A política externa é sempre uma continuação da política interna

Desde o início da invasão russa da Ucrânia, o governo está a reafirmar os seus verdadeiros princípios no respeitante a conflitos entre as grandes potências. Virando as costas aos trabalhadores e jovens, à história de luta contra as guerras imperialistas, Costa e o seu executivo não têm feito mais do que repetir as mentiras do imperialismo estado-unidense, da UE e da NATO, tentando livrar-se de qualquer responsabilidade pela guerra na Ucrânia.

Evidentemente, a intervenção militar de Putin na Ucrânia não tem nada de progressista, serve unicamente as ambições imperialistas da burguesia russa. Mas apontar essas ambições imperialistas não pode servir para esconder as mesmas ambições do bloco ocidental. Seria um absurdo fechar os olhos ao inquestionável facto de que a política dirigida por Washington desde o colapso da URSS é o factor fundamental no desencadeamento desta guerra.

Quando vemos a determinação dos EUA em alargar a NATO até às fronteiras russas, comprometendo decisivamente a capacidade defensiva do país e cercando-o de Estados hostis com bases militares estado-unidenses e equipamento militar de última geração; a utilização da Ucrânia como plataforma para manobras agressivas, com o financiamento e armamento dos bandos fascistas que se incrustam no aparelho de Estado ucraniano — antes de mais no exército e na polícia; a formação de um governo títere na Ucrânia para preparar a entrada do país na NATO, ignorando as repetidas exigências da Rússia para que se criasse um espaço desmilitarizado na região… é por demais claro que os EUA e os seus aliados são tudo menos inocentes.

Como marxistas, como comunistas revolucionários, dizemos sem qualquer ambiguidade que a guerra é reacionária dos dois lados, que as suas consequências serão pagas duramente pelo povo ucraniano, pelo povo russo e pelos trabalhadores e juventude de todo o mundo. Precisamente por isto, é fundamental que não nos deixemos enganar pelas mentiras e propaganda de guerra.

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Como comunistas revolucionários, dizemos sem qualquer ambiguidade que a guerra é reacionária dos dois lados e que será duramente paga pelo povo ucraniano, pelo povo russo e pelos trabalhadores e juventude de todo o mundo.

O “governo de esquerda” que toma o lado do militarismo estado-unidense

Seguindo o guião de toda a social-democracia europeia, o governo português diz-nos que a UE, os EUA e a NATO estão a defender os valores da democracia, da paz e da legalidade internacional. A NATO, nas palavras de Costa, é uma “aliança defensiva”.

Mas que “defesa” da democracia e da paz foi a da NATO quando esmagou o povo sérvio durante 78 dias e 78 noites, bombardeando incessantemente a Sérvia, destruindo bairros, hospitais, escolas, causando milhares de mortes sob a desculpa de “proteger” o Kosovo?

Concluída essa guerra sem “aprovação” da ONU, o Kosovo declarou a independência e os EUA instalaram imediatamente a base militar de Bondsteel no território — a segunda maior que os EUA têm na Europa, atualmente. Assim se vê que “paz” defendem estes amigos de Costa e do PS.

A NATO expandiu a sua presença no leste da Europa vorazmente, pela força e sem quaisquer contemplações. Entre 1999 e 2004, juntaram-se à aliança "defensiva" Hungria, Polónia, República Checa, Eslováquia, Estónia, Letónia, Lituânia e a Roménia.

Ao todo, são agora 30 Estados-membro a assobiar para o lado enquanto o povo palestino é atacado sem dó nem piedade pelo Estado sionista de Israel, que não conhece sanção alguma pela sua selvajaria contra civis; 30 Estados a formar uma aliança militar responsável pelo sangue de centenas de milhares de mortos e deslocados pelas intervenções militares no Iraque, na Síria, no Afeganistão, na Líbia, no Iémen, na Somália, na ilha de Granada, no Panamá, no Vietnam… e outras centenas de milhares pelas ditaduras militares na América Latina e em África. Só no Afeganistão, onde o exército português participou na invasão por quase 20 anos, as forças de ocupação ocidentais mataram cerca de 100.000 civis. No Iraque, outra guerra onde Portugal participou, as vítimas civis roçam os 400.000. E podíamos continuar com a lista de horrores do imperialismo estado-unidense e europeu.

Há uma pergunta muito simples que tem de ser feita: que diriam Costa e o seu executivo se a China e a Rússia estabelecessem alianças militares com o Canadá e o México, instalando bases militares e armamento nuclear às portas dos EUA?

Qualquer pessoa que responda honestamente a esta pergunta estará a admitir que o “pacifismo” do PS não passa de palavreado para justificar o belicismo do imperialismo dos EUA e da UE. Ou devemos acreditar que a contínua expansão da NATO e a militarização da Ucrânia são contribuições para a consolidação da “paz mundial”?

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É a mesma NATO que ignora os ataques de Israel ao povo palestino e que cometeu crimes de guerra em intervenções militares no Iaque, na Síria, no Afeganistão, na Líbia, no Iémen, na Somália… ou no apoio a ditaduras sangrentas militares em África e na América Latina.

Por detrás da conversa sobre a defesa dos “valores europeus” e da “democracia”, esconde-se uma luta sanguinária entre potências imperialistas pelo domínio do mundo, pela ampliação das suas áreas de influência e pelo controlo de recursos naturais e matérias-primas. Tudo para benefício das respectivas oligarquias, ou seja, de um punhado de capitalistas que não param de enriquecer à custa da guerra, da pandemia e da exploração de milhões de trabalhadoras e oprimidos. Esta é a realidade que o governo PS trata de ocultar para justificar a sua posição face à guerra na Ucrânia — uma posição de unidade com o imperialismo estado-unidense que não passa da continuação da política de “unidade nacional” com a burguesia, agora levada para o campo das relações internacionais.

As declarações belicistas de Costa afirmando que “estamos prontos a defender o território de qualquer um dos Estados-membro da NATO” e a “continuar a reforçar a nossa posição em toda a frente leste” — ou seja, a continuar a expansão e as provocações —, assim como as resoluções aprovadas no Parlamento Europeu a favor da militarização da Europa e do combate contra a Rússia são claríssimas. Para tentar encobrir os crimes do imperialismo e a devastação social que as políticas capitalistas provocam, redobra-se o rufar dos tambores de guerra e o chauvinismo ocidental e anti-russo mais histérico. E agora, por cima de tudo isto, ainda querem tentar comover-nos com a sua ajuda aos refugiados ucranianos que estão a ser usados como arma de propaganda num contraste gritante com os refugiados do Médio Oriente e África. Para estes últimos, que Josep Borrell, Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros, chamava de “invasores” há escassos meses, o que a UE tem é repressão, centros de detenção com condições subumanas ou a morte por afogamento no Mediterâneo. A hipocrisia é verdadeiramente repugnante!

A bancarrota política do reformismo perante a guerra

Com a invasão russa da Ucrânia pouco mais de 20 dias após os seus piores resultados eleitorais, a esquerda reformista em Portugal aprofundou ainda mais a sua crise, dividindo-se perante a guerra.

A direção do BE, dizendo-se contra a NATO e mantendo críticas vazias ao imperialismo dos EUA e da UE, votou a favor das resoluções belicistas do parlamento europeu já mencionadas, mantém uma posição extremamente ambígua sobre o envio de armas ao governo reacionário de Zelensky e apoia sanções à Rússia com os mesmos argumentos do imperialismo ocidental — para “parar a guerra” —, ignorando o seu real objetivo: beneficiar os capitalistas ocidentais à custa do rebaixamento das condições de vida dos trabalhadores e da juventude na Rússia.

Já a direção do PCP, por seu lado, inicialmente incapaz de reconhecer o caráter reacionário da intervenção militar russa — algo aproveitado pela comunicação social para alimentar a histeria anticomunista —, manteve a denúncia correta e inequívoca da NATO e uma oposição igualmente correta e clara ao envio de armas ao governo ucraniano.

Apesar disto, no final das contas, e depois de finalmente apelidarem o regime de Putin de capitalista e de reconhecerem o caráter reacionário da invasão, os dirigentes do PCP acabam por colocar-se em perfeito acordo com os do BE nos pontos fundamentais: ambas as direções se recusam a usar os meios de que dispõem para mobilizar um movimento de trabalhadores e jovens contra a guerra e a militarização da Europa para, em vez disso, propor como solução um retorno à diplomacia burguesa.

Catarina Martins chega ao cúmulo de pedir uma “conferência pela paz” organizada pela ONU; e o Comité Central do PCP, numa denúncia da resolução do Parlamento Europeu que poderia ter sido importante, termina dizendo que “considera premente voltar ao caminho de respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas e da Acta Final da Conferência de Helsínquia, de paz e cooperação entre os povos”. A política externa proposta pelo PCP e pelo BE é, em última análise, também uma continuação da sua política interna: apelar aos capitalistas e às suas instituições para que se comportem de maneira mais humanista.

Mas, afinal, esta guerra não é o resultado inevitável da diplomacia feita até aqui? Há meses e meses que o imperialismo ocidental apela à “ação diplomática” sem mexer um dedo para negociar seriamente a proposta russa de uma Ucrânia fora da NATO e com um território desmilitarizado.

E a ONU, que Catarina Martins quer ver a organizar conferências pacifistas, que tem feito? A ONU jamais impediu qualquer grande conflito militar. É a folha de figueira com a qual se cobrem os diferentes bandos de assassinos imperialistas, com apelos hipócritas e inúteis à “paz” e aos “direitos humanos”.

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A ONU é a folha de figueira com a qual se cobrem os diferentes bandos de assassinos imperialistas. Se queremos paz, temos de lutar pelo socialismo!

Ao recusar-se a mobilizar um movimento de trabalhadores e jovens contra a guerra e a militarização imperialistas e ao apontar como solução a diplomacia, os reformistas à cabeça do BE e do PCP acabam a fazer perante a guerra o que fizeram até aqui durante a pandemia e também nos anos precedentes de “geringonça”: subordinam-se vergonhosamente à social-democracia e às instituições do imperialismo ocidental. Enquanto isso, Costa ativa sanções, envia soldados para a força da NATO no leste europeu e armas ao governo reacionário de Zelensky e justifica com a guerra a degradação das nossas condições de vida.

Estamos a assistir a uma bancarrota política que só nos pode recordar a época em que a social-democracia europeia votou favoravelmente os créditos de guerra ao lado das respetivas burguesias nacionais, em agosto de 1914. O resultado dessa política foi o fratricídio de trabalhadores nas trincheiras, com o sangue da nossa classe a regar os lucros dos imperialistas.

O inimigo principal está em casa! Abaixo a guerra imperialista!

A primeira tarefa da esquerda combativa, de milhares de militantes e ativistas que obviamente assistem horrorizados aos acontecimentos na Ucrânia e rejeitam completamente a intervenção militar de Putin — um eminente representante do chauvinismo grão-russo e da oligarquia corrupta, anticomunista e repressiva —, é não se deixar enganar pela propaganda da burguesia, e em primeiro lugar pela propaganda da burguesia do seu próprio país, é lutar contra ela e desmascarar os seus fins reacionários.

Ante a capitulação da social-democracia e das restantes organizações reformistas que se subordinam vergonhosamente a ela, ante a “união sagrada” dos imperialistas e dos exploradores, nós defendemos uma política revolucionária de independência de classe. Repetimos as palavras de Karl Liebknecht: “O principal inimigo está em casa!”

A única política consequente para a paz entre os povos é esta: fora a NATO e as tropas russas da Ucrânia, abaixo a guerra imperialista! Pelo derrube dos governos capitalistas que nos empurraram até esta situação, pela mobilização internacionalista da classe trabalhadora e pelo socialismo!

A luta contra a guerra e o militarismo só é viável rompendo com a lógica capitalista, rejeitando as políticas de “mal menor”. Exigimos do governo PS a retirada imediata de todas as tropas portuguesas a participar nas manobras da NATO, não só no leste da Europa como em qualquer parte do mundo. Exigimos que Portugal saia imediatamente da NATO e que nem um euro, nem uma bala, nem um soldado português sejam usados nesta ou em qualquer outra guerra imperialista. Mais ainda, há que deixar claro que os tremendos recursos que estão a ser usados nesta guerra saem do sofrimento da classe trabalhadora mundial, submetida a novos ataques aos seus direitos e a uma crescente degradação das condições de vida.

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Ante a capitulação da social-democracia e das restantes organizações reformistas que se subordinam vergonhosamente a ela, nós defendemos uma política revolucionária de independência de classe.

A guerra é o sintoma mais claro do estado de putrefação em que se encontra o capitalismo mundial. Esta guerra, um autêntico golpe na já cambaleante ordem mundial de Washington, não será de forma alguma a última. Não há terceira via possível, não há diplomacia que resolva as contradições entre os blocos imperialistas. Se queremos paz, temos de lutar pelo socialismo!

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