Em 2015, o governo de Costa tomou posse num momento em que o capitalismo mostrava sinais de “recuperação” e a economia portuguesa tinha um ligeiro crescimento. Tal crescimento, como sabemos, foi feito sobre espuma económica, atraindo capital especulativo especialmente para o turismo e para o sector imobiliário. Esta conjuntura permitiu algumas medidas cosméticas, mas depois de 4 anos de conciliação de classes com este “governo de esquerda”, os resultados são desastrosos.
Um governo anti-trabalhadores
A mais celebrada de todas as conquistas desta “solução governativa” foi o aumento do salário mínimo.
A subida do salário mínimo não corresponde a um aumento do salário real para a generalidade da classe trabalhadora, não só porque não acompanhou o aumento do custo de vida nas cidades (em particular o aumento das rendas), como também porque se deu simultaneamente com maior precarização e um aumento gigantesco do número de trabalhadores a receber o salário mínimo. Com efeito, o actual estado das relações laborais confere à estatística oficial um carácter particularmente traiçoeiro — há imensos trabalhadores que são “prestadores de serviço” com falsos recibos verdes, e há uma série de manobras de engenharia estatística que ocultam a real condição da classe trabalhadora —, mas é segundo essa mesma estatística que 22,4% de todos os “trabalhadores por conta de outrem” recebe hoje o salário mínimo. São mais de 756.000 trabalhadores a viver com €600, ou seja, a viver em pobreza. Mas mesmo segundo o Instituto Nacional de Estatística — que fixou o limiar da pobreza em €467 —, 21,6% da população vive “em risco de pobreza”.
A verdade é que a austeridade foi agravada e, especialmente neste último ano de mandato, acompanhada de ataques brutais contra o movimento operário.
Para respeitar os limites de défice orçamental impostos pela União Europeia e cumprir os pagamentos da dívida pública, o governo manteve o investimento público a níveis mais baixos do que nos anos da troika, garantindo a degradação da saúde, da educação e dos transportes e constituindo, assim, um rebaixamento do salário social — i.e., tudo aquilo que é garantido aos trabalhadores como resultado dos impostos, o chamado “Estado social”. O mercado imobiliário, por sua vez, foi totalmente liberalizado para gáudio dos especuladores, o que resultou numa tremenda crise de habitação que não é colmatada por nenhuma política séria de habitação social — mantendo-se o investimento público aos níveis já mencionados.
Enquanto isto, a banca privada conta com periódicas “injecções de liquidez” (leia-se transferências de dinheiro público), sempre aprovadas com o apoio da direita parlamentar, assegurando os lucros do capital financeiro. Foram ainda feitas alterações ao código laboral que reforçam a precariedade com medidas como o aumento do período experimental de trabalho de 3 meses para 6 meses. A perseguição sindical, tal como todo o tipo de ilegalidades cometidas pelo patronato, foi promovida pelo governo tão descaradamente como se viu nas greves dos estivadores e dos motoristas de matérias perigosas. Por fim, avançou-se com o mais brutal ataque ao direito à greve desde a Revolução, com a imposição de serviços mínimos (que chegaram a corresponder aos máximos) e a utilização repetida da lei da Requisição Civil contra enfermeiros e camionistas, culminando na ordem de dissolução do sindicato dos motoristas de matérias perigosas depois de uma mobilização do exército e da polícia para furar a greve dos camionistas e servir directamente o lucro das transportadoras privadas e das gasolineiras.
Este é o balanço do governo de Costa: um governo anti-trabalhadores que avança com novas leis de precariedade e, a mando do capital imperialista, esmaga greves recorrendo às forças de repressão e ao exército sem hesitação.
O papel das direcções da esquerda
Durante toda a legislatura, a política adoptada pelas direcções da esquerda foi uma política de conciliação de classes e manutenção da paz social. O vergonhoso papel jogado por estas direcções, por isso, foi o de desmobilizar as lutas, semear ilusões e confusão entre os trabalhadores e a juventude e, em todos os momentos chave, defender o governo contra a classe trabalhadora.
Só no último ano, o PCP e a CGTP atacaram as greves dos estivadores, dos enfermeiros e dos camionistas, participando activamente no ataque ideológico da burguesia e, por isso, na legitimação da imposição de serviços máximos, da requisição civil, em suma, no ataque ao direito à greve… e até aos fundos de greve, considerados uma “subversão da greve”, nas palavras do próprio Jerónimo de Sousa!
Tudo isto é feito pela direcção do PCP depois de 4 anos desastrosos, com um candidato presidencial a defender resgates à banca privada e o pior resultado de sempre em eleições autárquicas — perdendo uma dezena de autarquias — e, recentemente, de surgir nas sondagens com aquele que ameaça ser igualmente o seu pior resultado em eleições legislativas. Sucintamente, com a actual política de guarda-costas do governo PS, a direcção do PCP não faz menos do que militar para a liquidação do seu próprio partido.
E a direcção do BE, que se gaba de dirigir “a terceira maior força política” eleitoralmente, preserva uma imagem progressista durante a onda de greves que atravessamos acima de tudo precisamente devido à sua debilidade no movimento operário. O “partido movimento” apresenta-se como o representante da luta feminista, anti-racista, LGBT, ecologista, etc., aos olhos da juventude e contrastando com o conservadorismo e provincianismo do PCP, mas o que ficou demonstrado na Autoeuropa, com António Chora e a sua clique de sindicalistas amarelos a caluniar os operários e a sabotar a greve, é que a direcção do BE teve exactamente a mesma política que a direcção do PCP quando foi necessário defender a estabilidade do governo contra os interesses mais elementares da classe trabalhadora.
Mas mesmo para o BE, a continuação desta política desastrosa só pode resultar num fracasso completo. Prosseguir a conciliação de classes é, em última análise, tentar manietar a classe trabalhadora e, a prazo, abrir espaço à extrema-direita.
A nova recessão e a reorganização das classes
Estas eleições acontecem à porta de um nova recessão mundial que terá um impacto quase imediato na economia portuguesa. A resposta da classe dominante só poderá ser uma: austeridade. Essa será a única política permitida aos partidos dirigidos pela burguesia, entre os quais está o PS.
Ainda além das transformações na economia, também a luta do proletariado internacional — inflamada da Argentina à Argélia, do Sudão a Hong Kong — influirá necessariamente na luta dos trabalhadores e da juventude em Portugal.
Este é o pano de fundo destas eleições, um período de revolução e contra-revolução à escala internacional, que em Portugal se traduz já nos primeiros passos de uma reorganização do movimento operário e significará, com a chegada da nova recessão, um ascenso da luta de classes e um processo de reorganização da esquerda que não deixará pedra sobre pedra.
A reorganização do nosso campo, claro está, será espelhada pelo campo inimigo. A direita está destroçada, momentaneamente, porque não tem alternativa à política do PS — a burguesia está satisfeita com a “geringonça”. Costa demonstrou ser capaz de garantir o processo de acumulação de capital, reprimindo greves se necessário, e ainda de servir-se do PCP, do BE e mesmo da CGTP para escudar o seu flanco esquerdo.
No entanto, os esforços de recomposição política da direita e as tentativas de erguer forças de extrema-direita não serão frustrados indeterminadamente. A recessão abrirá enormes oportunidades para os sectores mais reaccionários. O PS, que tão bem serviu a burguesia nestes anos de crescimento económico, será completamente inútil aos capitalistas quando se vir obrigado a corroer a sua própria base social com uma onda de austeridade.
Há que construir uma alternativa verdadeiramente socialista ao governo do PS!
Os trabalhadores e a juventude demonstram vez após vez ter tirado a conclusão acertada dos últimos anos: ninguém resolve os nossos problemas por nós, só a luta contra o capital conquista mudanças. O mínimo que se exige de partidos de esquerda é que se constituam como ferramentas ao serviço dos explorados e que dêem expressão organizativa a esta conclusão, à crescente agitação e combatividade das massas.
Uma frente unida da esquerda, com um programa socialista de oposição intransigente a todas as políticas reaccionárias do PS, é, neste momento, a melhor forma de realmente avançar. Uma frente que funcione não só como uma alternativa de governo — um governo dos trabalhadores — mas, acima de tudo, que apresente uma alternativa revolucionária ao capitalismo, fortalecendo a organização da classe trabalhadora e da juventude nas ruas, nas escolas, nos locais de trabalho — ao invés de cavalgar a luta para conquistar posições no parlamento e restantes órgãos da democracia burguesa.
O momento é de unificar as inumeráveis greves e movimentos e traçar um plano de luta em defesa do direito à greve, contra a lei da requisição civil, contra as leis de isenção de horário e todas as alterações ao código laboral que precarizaram o trabalho na última década!
Há que levantar um programa que conecte directamente com as aspirações dos trabalhadores e da juventude, condenados à precariedade, salários de miséria e degradação geral das condições de vida — 35 horas de trabalho semanal para todos, contratação colectiva, salário mínimo de €900 euros, e igualmente um plano de habitação social, o fim da “lei Cristas”, o investimento público massivo na Educação e na Saúde, a nacionalização da banca, da energia, dos transportes e de todos os sectores chave da economia. E há que realizar isto recorrendo a todas as formas de luta da classe trabalhadora.
Se, pelo contrário, as direcções da esquerda e do movimento operário “tradicional” continuarem com o papel de defensoras da paz social — ou buscarem até negociar com o PS para obter pastas ministeriais —, então estarão a reafirmar-se como um obstáculo à luta da classe trabalhadora no período a ser aberto pela nova recessão mundial. E todos os obstáculos no caminho dos trabalhadores e da juventude serão demolidos.
Está na hora da organização e da luta!