O Socialismo Revolucionário envolveu-se activamente nas campanhas do Bloco de Esquerda para as eleições autárquicas de dia 1 de Outubro. Uma campanha eleitoral deve ser uma oportunidade para os revolucionários contactarem a classe trabalhadora, apresentarem o seu programa e mobilizarem o maior número de trabalhadores para a luta e não apenas para as urnas. Esta é uma das tarefas às quais os militantes do SR dedicam as suas forças actualmente, levando a campanha, nas freguesias onde actuam, muito para lá dos limites da democracia burguesa.
As limitações do eleitoralismo
As críticas que temos ao actual programa do BE têm sido expostas a cada novo número d’A Centelha, e o envolvimento do SR nesta campanha não as diminui. Pelo contrário, a forma como a campanha tem sido conduzida pela direcção do BE só demonstra a justeza das nossas críticas à abordagem estritamente eleitoralista que as direcções da esquerda adoptam. Os erros cometidos durante os acordos de formação de um governo PS, em 2015, estão a ser repetidos consecutivamente!
Em primeiro lugar, o BE e o PCP continuam, apesar de terem essencialmente o mesmo programa, incapazes de se coligar para as autarquias. Em Lisboa, uma lista unitária da esquerda seria a única forma de derrotar eleitoralmente Fernando Medina e as suas políticas neoliberais para a cidade.
Em segundo lugar, ambos os partidos mantêm os seus militantes longe das decisões da campanha. O caso do BE é especialmente grave, porque a inexistência de órgãos de base traduz-se num bloqueio da participação de base na construção da campanha. Centenas de jovens que se juntaram ao partido nos últimos dois anos são deixados de lado durante todo o processo, e têm como única tarefa votar no seu próprio partido.
Por fim, também a mobilização da classe trabalhadora foi completamente abandonada. Estes partidos de esquerda suspendem toda a luta durante as suas campanhas e não só abdicam quase na totalidade dos métodos mais importantes de campanha — colocar os seus militantes em contacto directo com a classe trabalhadora nas ruas, nos locais de trabalho, nas escolas e nos bairros, porta-a-porta — como abdicam até mesmo de fazer do seu programa político o centro da campanha. Em vez disso, ambos os partidos gastam rios de dinheiro em material de campanha com chavões vazios como “honestidade” ou “transparência”, diluindo a política em sorrisos e imagens que, longe de mostrar a diferença política fundamental entre a esquerda e a direita, conseguem apenas confundir os trabalhadores.
Um partido que se queira dos explorados e oprimidos nunca pode procurar outra força que não a dos explorados e oprimidos, nunca pode rebaixar a sua política a marketing, nunca pode apresentar meias-medidas com receio de perder votos entre as camadas médias. Um exemplo deste tipo de concessões é a posição recuada do BE em relação à habitação. O SR apoia a bolsa municipal de arrendamento proposta pela actual direcção do BE, mas é evidente que isto não passa de uma meia-medida. A direcção do partido, fazendo concessões à classe proprietária (neste caso, aos senhorios), continua a opor-se ao controlo das rendas e deixa intocado o grande capital imobiliário e especulativo. Assim é impossível pôr fim aos despejos de famílias. E para que serve um programa para a habitação se não tem uma solução para os despejos?
Semelhantes exemplos de concessões e recuos poderiam ser dados em relação a qualquer outro aspecto dos programas, mesmo no tocante ao trabalho e à precariedade. A participação nestas eleições, como a participação em quaisquer eleições em capitalismo, deve ser feita com o objectivo de fortalecer as organizações dos trabalhadores — são os trabalhadores organizados que, através de vários tipos de protestos, de greves, de ocupações e de todas as formas que a luta de classes adopta, conseguem realmente derrotar o grande capital e o seu sistema. O programa de um partido de esquerda nunca pode ser simplesmente um programa eleitoral, mas sim um programa de luta — um programa que sirva para mobilizar e organizar os trabalhadores à volta de objectivos claros como o fim absoluto do trabalho precário e das empresas de trabalho temporário, o controlo das rendas e o fim dos despejos, a nacionalização dos transportes e a sua colocação sob controlo de organizações de trabalhadores e utentes. As concessões programáticas e a substituição da política pelo marketing são a via mais segura para a derrota.
Quando a classe dominante avançar para retirar mais direitos a quem trabalha e para aplicar mais austeridade — leia-se mais roubos — nenhuma quantidade de assentos parlamentares ou autarquias fará qualquer diferença caso a classe trabalhadora não esteja fortemente organizada e preparada para lutar fora dos órgãos e instituições deste sistema.
O abstencionismo dos esquerdistas
As críticas políticas que os militantes do SR fazem de forma aberta já lhes têm valido ataques e até expulsões do Bloco de Esquerda. Com a participação nestas campanhas autárquicas, no entanto, o SR não é atacado apenas pela sua direita, mas também pelos que afirmam estar à sua esquerda.
A esquerda portuguesa já conheceu vários grupos de esquerdistas que se formam e dissolvem a um ritmo quase anual. Os que hoje se encontram activos acusam-nos de estar a participar em eleições inúteis e corruptas, de compactuar com o capitalismo, entre outras generalidades.
Achamos importante responder brevemente a estas acusações não porque estes grupos tenham alguma relevância na luta de classes — não a têm nem poderão tê-la com os erros que cometem — mas antes porque o seu discurso é um eco da raiva que de facto existe em várias camadas da classe trabalhadora.
O eleitoralismo que acima foi exposto e que é seguido pelas actuais direcções não passa despercebido aos trabalhadores, e a desilusão após quatro décadas de democracia burguesa manifesta-se sob a forma de apatia, especialmente entre as camadas mais desmoralizadas, desorganizadas e despolitizadas da nossa classe. “Eles são todos iguais!” — é o sentimento entre estas camadas.
Ora, estas camadas mais apáticas da classe trabalhadora não poderão ser arrancadas dessa apatia a não ser pelas vitórias dos seus companheiros de classe organizados em colectivos, comissões de trabalhadores, comissões de moradores, sindicatos e partidos. Não existe nenhum atalho para chegar até elas, não existe nenhuma alquimia que transmute a sua abstenção e os seus preconceitos contra “a política” em luta política.
Os revolucionários perante as ilusões reformistas
Mas entre os trabalhadores e estudantes mais jovens que despertam agora para a política — tantas vezes injustamente acusados de indiferença e apatia —, o cenário é outro. Como demonstrou o período desde as eleições legislativas, buscando uma arma para a sua emancipação, muitos jovens recorrem primeiramente à social-democracia do BE e do PCP. Foi assim na Grécia com Tsipras, é assim no Reino Unido com Corbyn, em França com Mélenchon e nos EUA com Sanders; quando os reformistas ousam apresentar um programa anti-austeritário claro, vastas camadas da classe trabalhadora entram em movimento para defender e testar esse programa na prática, e a juventude mostra a sua vitalidade.
Não nos cabe atacar quem procura soluções no reformismo, e seria uma absurdez acreditar que as nossas palavras bastam para mostrar à classe trabalhadora a necessidade de uma revolução social — tal posição corresponde ao idealismo mais ingénuo. A nova geração de trabalhadores que se ergue para pôr fim aos ataques do capital não vai saltar imediatamente para conclusões revolucionárias porque leu as epístolas ou ouviu os sermões de esquerdistas desconhecidos; a classe precisa de testar o reformismo e de conhecer a sua força pela experiência. A tarefa que se nos impõe enquanto revolucionários é a de acompanhar os trabalhadores nesta experiência, marchar lado-a-lado com todos os que resistem aos ataques dos capitalistas e trazer sempre connosco as ideias do socialismo para demonstrar a insuficiência dos programas reformistas na luta.