Os preços dos combustíveis estão a bater recordes. Em outubro do ano passado, a gasolina ultrapassou pela primeira vez os 2 euros por litro. Agora, em março deste ano, foi o gasóleo a ultrapassar este marco. Isto significa para os trabalhadores um gasto de mais de 100€ para encher um depósito de 50 litros de combustível, além de um aumento generalizado da inflação e do custo de vida. Mas para as petrolíferas os lucros são multimilionários.

Especulação e lucros multimilionários

Os preços dos combustíveis são dissociados dos gastos de produção pela especulação. O sector dos combustíveis está completamente monopolizado por cartéis tanto na fase da produção como na da comercialização. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), cujos membros totalizam cerca de metade da produção mundial de petróleo, restringe a produção para que se venda o barril de petróleo mais caro. Em Portugal, é a Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro) que dita o preço a que se vendem os combustíveis.

A especulação está desenfreada, especialmente desde o início da guerra da Ucrânia. Portugal não importa sequer petróleo da Rússia, mas isso não impediu a Apetro, no dia a seguir à invasão russa, de subir os preços do combustível que já foi produzido há meses e está agora a ser vendido ao consumidor. Há poucos dias, a Apetro chegou mesmo a aumentar o preço da gasolina1 enquanto o preço do petróleo descia para um nível não muito diferente do anterior à guerra.

É sempre assim com a descida dos preços. Mesmo quando, no início da pandemia, o preço do barril de petróleo chegou a ser negociado a valores negativos, os monopólios do sector mantiveram os preços artificialmente altos. Assim se explicam os lucros recorde das petrolíferas durante a pandemia2. A Galp, a empresa com a maior fatia do mercado português, teve mais de 450 milhões de euros de lucro só em 2021.

A especulação de monopólios e cartéis pode ver-se claramente também nos supermercados3, nas operadoras de internet e telemóveis4 e nas empresas de tecnologia5. É este o resultado inevitável do capitalismo: uma concentração monstruosa de capital nas mãos de um punhado de burgueses.

O governo salva os capitalistas e abandona os trabalhadores

Não colocando em causa os lucros do grande capital, António Costa respondeu com subsídios numa primeira tentativa de gerir a situação ante o perigo de protestos e greves6. Em outubro de 2021 criou o Autovoucher, um desconto de 5€/mês que foi aumentado para os 20€/mês em março deste ano.

Isto não passa de um paliativo que garante às empresas os seus lucros, exatamente como acontece com os passes sociais de transporte ou os manuais escolares. Continua a ser os trabalhadores a pagar a fatura, só que indiretamente, com os seus impostos. Costa e o PS vão pagar à Galp e restantes empresas com o dinheiro que falta à saúde e à educação públicas.

Mas o governo não fica por aqui. Aos vouchers juntam-se 400 milhões de euros numa linha de crédito para as grandes empresas, com uma cobertura de 70%. Basta que a energia corresponda a mais de 20% dos custos de produção de uma empresa ou que esta tenha uma quebra de faturação de 15%, e está apta a beneficiar desta ajuda. Já vimos isto com a pandemia! É a mesma transferência de dinheiro público para o grande capital proporcionado pelo governo com os lay-offs ou, mais recentemente, com as "compensações" pelo aumento do salário mínimo e com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). É o Estado dos burgueses a salvar os burgueses e a abandonar os trabalhadores e a esmagadora maioria da população a uma queda generalizada das condições de vida e, cada vez mais, à pobreza.

O reformismo não tem solução — é preciso ir à raiz do problema!

Escolhendo conscientemente ignorar tudo isto, os meios de comunicação esforçam-se por centrar a discussão do aumento dos preços dos combustíveis na carga fiscal. Há dois grandes impostos que incidem sobre os combustíveis: o IVA de 23% e o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), atualizado semanalmente, que se divide entre uma taxa de carbono e o “adicional”. A direita pede o fim do ISP e que o IVA desça para um escalão menor. Mostrando a sua bancarrota política mais uma vez, BE e PCP aceitam os termos da discussão, acabam a fazer eco da direita e pedem o fim do adicional ao ISP e da dupla tributação — o facto do IVA ser calculado sobre o valor que já inclui o ISP —, ignorando a raiz do problema.

A eliminação de impostos regressivos como o IVA é importante — é absurdo que o CEO da Galp e um trabalhador de um dos seus postos de gasolina paguem o mesmo valor num imposto. Mas os preços especulativos não vão baixar com a eliminação destes impostos, vão apenas aumentar os lucros. Isto já se verificou quando, há menos de um mês, o governo decidiu não subir o ISP e a queda dos preços foi 25% menor do que a esperada. Evidentemente, as petrolíferas não mantêm os seus preços após a eliminação dos impostos… continuam a especular e fixam o preço mais elevado que conseguirem!

A prioridade do governo é clara: defender a propriedade e lucros privados. Contra isto, é necessário que a esquerda ultrapasse os limites da lógica capitalista. A única política capaz de mudar esta situação é a da mobilização e organização da classe trabalhadora e da juventude para uma luta que coloque em causa o poder das grandes petrolíferas.

A “solução” de redução de impostos não faz mais do que permitir às gasolineiras aumentar os seus lucros. Se o problema são os monopólios e a especulação, a solução real começa por arrancar das mãos dos capitalistas o controlo deste sector chave.

Nacionalização e controlo operário das empresas de energia e transportes para acabar com a especulação e fazer a transição energética!

A energia está na base de toda a produção, o aumento do seu preço repercute-se pelas cadeias de produção. Os custos de produção industrial aumentaram 20% em fevereiro face a 2021. A juntar à especulação, este aumento de preços só pode resultar numa degradação generalizada das condições de vida dos trabalhadores.

Mas o facto é que o potencial das energias renováveis em Portugal é gigantesco e, portanto, é perfeitamente possível em termos técnicos aposentar ou reestruturar as centrais a carvão e as duas refinarias — em Sines e em Matosinhos — de modo a fazer uma transição das energias fósseis para energias verdes e baratas. O obstáculo é social: é a burguesia e o seu Estado. E a resposta tem de ser internacional.

É preciso nacionalizar imediatamente todo o sector da energia, tomando para nós o gigantesco capital que acumularam à custa do nosso trabalho e que todos os anos é usado para pagar gordos dividendos aos grandes acionistas. E é preciso nacionalizá-lo sob controlo dos trabalhadores, para que a nacionalização não seja apenas uma transferência das mãos dos capitalistas para as mãos dos administradores capitalistas do Estado.

É igualmente preciso fazer uma transição massiva dos transportes privados para os coletivos. Portugal tem hoje a 6ª maior rede de autoestradas e a 3ª pior rede ferroviária da Europa, o que faz com que a economia seja extremamente dependente dos combustiveis fósseis para o transporte de pessoas e mercadorias. É o resultado, após a entrada na UE, de uma política de abandono da ferrovia e aposta na rodovia que resultou na construção de dezenas de autoestradas nas décadas de 90 e 2000 para proveito das concessionárias privadas e dos políticos ao seu serviço. Há que avançar com a construção de ferrovia e transportes coletivos sustentáveis.

Tudo isto implica ir ainda muito longe. A nacionalização do sector da energia exige a nacionalização da metalurgia e da indústria automóvel em Portugal, assim como das grandes construtoras. E a medida indispensável para financiar um sistema de transportes de pessoas e mercadorias que abranja todo o território, seja sustentável e acessível a todos é a nacionalização, sob o controlo democrático dos trabalhadores, daquele que é o coração do sistema capitalista: a banca. Temos de fazer até ao fim o que a nossa classe tentou fazer na Revolução Portuguesa de 1974-75, e temos de fazê-lo seguindo o brilhante exemplo dessa geração: através da mobilização e da luta revolucionária pelo socialismo.


Notas:

1. Preço do gasóleo caiu quase metade do esperado – uma das gasolinas até aumentou.

2. Margens de comercialização de combustíveis batem máximos durante a pandemia.

3. Concorrência multa quatro supermercados em 80 milhões por concertação de preços.

4. AdC acusa Meo, Nos, Vodafone e Accenture de “acordo anticoncorrencial” na televisão paga.

5. Apple e Google acusadas de práticas anticoncorrenciais e levadas a tribunal por associação portuguesa.

6. O decreto lei que permite o controlo dos preços foi publicado precisamente quando começaram a surgir os primeiros protestos e o perigo de uma mobilização no sector dos transportes de mercadorias. Protestos semelhantes foram de imediato aproveitados pela extrema-direita em vários países, e o mesmo pode dar-se em Portugal se a esquerda mantiver a sua política de unidade nacional — subordinando-se totalmente à social-democracia, recusando a via da mobilização e da ação de massas. Sobre o caso do Estado espanhol ler o artigo La huelga del transporte y la arrogancia represiva con la que ha respondido el Gobierno de coalición, ¿a quién beneficia?

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