliados, e no 3º (2006) apenas 60%.

Em resposta a estas e outras críticas ao modelo, o XVIII Governo Constitucional, uma maioria do PS, encabeçada por José Sócrates, levou a cabo a criação e implementação de um “novo” SIADAP através da Lei nº 66-B/2007, que passa a integrar três subsistemas que correspondem aos níveis de desempenho de uma organização: SIADAP 1 - Gestão e avaliação do desempenho organizacional (Serviços da Administração Pública); SIADAP 2 - Gestão e avaliação do desempenho estratégico (dirigentes superiores) e de gestão (dirigentes intermédios); e SIADAP 3 - Gestão e avaliação do desempenho operacional (trabalhadores).

Neste artigo focar-nos-emos no SIADAP 3, segundo o qual a avaliação do desempenho dos trabalhadores incide sobre os resultados obtidos na prossecução de objetivos individuais — em articulação com os objetivos da respetiva unidade orgânica — e sobre as competências que visam avaliar os conhecimentos, capacidades técnicas e comportamentais adequadas ao exercício de uma função.

Perante a contestação da função pública, o governo divide para reinar

Volvidos 4 anos da saída da troika e 3 do início do mandato do presente governo, este diz que a economia está a melhorar e que o emprego está a aumentar, mas estas retórica de nada vale aos trabalhadores da função pública que continuam com a progressão de carreira e salários congelados — muitos desde um período anterior à vinda da troika. Habituados a uma maior estabilidade e a melhores condições de trabalho do que a maioria dos colegas do privado, e não raras vezes iludidos por essa diferença, os trabalhadores da função pública vêem-se agora na necessidade de lutar — como os restantes trabalhadores fazem há muito — contra a precariedade, o desemprego, os baixos salários, etc.

Depois de um período de diminuição do número de greves e outras formas de luta da função pública nos 2 primeiros anos deste governo assistimos agora um recrudescimento destas. Nem as burocracias dos sindicatos da função pública — mais interessadas em manter a estabilidade do governo do que em melhorar as condições de trabalho — conseguiram impedir que a crescente exigência das bases por uma melhoria efetiva das suas condições de trabalho resultasse num maior número de lutas dos profissionais da saúde, educação, transportes, etc.

Não é coincidência que o governo se tenha lembrado de impulsionar o SIADAP numa altura em que aumenta visivelmente a consciência e solidariedade de classe entre os trabalhadores da função pública. Durante anos num limbo, nem funcionando nem sendo descartado, o SIADAP só foi verdadeiramente aplicado este ano: com a indexação da progressão nas carreiras aos pontos obtidos nesta avaliação. O OE 2018 previa o descongelamento faseado das carreiras, mas condicionado pelos pontos acumulados desde 2009. No caso da Câmara Municipal de Lisboa (CML), menos de 50% dos trabalhadores serão aumentados. A contenção remuneratória é pois um dos objectivos do SIADAP, mas o principal, e muito mais pernicioso, é a divisão dos trabalhadores.

Ao reorganizar a função pública sob um sistema hierárquico, o SIADAP permite às chefias discriminar e punir os trabalhadores de acordo com os seus interesses e caprichos. Os objetivos dos trabalhadores, apesar de deverem ser negociados com o avaliador, são frequentemente impostos pelas chefias e, mesmo quando negociados, prevalece a perspectiva do avaliador em caso de discordância. Os avaliadores têm ainda obrigação de sigilo em relação aos objectivos acordados, contribuindo para um clima de desconfiança entre trabalhadores e opacidade sobre a avaliação. O SIADAP veio assim a revelar-se um instrumento extremamente útil para deteriorar as relações humanas dentro das organizações públicas, incitando a um clima de medo e à competição feroz entre trabalhadores, capaz de minar a mobilização colectiva em torno de reivindicações políticas, e substituindo-a muitas vezes por ineficazes acções individuais de resistência.

Segundo um inquérito realizado aos trabalhadores da administração pública pela Direção-Geral da Administração e do Emprego Público em 2015, 88% dos inquiridos dizem estar em desacordo ou totalmente em desacordo com o sistema de avaliação do desempenho existente. Os utentes também não estarão mais satisfeitos, deparando-se com uma perda de qualidade do serviço público. Já as confederações patronais regozijam-se com este sistema: avaliações baixas servem de incentivo para que certos serviços sejam privatizados, para além de que a contenção dos salários no público contribui para manter os salários do privado baixos.

A “solução” das direcções sindicais e a resposta dos trabalhadores

Os sindicatos da Administração Pública sempre se opuseram ao SIADAP. Apesar de numa primeira fase terem tentado denunciar as consequências perniciosas para os trabalhadores, a forma atabalhoada como o SIADAP foi sendo aplicado ajudou a cimentar a ideia errada que não iria ter um impacto real. Os trabalhadores tomam agora consciência da gravidade do SIADAP, mas as direcções sindicais continuam a ser incapazes de fomentar acção colectiva para o bloquear. Limitam-se a propor aos seus membros que façam queixas aos seus superiores das faltas e ilegalidades produzidas pelos avaliadores — que são, normalmente, esses mesmos superiores!

O descontentamento face à ineficácia deste tipo de acções levou um conjunto de trabalhadores da administração pública a criar o movimento "Missão Pública Organizada", lançando uma petição pública com o objetivo de revogar o SIADAP e substituí-lo por um “modelo de avaliação do trabalho na Administração Pública adequado à necessária inovação organizacional, centrada no fator humano e assente nos valores da cooperação, confiança, qualidade do serviço, transparência, participação interna e humanização do trabalho.”

Porque sabemos que os trabalhadores da administração pública não são contra a avaliação, mas sim contra este sistema de avaliação, o Socialismo Revolucionário apoia a luta por um novo sistema de avaliação, onde chefias e avaliadores sejam escolhidos e objectivos decididos de forma transparente e democrática e onde nenhum trabalhador tenha de se submeter aos caprichos de outrem para ter um trabalho estável e um salário digno.

No entanto, sabemos igualmente que não será apenas com queixas, petições e abaixo-assinados que os trabalhadores da função pública conseguirão rechaçar um sistema de avaliação que instiga trabalhador contra trabalhador, que propicia um clima de medo e de desconfiança, que serve os interesses do privado em detrimento do serviço público! Tal como acontece a luta contra qualquer forma de exploração, a vitória só é possível em aliança com o maior número de sectores da classe trabalhadora e usando os métodos de luta dessa mesma classe, especialmente a greve.

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