Os trabalhadores não estão de forma alguma imunizados de uma vez por todas contra a influência dos fascistas. O proletariado e a pequena-burguesia apresentam-se como vasos de comunicação, especialmente nas condições atuais, quando o exército de reserva do proletariado não pode deixar de abastecer os pequenos comerciantes, vendedores ambulantes, etc., e a pequena-burguesia arruinada, os proletários e os lumpen-proletários.
Os funcionários, o pessoal técnico e administrativo, certas camadas de funcionários, constituíram no passado um dos importantes apoios da social-democracia. Hoje, estes elementos foram ou estão a passar-se para os Nacional-Socialistas. Atrás de si podem arrastar, se ainda não o fizeram, a aristocracia operária. Seguindo esta linha, o Nacional-Socialismo penetra pelo proletariado acima.
Em qualquer caso, a sua eventual penetração a partir de baixo, isto é, pelos desempregados, é muito mais perigosa. Nenhuma classe pode viver muito tempo sem perspetivas e esperança. Os desempregados não são uma classe, mas já constituem uma camada social muito compacta e muito estável, que procura em vão escapar a condições de vida insuportáveis. Se é verdade, em geral, que só a revolução proletária pode salvar a Alemanha da decomposição e da desagregação, isto é verdade em primeiro lugar para os milhões de desempregados.
Leon Trotsky, E agora? Problemas vitais do proletariado alemão1
A caracterização da ascensão dos movimentos populistas e de extrema-direita tem gerado inúmeras polémicas entre as fileiras da esquerda, tanto quando se trata de compreender a natureza desse avanço como dos seus vínculos com as classes dominantes e as semelhanças e dissonâncias que apresenta com o fenómeno fascista da década de 1930.
Para lançar luz sobre este fenómeno, importa aprofundar as causas que alimentam a sincronia que observamos no crescimento de partidos e organizações cuja existência há duas ou três décadas era extraordinariamente marginal ou simplesmente não apareciam no horizonte político. Então, o que mudou? Quais são as forças motrizes por detrás dessas transformações que sacodem a cena política, mediática e cultural em todo o mundo?
Em primeiro lugar, é impossível compreender o que está a acontecer sem considerar a aguda polarização social e política no mundo capitalista e a consequente crise de credibilidade na democracia burguesa; em segundo lugar, o crescimento eleitoral e a influência social da extrema-direita, quaisquer que sejam as suas variantes, representa uma ameaça que visa diretamente os direitos democráticos, o movimento operário, a juventude organizada e militante e a luta pela libertação da mulher. Em suma, hoje como no passado, estas forças são uma vanguarda de luta para desmantelar e esmagar a esquerda e todos aqueles que lutam pelo socialismo.
A partir da Grande Recessão de 2008, as brutais políticas de austeridade e o crescimento da desigualdade e da precariedade promoveram reagrupamentos muito importantes à margem da social-democracia oficial e divisões no seu seio. Os casos de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhista, ou de Bernie Sanders no Partido Democrata e o DSA, mas sobretudo a emergência do Syriza na Grécia, do Podemos no Estado espanhol, do Die Linke na Alemanha, do Bloco de Esquerda em Portugal, ou da France insoumise. .. todos foram, de uma forma ou de outra, a expressão eleitoral da viragem à esquerda de amplos setores da juventude e dos trabalhadores e da radicalização das lutas sociais e dos trabalhadores.
A consciência de que era necessário enfrentar o sistema deu um enorme passo em frente, embora a maioria destes movimentos e formações fossem liderados pela pequena-burguesia ilustre, geralmente do espaço universitário, com uma atitude extremamente hostil às ideias do marxismo.
Paralelamente aos avanços desta esquerda reformista, as forças populistas e de extrema-direita iam ganhando crescente apoio de massas nos EUA, na América Latina e na Europa, fortalecendo os seus vínculos com o aparelho de Estado e conseguindo um apoio significativo entre as classes dominantes.
Quando as hostes de Trump invadiram o Capitólio em janeiro de 2021, houve organizações que quiseram encerrar a questão ao qualificar o evento de motim e menosprezando Trump como um outsider político. Ainda hoje, estas mesmas organizações falam da “ala Trump” do Partido Republicano, quando é inquestionável que o ex-presidente e os seus apoiantes dominam sem qualquer competição um dos dois partidos fundamentais da classe dominante estado-unidense.
No documento de Perspetivas Mundiais de 2021 escrevemos a respeito disto:
“Trump foi derrotado nas urnas [por Biden] graças a uma mobilização histórica do voto e depois de uma formidável luta de massas, que levou milhões de mulheres, jovens e trabalhadores afro-americanos, brancos e latinos a encherem as ruas nos quatro anos do seu mandato, e que culminou com o levantamento social após a morte de George Floyd. Entre os meses de maio, junho e julho de 2020, entre 15 e 26 milhões de pessoas participaram dos protestos que atravessaram os Estados Unidos de uma ponta à outra.
Mas esta derrota eleitoral não significou, como muitos na esquerda previram, nem o desaparecimento de Trump nem um enfraquecimento do trumpismo, confirmando que estamos perante tendências subjacentes que continuarão a alimentar-se da decomposição social gerada pelo capitalismo em crise.
Após as eleições de novembro, Trump fortaleceu-se, expandindo e consolidando a sua base eleitoral entre milhões de pequeno-burgueses fanáticos e setores atrasados da classe trabalhadora, golpeados pela recessão e feridos no seu orgulho face o irremediável declínio do imperialismo estado-unidense. O seu discurso racista e supremacista, o seu nacionalismo furioso, o seu machismo desprezível e os seus apelos contra o socialismo e o comunismo não são ideias de um louco, mas uma bandeira à volta da qual reunir esta escória social para combater um crescente movimento de massas anti-capitalista que questione os privilégios da classe dominante. (…)
Trump deu novos passos no seu controlo do Partido Republicano, purgando os setores que aspiravam regressar aos bons e velhos tempos do republicanismo conservador moderado. A deriva dos republicanos para a extrema-direita continuará a aprofundar-se (…)”
A investigação judicial sobre o ataque ao Capitólio, que se estendeu por um ano e meio, com mais de mil intimações e declarações, deixa clara a responsabilidade de Trump como principal instigador dos acontecimentos de 06 de janeiro e pela primeira vez na história do país, o Departamento de Justiça pode indiciar um ex-presidente pelos crimes de incitação à insurreição, obstrução de um procedimento oficial do Congresso, tentativa de fraude e conspiração para apresentar falsos testemunhos eleitorais no Congresso e nos Arquivos Nacionais.2
Os congressistas que participaram na Comissão, basicamente o Partido Democrata, tiveram muito cuidado para não acusar as instituições do sistema do seu envolvimento no golpe. O relatório afirma categoricamente: “A causa final do 6 de Janeiro foi um único homem, o ex-Presidente Trump, que muitos outros seguiram. Nada do que aconteceu naquele dia teria acontecido se não fosse ele”.
No entanto, são numerosas as provas do envolvimento dos serviços secretos, do Pentágono e da polícia em deixar decorrer o golpe. Testemunhos como o do General da Guarda Nacional William Walker, denunciando que o Pentágono, com o Secretário da Defesa à frente, demorou mais de três horas a dar a ordem de mobilização dos militares para recuperar o controlo, ou relatórios do FBI e da polícia do Capitólio alertando que havia um risco claro de que a assistência do comício atacasse os congressistas no dia 6, sem que houvesse um reforço da segurança, torna-o evidente.
É claro que a classe dominante estado-unidense não quer atualmente uma ditadura fascista que suprima as eleições para o Congresso e esmague partidos e organizações de esquerda através da violência. Se tentasse algo semelhante, o risco de uma guerra civil materializar-se-ia. Mas isto, está claro, não exclui que a extrema-direita se esteja a fortalecer, trabalhando seriamente para ampliar uma legislação cada vez mais reacionária e contrária aos direitos e liberdades democráticas, incentivando a repressão e a violência por parte do Estado com todo o tipo de medidas bonapartistas e a armar as suas milícias paramilitares para a luta nas ruas.
Não estamos perante uma derrota esmagadora da classe trabalhadora, como ocorreu nos anos 20 e 30 em Itália, na Alemanha, na Áustria ou no Estado espanhol, mas o que nos importa aqui é compreender para onde apontam as tendências fundamentais. E a direção destas é evidente: a extrema-direita, mesmo com um discurso abertamente fascista para as condições atuais, está a fortalecer-se em todo o mundo.
Insistir, para consolar uma militância pouco formada, que o fascismo é impossível na época em que vivemos porque a classe trabalhadora é a maioria da sociedade e os pequenos proprietários agrícolas e o campesinato viram o seu número reduzir-se é descartar as lições da história.
A Alemanha tinha a classe trabalhadora mais forte e mais educada da Europa e tinha as organizações políticas e sindicais mais poderosas, incluindo formações de combate massivas. E no final, a burguesia entregou o poder aos nazis face à paralisia do proletariado, desmoralizado pelas políticas dos seus dirigentes social-democratas e estalinistas. O que aconteceu a seguir é bem conhecido.
O marxismo não é um exercício académico, mas um guia para a ação. O nosso método é o mesmo que Lenin e Trotsky aplicaram para analisar o desenvolvimento do fascismo nas décadas de 1920 e 1930, dialético e vivo, e baseia-se em aproximações sucessivas. Lenin e Trotsky consideraram a profundidade da crise capitalista e a precarização e deterioração das condições de vida das massas, tanto da classe trabalhadora como das camadas mais baixas da pequena-burguesia, como uma condição indispensável para o desenvolvimento do fascismo.
“Os grandes fenómenos políticos têm sempre causas sociais profundas. O declínio dos partidos 'democráticos' é um fenómeno universal que tem as suas razões no declínio do próprio capitalismo”, escreveu Trotsky em Para onde vai a França. No mesmo texto insiste:
“Atualmente, as mesmas leis operam em todos os países: as da decadência capitalista. Se os meios de produção permanecerem nas mãos de um pequeno número de capitalistas, não haverá salvação para a sociedade. Está condenada a passar de crise em crise, de miséria em miséria, de mal a pior. Em diferentes países, as consequências da decrepitude e da decadência do capitalismo expressam-se de diversas formas e com ritmos desiguais. Mas a substância do processo é a mesma em toda parte. A burguesia levou a sua sociedade à falência total. Não é capaz de garantir ao povo nem pão, nem paz. É precisamente por isso que não pode apoiar a ordem democrática por muito mais tempo. É obrigada a esmagar os trabalhadores com a ajuda da violência física.
Mas o descontentamento dos trabalhadores e dos camponeses não pode ser eliminado apenas através da polícia. Enviar o exército contra o povo torna-se impossível: este começa a decompor-se e termina com a passagem de grande parte dos soldados para o lado do povo. Por esta razão, o grande capital é forçado a criar bandos armados particulares, especialmente treinados para atacar os trabalhadores, como certas raças de cães são treinadas para atacar as presas. A função histórica do fascismo é esmagar a classe trabalhadora, destruir as suas organizações, sufocar a liberdade política, quando os capitalistas já se sentem incapazes de dirigir e dominar com a ajuda da máquina democrática.
O fascismo encontra o seu material humano sobretudo no seio da pequena-burguesia. Esta está totalmente arruinada pelo grande capital. Com a atual estrutura social, não há salvação. Mas não conhece outra saída. O seu descontentamento, a sua indignação, o seu desespero são desviados pelos fascistas do grande capital e dirigidos contra os trabalhadores. Pode-se dizer que o fascismo é uma operação para colocar os cérebros da pequena-burguesia ao serviço dos interesses dos seus piores inimigos. Assim, o grande capital primeiro arruína as classes médias e depois, com a ajuda dos seus agentes mercenários, os demagogos fascistas, dirigem a pequena-burguesia, imersa no desespero, contra o proletariado. É apenas através de tais procedimentos que o regime burguês consegue manter-se. Até quando? Até que ele seja derrubado pela revolução proletária.”3
A classe dominante não entra na luta com um esquema acabado; ajusta-o em função da profundidade da crise e do desenvolvimento específico dos acontecimentos: as mudanças repentinas na situação nacional e internacional, a sua capacidade de manter o controlo e conter as massas através de partidos tradicionais e líderes reformistas, etc.
A burguesia dos anos 20 e 30 do século passado não entregou o poder a Hitler ou a Mussolini como parte de um plano pré-concebido, mas sim com relutância, após anos de luta de classes e quando chegou à conclusão de que era a única opção que restava para preservar o seu sistema e esmagar a revolução. Nesse período de tempo, como também vemos hoje, existiam fortes divisões no seu seio quanto à melhor política a adoptar a cada momento.
Estas fraturas e choques foram manipulados por Stalin e pelos dirigentes social-democratas: fizeram crer às massas que estavam a responder às diferenças entre um setor democrático e um setor fascista dentro da classe dominante. Na realidade, eram divisões táticas. Por exemplo, a classe dominante britânica apoiou Franco em todos os momentos da guerra civil, lutou até ao fim para apaziguar Hitler mas, finalmente, devido aos seus interesses imperialistas ameaçados, teve de combater o nazismo. A burguesia francesa resistiu com unhas e dentes a participar na guerra civil espanhola apoiando a República, mas ao contrário do que fizeram os britânicos, capitulou ao nazismo sem oferecer a menor resistência militar.
Antes de chegar a um governo fascista, ou de corte fascista, ocorrem diferentes etapas. Em Para onde vai a França, Trotsky explica a relação dialética entre o bonapartismo e o fascismo:
“Em França, o movimento da democracia em direção ao fascismo ainda está na sua primeira fase. O Parlamento existe, mas já não tem os poderes de outros tempos e nunca mais os recuperará. Morta de medo, a maioria do Parlamento recorreu, depois do 6 de fevereiro [de 1934], a Doumergue, o salvador, o árbitro. O seu governo coloca-se acima do Parlamento. Não se apoia na maioria ‘democraticamente’ eleita, mas direta e imediatamente no aparelho burocrático, na polícia e no exército...”4
Não estamos a afirmar que existam governos abertamente bonapartistas em qualquer nação capitalista ocidental importante. Mas seria uma estupidez não ver que as tendências bonapartistas estão a tornar-se mais pronunciadas em todas elas, e que isto representa um perigo muito sério para a classe trabalhadora. A atitude do Governo Macron para enfrentar as mobilizações da classe trabalhadora este ano é uma boa prova do que dizemos.
As abstrações e esquemas sobre a impossibilidade do fascismo, ridicularizando o perigo real do avanço da extrema-direita neste momento, constituem um apelo à inação, para acalmar os ativistas com palavras bonitas cobertas de retórica pseudo-marxista. É a posição dos centristas e reformistas de esquerda, nos antípodas do marxismo revolucionário.
A extrema-direita na Europa
Que o avanço da extrema-direita se está a tornar num fenómeno global é óbvio, mas no velho continente isso torna-se mais claro a cada dia. Este fortalecimento não pode ser explicado por um único fator, mas pela combinação de vários, tanto objetivos como subjetivos.
A crise aguda da sociedade europeia, com taxas de empobrecimento sem precedentes em muitas décadas, desigualdade e cortes sociais que deixaram os serviços públicos depauperados em numerosos países, estão por trás da desconfiança geral em relação à democracia parlamentar.
Neste quadro, a direita tradicional tem sofrido os ataques de formações populistas e de extrema-direita e, para enfrentá-la, adoptaram as mesmas políticas em áreas muito sensíveis: legislação anti-laboral e reformas laborais selvagens, medidas racistas anti-imigração que causam dezenas de milhares de mortos5, um discurso sexista e homofóbico, nacionalista, chauvinista e supremacista, a recuperação dos antigos símbolos de propriedade, família e tradição, além de uma hostilidade raivosa contra a esquerda. É o mesmo fenómeno no Estado espanhol, em Portugal, em França, na Alemanha, Itália, Suécia, Finlândia, Noruega...
Portanto, a primeira coisa que temos que destacar é que são os partidos tradicionais da burguesia que estão a facilitar o fortalecimento eleitoral da extrema-direita, e onde mais resistem é porque lhes roubaram o discurso (como é o caso do PP espanhol face ao avanço do Vox).
O segundo factor é a submissão da social-democracia tradicional a estas políticas onde quer que governem ou quando estão na oposição. O espectáculo do presidente social-democrata da NATO com o seu palavreado militarista, as declarações selvagens de Borrell como porta-voz da política externa da UE a favor do regime de Zelensky ou qualificando de selva o resto do mundo não europeu, são exemplos impressionantes, mas há milhares de outros. Em suma, a social-democracia funde-se com a direita conservadora em todos os “assuntos de Estado”, e os seus patéticos apelos a um “cordão sanitário” contra a extrema-direita falharam redondamente.
O terceiro factor, muito importante pelas expectativas que frustrou, é a bancarrota das formações da nova esquerda reformista, tendo o colapso do Syriza6 e do Podemos como os exemplos mais proeminentes, e que analisamos em inúmeros artigos, documentos e declarações. A estratégia de colaboração de classes e o seu ministerialismo levaram-nos a um beco sem saída. O comportamento deplorável do Die Linke ou da France insoumise face ao genocídio sionista em Gaza é um exemplo do quão longe chegaram na sua degeneração política.
A base de massas das novas formações de extrema-direita está a crescer substancialmente na frente eleitoral. As suas organizações de combate de rua ainda são pequenas, mas existem e atuam contra a esquerda militante, embora neste momento a função punitiva seja desempenhada perfeitamente pela polícia, bem abastecida de quadros fascistas muito ativos e com uma base cada vez mais fanática.
A pequena-burguesia urbana e rural está a voltar-se para estas formações. Tradicionalmente, eram uma base sólida da direita conservadora, mas agora estão completamente abaladas pela instabilidade política e pela perda de velhas certezas. Estes setores lutam para não ficarem para trás num momento de crise geral. Não há dúvida de que as camadas médias que empobreceram estão furiosas pela perda de estatuto social e culpam a política e o sistema pela sua queda. Isto é uma parte. A outra é que milhões de pequeno-burgueses estão a encher os bolsos no meio do empobrecimento geral, e fazem-no graças à especulação imobiliária, à expansão do turismo nos países do sul da Europa e, especialmente, à exploração implacável da classe trabalhadora imigrante no velho continente.
Este último fenómeno não ocorreu na década de 1930. Mas em 2023 as coisas são muito diferentes. A composição interna do proletariado europeu modificou-se. O peso dos trabalhadores imigrantes em países como Itália, Estado espanhol, Alemanha, França, Portugal, Grécia, Reino Unido... está a aumentar. E ocupam os escalões mais baixos dentro da classe trabalhadora, sujeitos a todos os tipos de abusos que são tolerados pelos grandes sindicatos de classe e pelos governos. São os modernos “jornaleiros” de numerosos setores económicos: construção, hotelaria, turismo, no setor agro-alimentar, nos transportes rodoviários e urbanos, são carne para canhão de milhares de empresas subcontratadas por empresas públicas…
O número de trabalhadores migrantes à escala mundial, segundo dados da OIT, aumentou nos últimos cinco anos para 169 milhões de pessoas, atingindo um total de 4,9% da força de trabalho mundial. Cerca de 70 milhões destes trabalhadores migrantes são mulheres. Segundo dados desta organização, obviamente muito distantes da realidade, os migrantes ganham em média quase 13% menos que os trabalhadores nacionais nos países de rendimento elevado, mas há muitas excepções. No Chipre e na Áustria, a diferença nos salários horários é de 42% e 25%, respetivamente. Em Itália, os trabalhadores migrantes ganharam 30% menos do que os nacionais em 2020, em comparação com 27% em 2015. Na Irlanda, a diferença passou de 19% em 2015 para 21% em 2020.7
O Estado espanhol ilustra muito bem as dimensões desta transformação. Em janeiro de 1976, a população estrangeira no país era ligeiramente inferior a 0,5% da população espanhola, cerca de 160.000 dos 35,9 milhões de habitantes. Em 1996, o seu peso era de um milhão numa população de 39,9 milhões de habitantes, e apenas 1,3% da força de trabalho eram trabalhadores imigrantes. Em abril de 2023, estima-se que existam no Estado espanhol 8,3 milhões de cidadãos estrangeiros, com ou sem nacionalidade, dos quais pouco mais de 4 milhões, segundo dados do Inquérito à População Ativa (EPA), tinham emprego. Ou seja, 19,9% da população trabalhadora é imigrante.
Enquanto o salário médio mensal de um trabalhador espanhol a tempo inteiro atingiu 2.396 euros em 2021, a remuneração média dos trabalhadores imigrantes é 24% inferior, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística. Mas estes números oficiais não se ajustam nem remotamente à realidade da imensa miséria sofrida pelos nossos irmãos e irmãs imigrantes no Estado espanhol.
Portanto, a extrema-direita, ao alimentar toda a sua demagogia contra os imigrantes, desempenha um papel político e económico de primeira ordem. Para a pequena-burguesia exploradora, manter estes sectores em condições de opressão máxima é uma questão de “vida ou morte”. São os seus chalés em empreendimentos de luxo, as suas casas onde conseguem rendas suculentas, os seus carros, as suas férias, em suma, o seu estilo de vida que está em jogo. E as organizações de extrema-direita são uma garantia de que esta pressão contra a classe trabalhadora imigrante continuará.
Este interesse material também se combina com outro aspecto bem conhecido. Confrontados com a paz social patrocinada pelos grandes sindicatos de classe, os patrões utilizam a imigração para minar os direitos laborais, afundar ainda mais o salário médio e generalizar a precariedade. E a esquerda institucional colabora ativamente com esta estratégia de divisão nas fileiras do movimento operário, ou adere ao mais desprezível discurso da direita.
A reação ideológica introduzida pelo discurso fascista contra a imigração, e que é encoberto pela direita e pela social-democracia, permeia também camadas da classe trabalhadora duramente atingidas pela crise, que lutam diariamente pela sua sobrevivência e mostram grande desmoralização. O lixo demagógico contra o “estrangeiro” dá-lhes uma bandeira, ao mesmo tempo que sentem repulsa pelo discurso institucional.
Avanços eleitorais
Um estudo dos resultados eleitorais das últimas duas décadas permite-nos tirar conclusões. Os social-democratas sofrem grandes retrocessos. O SPD alemão passou de 40,9% em 1998 para 27,7% em 2021. O PASOK grego passou de 43,8% em 2000 para menos de 12% em 2023 (e recuperou graças ao desastre do Syriza). O PS francês de 38,2% em 1997 para 7,5% em 2017. O PSOE de 42,6% em 2004 para 31,7% em 2023. O SAP sueco de 45,2% em 1994 para 34,4% em 2022…
O mesmo se pode dizer da nova esquerda reformista, mas num período de tempo muito mais curto. O Syriza passou de 36,6% no início de 2015 para pouco mais de 17% na última eleição. O Die Linke passou de roçar os 12% em 2009 para menos de 5% em 2021. O Podemos, de 71 deputados e mais de 21% em 2016, para 5 deputados neste mês de junho. Corbyn foi esmagado pelo aparelho Trabalhista sem grandes dificuldades graças a todas as facilidades oferecidas pela direção do Momentum, e Bernie Sanders foi completamente assimilado pelo aparelho do Partido Democrata.
Estas são as condições, objetivas e subjetivas, que estão por detrás dos avanços da extrema-direita europeia. Os dados são claros.
Nas eleições de abril deste ano na Finlândia, o Partido dos Finlandeses (PdF, anteriormente denominado Verdadeiros Finlandeses) de extrema-direita tornou-se a segunda força no Parlamento com 20,1% dos votos e 46 assentos. Os sociais-democratas ficaram na terceira posição com menos de 20% e 43 deputados! Graças à coligação governamental com o partido conservador Kokoomus (20,8% e 48 assentos), estes neofascistas ocuparão sete ministérios, concentrando centros nevrálgicos do poder como Finanças, Administração Interna e Justiça.
O norueguês Partido do Progresso (FrP), de extrema-direita, fez parte do governo de coligação liderado pelo Partido Conservador entre 2013 e 2020, graças aos 16,35% e 15,19% dos votos que obteve nas eleições de 2013 e 2017. Nas eleições de 2021 sofreram um revés e caíram para 11,6%, perdendo 6 assentos.
As eleições em Hesse e na Baviera confirmam o avanço da Alternativa para a Alemanha (AfD) e não apenas no leste do país. Anteriormente, a extrema-direita tinha conseguido um primeiro governador distrital em Sonneberg (Turíngia) e um presidente da câmara em Raghun Jessnitz (Saxónia). Mas agora é a vez de Hesse, a sede do capital financeiro, onde a extrema-direita obteve mais de 18% dos votos, terminando na segunda posição e três pontos acima do SPD e dos Verdes. Na Baviera, segundo estado federal em população, a AfD ficou na terceira posição, embora tenha grande sintonia ideológica com o segundo mais votado, o partido regional “Eleitores Livres”.
Nas últimas eleições federais de 2021, a AfD obteve mais de 10% dos votos e 83 assentos, e em muitas das sondagens que estão a ser publicadas apresenta-se como a segunda força a nível nacional com um resultado a rondar os 22%. As eleições europeias de junho de 2024 serão um teste para a AfD, mas no último congresso do partido, celebrado em Magdeburgo, a ala mais abertamente fascista assumiu o controlo. O líder desta ala, Björn Höcke, exibe slogans nacionalistas e racistas que nada têm a invejar das proclamações da década de 1930: “Esta UE deve morrer para que a verdadeira Europa possa viver!”, uma variação do lema nazi: " A Alemanha deve viver, [mesmo] que tenhamos que morrer."
O último exemplo que gostaríamos de destacar refere-se à Suécia, a terra que todo bom social-democrata considerava um exemplo de capitalismo com rosto humano. Nas eleições de setembro de 2022, os ultras do partido Democratas da Suécia obtiveram mais de 1.330.325 votos, 20,54% e 73 assentos. Esses números representam um aumento de 17,1% dos votos e 11% em deputados.
O novo governo de coligação sueco, composto por Conservadores, Democratas-Cristãos e Liberais, depende inteiramente do apoio parlamentar dos Democratas da Suécia e o seu primeiro projecto orçamental não deixa margem para dúvidas: cortes nos subsídios sociais e na habitação pública, uma redução acentuada dos impostos sobre os combustíveis, uma diminuição drástica do investimento na luta contra as alterações climáticas e na ajuda ao desenvolvimento, e um aumento notável nas despesas com a defesa, para além de um endurecimento das leis anti-imigração.
O último exemplo significativo foi o das eleições legislativas nos Países Baixos, realizadas neste mês de novembro. A extrema-direita, representada por Geert Wilders e pelo seu Partido pela Liberdade (PVV), obteve uma vitória retumbante, sendo a força mais votada com 2.446.338 votos (23,5%) e 37 deputados. Estes resultados mostram uma subida notável: mais do dobro do que foi obtido nas eleições anteriores de 2021 (1.124.482 votos, 10,78% e 17 lugares), levantando a bandeira de um duro discurso islamofóbico, contra a "invasão" de migrantes, negacionista das alterações climáticas e nacionalista convicto. No verdadeiro estilo trumpista, Make America Great Again fala sobre como "os Países Baixos não aguentam mais", "o nosso país vem em primeiro lugar" e "o povo deve recuperar a sua nação".
A esta lista devemos acrescentar outros países onde as formações de extrema-direita contam com maior apoio eleitoral ou governam: Hungria (60% dos votos), Polónia (50,4%), Itália (34,8%)8, Eslovénia (23,5%) e Áustria (21,2%). Não podemos esquecer de mencionar o caso marcante da França, onde Marine Le Pen, candidata do Rassemblement National, obteve 13.288.686 votos na segunda volta, 41,46%, e do Estado espanhol com o Vox, onde apesar do revés nas eleições legislativas de julho passado obteve 3.057.000 votos, 12,3%, e 33 deputados. Finalmente, nas eleições que consagraram o colapso do Syriza, os neonazis gregos regressaram ao parlamento através do Espartanos, com 617.487 votos, 4,6%, e 12 assentos.
Não é pouco se compararmos com duas ou três décadas atrás. Portanto, sem exagerar, sem subestimar a enorme força objetiva da classe trabalhadora e da juventude, a luta contra a extrema-direita e a reação não é um aspecto secundário da nossa atividade política. Sabemos perfeitamente que a luta contra o fascismo não será resolvida pelo peso numérico do proletariado, mas pela capacidade da sua vanguarda em construir uma organização revolucionária comprovada e com uma influência decisiva entre as massas.
Notas:
1. Leon Trotsky, A luta contra o fascismo na Alemanha, Fundación Federico Engels, pág. 202
2. Trump, o assalto ao Congresso e o futuro do Partido Republicano; Izquierda Revolucionaria Estado espanhol
3. Leon Trotsky, Para onde vai a França? Fundación Federico Engels, pág. 26
4. Ibidem, pág. 27
5. A receita europeia contra a imigração: Morte, tortura e campos de concentração; Izquierda Revolucionaria Estado espanhol
6. Colapso do Syriza e greve geral. A luta nas ruas aumenta; Izquierda Revolucionaria Estado espanhol
7. Migrant pay gap widens in many high-income countries
8. Lições da Itália: a vitória de Meloni, o colapso do PD e uma abstenção recorde; Izquierda Revolucionaria Estado espanhol