As eleições legislativas do próximo dia 10 de Março serão um marco importante na política em Portugal.
Será o ponto final do período de governação de António Costa que durou quase uma década. A continuidade do PS à frente do governo nacional está encostada às cordas, existindo assim uma possibilidade real dum governo de direita porventura conjuntamente com a extrema-direita.
As sondagens antecipam um crescimento eleitoral exponencial da extrema-direita, com a previsão do Chega, pelo menos, duplicar a votação das últimas legislativas de janeiro de 2022, nas quais obteve 7,4% dos votos. Isto poderá resultar numa bancada parlamentar de 35 a 50 fascistas de boca cheia. Numa data à beira das celebrações dos 50 anos da Revolução Portuguesa de 1974.
Este período pré-eleitoral está a ser pautado pelo acirrar da ofensiva reacionária em várias frentes. A violência racista, xenófoba e LGBTIfóbica dispara. Estes crimes (registados) aumentaram 38% no último ano.
Foi convocada uma marcha por neo-nazis para perseguir e amedrontar imigrantes pobres e trabalhadores, maioritariamente sul-asiáticos, pelo bairro da Mouraria em Lisboa — a zona de maior concentração de comércio e de população imigrante e não-branca na cidade. A ação imediata de várias organizações de esquerda com uma contra-manifestação no bairro impediu que este crime acontecesse. Apesar disso, com apoio e escolta da polícia, dezenas de neo-nazis desfilaram pela Baixa de Lisboa entoando ataques contra imigrantes.
O Congresso do Chega altamente propagandeado através do apoio dos media burgueses, no qual se vociferou em barda a demagogia mais reacionária e neo-fascista cada vez mais desavergonhada. Agitando o programa e bandeira da trilogia salazarista: Deus, Pátria e Família. O forrobodó da extrema-direita teve tudo: um membro que antes de discursar se apresentou como «sou um homem, sou pai de família, sou avô, sou fascista», a apologia ao patriotismo e ao colonialismo português, o atiçar da pequena-burguesia e trabalhadores brancos contra trabalhadores não-brancos e imigrantes, a defesa da família patriarcal, o ataque aos direitos das mulheres e pessoas LGBTI+ e às ativistas e organizações de esquerda.
Na frente mais institucional tivemos o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a não promulgar a nova legislação que avançava com o direito à autodeterminação e à expressão de género nas escolas. Com certeza, expectante que um provável futuro governo de direita trave de vez estes avanços e conquistas da e para a juventude LGBTI+.
Qual a razão do crescimento eleitoral da extrema-direita?
O Chega foi oficialmente criado apenas em 2019 e entrou pela primeira vez no Parlamento nesse mesmo ano com 1 deputado e 1,3% dos votos. Em 2022, alcançou 7,3% e 12 deputados. As sondagens ao dia de hoje indicam um resultado entre 15% e 17%.
A queda do último governo de António Costa e o crescimento da extrema-direita e da sua ofensiva não estão de forma alguma desconectadas e dão-se num contexto económico, social e político concreto.
Numa altura em que vemos uma nova crise económica que se consolida a cada dia com o empobrecimento da classe trabalhadora e em alguns setores das camadas médias e com as desigualdades sociais são cada vez mais visíveis. Presenciamos também uma crise política em que o descrédito das instituições burguesas, a desconfiança da democracia parlamentar em várias camadas da sociedade se aprofundam assim como a instabilidade governativa.
No início deste ano, nenhuma das lideranças dos governos em Portugal — Central, Regional dos Açores e Regional da Madeira — estava de pé. António Costa demitiu-se no início de novembro por causa do escândalo de corrupção no seio do seu governo. No final desse mesmo mês, José Manuel Bolieiro (PSD) nos Açores vê o Orçamento Regional chumbado com o fim da sua coligação de governo com toda a direita e extrema-direita. Em janeiro, caiu Miguel Albuquerque (PSD) na Madeira também com o estalar dum escândalo de corrupção.
Para entender a razão do crescimento da extrema-direita, é necessário identificar primeiro quem é a maioria da sua base social.
Tradicionalmente a pequena-burguesia, tanto urbana como rural, eram uma base sólida da direita conservadora. Mas agora estão a voltar-se para a extrema-direita.
Estas camadas médias estão abaladas pela instabilidade política e pela perda das velhas certezas do seu estatuto social e dos seus privilégios. Estas camadas lutam para não ficarem para trás num momento de crise generalizada. Não há dúvida de que as camadas médias que empobreceram estão furiosas e culpam a política e o sistema pela sua queda. Por outro lado, há uma camada de pequeno-burgueses nas grandes cidades que estão a encher os bolsos com o empobrecimento geral, e fazem-no graças à especulação imobiliária e ao crescimento do turismo com base na superexploração de trabalhadores imigrantes e na agricultura intensiva em situação de semi-escravatura.
O milagre económico liderado por António Costa na última década de “sucesso” atrás de “sucesso” de taxas de crescimento anual do PIB nacional de 2%-3%, tão destacada pela União Europeia, tem sobre si a precariedade laboral e os salários miseráveis. São condições de trabalho e de vida abusivas e indignas, sobretudo dos imigrantes, que estão por trás deste brilhante crescimento económico. E este milagre que consolida o contexto no qual se pode dar e dá o crescimento da extrema-direita.
Os dados do último relatório de ”Quadros de Pessoal” do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social mostram como os negócios de milhentos de pequenos e grandes empresários vivem da exploração de trabalhadores imigrantes. Lares de idosos, restaurantes, hotéis, estufas, obras… 44% do trabalho não qualificado na agricultura, pecuária e pesca é garantido por imigrantes. Um terço das cozinhas é ocupada por imigrantes. Metade dos estafetas entregadores de comida são imigrantes. Nas limpezas um quinto. Nos lares metade.
O Chega cavalga no discurso racista e xenófobo para falar ao ouvido da pequena-burguesia e também da fina camada mais politicamente atrasada da classe trabalhadora. A radicalização deste discurso dá resposta direta aos seus anseios.
André Ventura não está fora do sistema e muito menos é anti-sistema. Os seus irmãos e irmãs pelo mundo mostram isso mesmo. Bolsonaro, Trump, Meloni, Milei…
Por tudo isto, um sector importante da burguesia nacional aposta no Chega e no seu crescimento como uma ferramenta para manter o controlo do sistema. Todo o destaque dos media burgueses e o financiamento que está a receber refletem isso. Assim como as saídas de dirigentes do PSD e da IL para as fileiras do Chega.
Contudo, a classe dominante não entra na luta com um esquema acabado; ajusta-o em função da profundidade da crise e do desenvolvimento específico dos acontecimentos: as mudanças repentinas na situação nacional e internacional, a sua capacidade de manter o controlo e conter as massas através de partidos tradicionais e líderes reformistas, etc.
Outra solução para a burguesia é a manobra do discurso social-democrata para retardar e conter a explosão social da juventude e dos trabalhadores. Por isso, Pedro Nuno Santos e o PS é outro dos principais trunfos da burguesia.
As eleições foram marcadas tão tardiamente para março para que o PS tivesse tempo de se reagrupar e eleger um novo líder, revelando assim também a falta de confiança da burguesia no PSD e na liderança de Luís Montenegro.
E Pedro Nuno tem passado nos testes da burguesia. Fez o feito de unir e conciliar o PS sobre si em poucos dias, num momento em que o PS podia ter entrado em crise. Conseguiu alcançar o apoio da ala mais à direita do partido, representada por Francisco Assis, que é cabeça de lista no Porto, e não isolar a ala de António Costa, mantendo as principais figuras costistas como cabeças de lista em vários distritos, assim como José Luís Carneiro, o seu adversário nas primárias internas. Fala diretamente para a classe trabalhadora e sobre as suas maiores dores: os salários, a habitação e os serviços públicos. Apesar de ter recuado o seu discurso mais de esquerda no período pré-eleitoral. E ataca de frente a direita e o racismo e xenofobia do Chega.
Este posicionamento de Pedro Nuno e o medo generalizado entre diferentes camadas da classe trabalhadora da eleição de um governo reacionário que inclua a extrema-direita pode concentrar sobre si o voto generalizado à esquerda e captar também para si parte da base eleitoral do BE e do PCP.
Contudo, o programa político de Pedro Nuno não é novo e não é alternativa. É puramente social-democrata. O seu quase slogan de ser o neto do sapateiro e o filho do empresário é a síntese do seu propósito, a conciliação de classes.
Apesar das dificuldades que o PS enfrentou internamente como no governo — tanto as políticas de austeridade como os múltiplos escândalos de corrupção —, as sondagens recentes continuam a colocar o PSD muito colado ao PS nas intenções de voto. E sem um crescimento significativo face aos resultados da última década. Nem mesmo a tática desesperada de Luís Montenegro com formação da coligação Aliança Democrática em conjunto com o CDS e o Partido Monárquico — partidos sem representação parlamentar — para mostrar uma direita unida e com os antigos partidos que agregavam a pequena-burguesia mais reacionária está a resultar. O PSD tem estado em crise nos últimos anos. Parte do seu espaço político foi ocupado pela viragem à direita do PS. Outra parte foi ocupada pelo Chega, que ganhou a sua base social mais reacionária com a polarização social. Novamente, as saídas de dirigente do PSD para o Chega refletem isso mesmo e a desconfiança face à atual liderança.
Quais foram os resultados da Geringonça?
Do lado da classe trabalhadora a pobreza está a ser galopante e insuportável. Segundo dados de 2022 do INE, em Portugal, 17% da população tenta viver com menos de 591€, ou seja, cerca de 2 milhões de pessoas vivem com um rendimento, pelo menos, 30% mais baixo que o salário mínimo nacional (SMN). A percentagem real de pobreza é claramente bastante superior, quando nem com o SMN atual de 820€ é possível viver. A população sem-abrigo aumentou 78% nos últimos 4 anos, sendo que a maioria são imigrantes. Não é surpreendente, quando, por exemplo, em Lisboa o preço médio de uma renda equivale a quase dois SMN.
A alimentar ainda mais a situação de miséria e dificuldade de acesso à habitação, o Orçamento de Estado (OE) aprovado pelo PS (com a ajuda de Marcelo) incluiu um aumento das rendas em cerca de 7%, a partir do início deste ano. Este orçamento de Estado foi de terror contra a classe trabalhadora. Além disto, os serviços e infraestruturas estão em ruptura e as medidas do OE vão continuar a aprofundar este desastre, em particular, para o Serviço Nacional de Saúde que está em falência.
Mariana Mortágua e Paulo Raimundo insistem na mensagem da fulcralidade da política levada a cabo pelo BE e pelo PCP, respetivamente, para os “avanços” nas condições de vida da classe trabalhadora e o crescimento da economia durante os primeiros governos de António Costa que contavam com o apoio parlamentar dos seus partidos. A realidade social da juventude e trabalhadores choca de frente com a fantasia idealizada pelas direções destes partidos de esquerda que tentam justificar as decisões políticas erradas de paz social durante a última década. Não houve qualquer avanço significativo nas nossas condições de vida!
As suas políticas e táticas foram incorretas e fracassaram. A classe trabalhadora quando foi às urnas em janeiro de 2022 para eleger um novo parlamento passou esta mesma mensagem face à linha seguida por estas direções. O histórico eleitoral do BE e do PCP na última década é revelador disso mesmo.
Em 2015, após os anos de brutal austeridade da troika levada a cabo pelo governo de coligação do PSD com o CDS, o BE obteve 10,2% dos votos, um dos seus melhores resultados de sempre. Em 2019, após o primeiro mandato da geringonça, obteve 9,5%. Em 2022, teve uma queda brutal para 4,4%. Passou de 19 deputados a 5 deputados. As sondagens neste momento indicam um resultado entre 7% e 8%.
O caso do PCP foi ainda mais desastroso. Em 2015, o PCP obteve 8,3% dos votos. Em 2019, 6,3%. Em 2022, 4,3%. Passando de 15 deputados para 6 deputados. As sondagens ao dia de hoje indicam um resultado entre 2% e 3%.
A paz social, com a desmobilização das ruas e as manobras parlamentares, levada a cabo direções do BE, PCP e CGTP neste período permitiram encobrir as políticas capitalistas do governo de António Costa e serviram também para fortalecer a extrema-direita.
O único cordão sanitário é a luta de classes
Os comunistas revolucionários não desprezam as eleições, mas entendemos que nenhuma transformação social profunda virá de um Parlamento ou de um Governo que aceite as regras capitalistas.
Obviamente temos que nos mobilizar para barrar a extrema-direita e a reação nestas eleições. Não podemos facilitar o seu avanço em campo algum, inclusive nas urnas. A abstenção fará avançar e dará confiança a estes fascistas. Não é indiferente se governa PSD/Chega ou se governa a esquerda parlamentar. Não podemos dizer que os reacionários e os reformistas são iguais. Portanto, o voto nestas eleições tem de ser muito criticamente na esquerda parlamentar. Este voto não é de forma alguma um cheque em branco, é um voto para golpear os fascistas.
Se a direita chegar novamente ao governo, a sua ofensiva generalizada contra a classe trabalhadora e particularmente as mulheres, as pessoas LGBTI+, imigrantes, negras e não-brancas se irá intensificar. Todos os avanços legislativos e institucionais que conquistámos serão derrubados e serão inúteis para a deter. Como assistimos mundo afora, EUA, Itália, Argentina...
A política de estabilidade e responsabilidade face ao capitalismo e às instituições da democracia burguesa, levada a cabo pelas direções da esquerda reformista parlamentar, no período de António Costa, mostram como esta é uma tática que falhou redondamente. A nossa condição de vida é uma miséria e está espalhada por cada recanto dos nossos bairros. O fortalecimento e perigo das forças da reação não é uma ilusão ou ficção distópica, é uma realidade.
É necessário a clareza que não podemos dar qualquer descanso aos capitalistas e à direita, mais ou menos fascista. Nem mais um passo atrás! Para isso, precisamos de um sindicalismo de combate, de um feminismo de classe e revolucionário e de um antirracismo e antifascismo que choque de frente com o sistema capitalista.
As direções PCP e do BE têm aqui uma nova oportunidade para corrigir os seus erros. A esquerda deve defender um programa que dê soluções aos problemas críticos da vida quotidiana de milhões de famílias da classe trabalhadora e, em segundo lugar, realizá-lo através da luta nas ruas, contando com os movimentos sociais e de bairro, na acção de trabalhadores e jovens de forma contundente.
O único caminho realista para a resolução dos nossos problemas, da nossa opressão é o absoluto poder da classe trabalhadora. É a defesa dum programa socialista que acabe com a propriedade capitalista, que exproprie os grandes monopólios e os bancos. Colocando desta forma todos os recursos da sociedade à nossa disposição para pôr fim à pobreza e fome da nossa classe que é a maioria da sociedade, que acabe com a ausência dum tecto e dum espaço privado, ou de cuidados de saúde básicos, incluindo mentais, para que dê acesso ao ócio e ao prazer e para que possamos salvar o planeta da destruição.
Mais do que nunca é o momento de organização e luta. Junta-te à Esquerda Revolucionária!