Enquanto em França continuam os protestos contra a reforma nas pensões e, de uma forma mais ampla, contra o Governo de Macron e o sistema capitalista, Portugal vive um clima de greves e de protestos com a participação de milhares de pessoas que já não vivíamos desde os anos da troika. As razões para estas ondas de protestos, a nível mundial, acabam por ter uma base comum: tornou-se incomportável a vida em capitalismo.
Não temos casas para viver, e as que temos não têm condições. A inflação para maximizar o lucro a curto prazo reduziu drasticamente o poder de compra da classe trabalhadora e dificulta cada vez mais a compra de produtos básicos como a alimentação. O SNS, uma das principais construções da classe trabalhadora na revolução de 1974, tem dificuldades em se manter à tona, e cada vez mais famílias são forçadas a usar seguros de saúde privados para ter acesso a cuidados de saúde especializados, muito difíceis de aceder no sistema público. As condições de trabalho são tão precárias e tão insuficientes para a sobrevivência da nossa classe que toda uma nova geração começa a questionar o porquê de nos subjugarmos a este sistema — e com razão.
Como se não bastasse, a banca, endividada, ameaça desmoronar novamente, arrastando-nos para uma nova crise capitalista. A comunicação social burguesa, principalmente depois da queda do banco Crédit Suisse, não tardou em tranquilizar que não estamos perante mais uma crise como a de 2008, que a lição foi aprendida e as medidas impostas no período posterior estão a ser seguidas. E em parte têm razão, não estamos em 2008, estamos à beira de uma crise muito maior.
A crise capitalista em Portugal
Ainda que o Governo PS se congratule com o peso das exportações no PIB — 49% segundo o Ministro da Economia — a verdade é que Portugal apresenta a quinta pior balança comercial da União Europeia. Fernando Medina pode apresentar os powerpoints que quiser: a economia portuguesa é muito frágil e fortemente dependente de factores externos.
De facto, o turismo compreende hoje, em conjunto com o imobiliário, cerca de 40% do PIB português e encontra-se, na sua grande maioria, nas mãos da Banca ou grandes multinacionais que controlam completamente o mercado. O turismo é um sector intensivo em mão-de-obra e que, apesar da precariedade e rotatividade dos empregos no sector, tem conseguido contribuir para que a taxa de desemprego se mantenha baixa — dados que o Governo usa e abusa para mascarar a realidade. Mas nada disto é estável, antes pelo contrário.
Como já aconteceu na crise de 2008, os capitalistas vão explorar qualquer via existente para evitar o seu desastre económico iminente, sugando os recursos públicos até à medula e transferindo o peso da crise que eles próprios criaram para os ombros da classe trabalhadora. A quantidade de capital fictício é avassaladora, a tal ponto que as próprias instituições do capitalismo mundial não conseguem prever o real impacto da atual bolha especulativa. É impossível determinar exatamente quando é que estas bolhas especulativas irão rebentar em Portugal. Mas, tal como aconteceu em 2008, estas irão rebentar e com uma brutalidade inaudita para a nossa classe.
As mentiras do Governo Costa já não convencem ninguém
Principalmente depois do período pandémico o Governo PS tem tentado manter uma imagem progressista e competente. Quer dar a crer com as medidas que passa que os resultados positivos em indicadores como o crescimento económico e o desemprego são devido unicamente às suas políticas, quando são simplesmente consequências da posição de Portugal na economia mundial. Já os maus resultados, esses são culpa da inflação e da guerra na Ucrânia.
Além do plano para a habitação, apresentou recentemente um pacote de medidas que altera o código laboral, já na sua 23ª alteração desde 2009. Apesar das 150 alterações propostas, as melhorias reais para a classe trabalhadora são praticamente inexistentes. A medida que se pode dizer mais positiva é o alargamento para 24 dias de salário de compensação no caso de cessação de contratos a termo. Muito aquém dos 30 dias a que tínhamos direito antes dos pacotes de austeridade do governo PSD-CDS. De resto, o pacote anuncia mais direitos para as actividades menos fiscalizadas, como entregadores de comida e trabalhadoras domésticas, mas não toca nos factores concretos que de facto dão melhores condições a estes e outros trabalhadores: maior salário, menor horário e regulado, fim dos contratos precários.
E aqui está o cerne da questão: apesar de Costa fugir da palavra austeridade é exatamente isso que temos vivido desde 2015. A condições de vida pioraram, todas as medidas implementadas desde a última crise não foram revertidas, os “aumentos” salariais foram engolidos pela inflação, trabalhamos mais horas do que há 20 anos, reformamo-nos mais tarde, temos mais instabilidade no trabalho, principalmente as novas gerações. Com a agravante agora do colapso dos serviços públicos. Na última década o Governo, a cada novo orçamento, promete um aumento do investimento público que nunca cumpre. Em 2022 prometia um crescimento de 38,1% quando na verdade só foi de 18%.
Com o avançar da crise capitalista, a progressiva perda de autoridade e credibilidade do Governo PS será uma inevitabilidade. A velocidade desse processo dependerá obviamente de vários fatores. Por um lado, a grande burguesia não podia estar mais contente com António Costa: nunca houve tantos milionários nem tantos lucros como no último ano. A Banca, a Galp, a EDP, os hipermercados encheram os bolsos à custa do nosso sofrimento, faturando milhares de milhões de euros. Mas por outro lado, o programa inconsequente do Governo — veja-se a medida sobre o IVA cujo efeito sobre o preço dos alimentos é nulo — perante esta crise avassaladora abrirá as portas à direita e à extrema-direita, que têm vindo a crescer principalmente entre a pequena-burguesia e alguns sectores mais miseráveis da classe trabalhadora.
A esquerda reformista e a CGTP também tiveram o seu papel na manutenção dos alicerces do Governo. Não denunciaram quer durante a geringonça quer durante a pandemia a austeridade que se mantinha escolhendo, pelo contrário, manter a paz social e conter ao máximo qualquer indignação por parte da classe trabalhadora. Isto resultou numa perda de autoridade perante a classe trabalhadora que se refletiu nos resultados eleitorais, principalmente no caso do PCP. A esquerda reformista e a CGTP continuam ainda com a mesma escolha pela frente: continuar pela via da paz social e parlamentarista, ou ir para as ruas, organizando a nossa classe contra a austeridade e a crise capitalista.
Existe um factor extra que, se posto em marcha, é absolutamente determinante para nós, marxistas: a classe trabalhadora. Conforme estamos a ver em França, a força da classe trabalhadora organizada e mobilizada aos milhões consegue mandar pelos ares a agenda política da burguesia, a aparente força da extrema-direita e redefinir o quotidiano político num par de semanas.
A luta de classes em Portugal acirra-se
E a classe trabalhadora de uma forma ou outra, com ou sem CGTP, PCP e BE, irá mexer-se e manifestar a sua raiva contra os seus opressores. Temos visto centenas de greves a nível local ou por sector, muitas destas partindo não das lideranças burocráticas, mas das bases dos sindicatos. Em Janeiro, o Ministério do Trabalho e a Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público receberam 309 pré-avisos de greve, um número três vezes superior aos 91 recebidos em Janeiro de 2022. E mais se podem esperar nos próximos meses. Tal é a indignação geral que as greves têm agora uma aprovação de 87% da população!
Entre estas a luta dos trabalhadores da CP tem-se destacado. A CP estima chegar ao final deste ano com um efetivo total de 4351 trabalhadores, menos 1453 que os 5804 que empregava em 2009. Só na parte do transporte de passageiros deverão ser reduzidos 688 postos de trabalho. Isto num momento em que a procura de transportes públicos tem aumentado! Temos em particular a luta dos trabalhadores dos bares dos comboios de longo curso da CP, que eram operados por uma empresa privada, a Apeadeiro 2020, que deixou de pagar o salário aos seus trabalhadores há mais de três meses. Isto levou a uma greve que decorre há mais de um mês, estando desde então os trabalhadores acampados na estação de Sta. Apolónia, em Lisboa, em protesto. A CP tem de contratar direta e imediatamente estes e todos os trabalhadores de que necessita e livrar-se de uma vez desta empresas privadas que se vão revezando para fazer lucro rápido com as miseráveis condições de trabalho a que submetem os trabalhadores.
Também na TAP, na saúde e na educação vemos um aumento da combatividade. É verdade que mais recentemente a desmobilização promovida pelas burocracias sindicais fez com que os protestos dos professores tenham readquirido um caráter mais local, mas o mais provável é que o aumento dos protestos e greves, com cada vez mais pessoas a saírem à rua, volte a injetar energia nestes movimentos e que a pressão das bases ultrapasse novamente as burocracias sindicais.
Neste momento a CGTP vai deixando sair um pouco desta pressão que se tem vindo a acumular através de greves por sector ou local de trabalho. Mas, como mencionámos, em breve isto não será suficiente. A classe trabalhadora não se irá contentar com o mínimo permitido pela sua atual liderança. É urgente unir as dezenas de lutas em curso numa greve geral construída pela base que coloque em causa a política de miséria a que os capitalistas e o seu Governo nos querem condenar.
Exigimos o fim dos contratos precários, horário semanal de 30h para todos, 1200€ de SMN e pensão mínima. Exigimos um investimento público massivo na saúde e educação. Exigimos a nacionalização sob controlo dos seus trabalhadores dos principais sectores da economia e das grandes empresas de energia, alimentação e distribuição para efetivar o controlo dos preços dos bens essenciais. Para financiar estas medidas é necessário ainda a nacionalização da Banca com gestão democrática. Sabemos que estas medidas nos farão chocar de frente com toda a ordem capitalista instalada. Mas se essa ordem não nos serve então temos de a derrubar!
É a hora da organização e da luta!
Junta-te à Esquerda Revolucionária!