A principal arma contra o fascismo é a luta de massas pelo socialismo
Com a derrota dos últimos regimes fascistas na Europa e o colapso da União Soviética a democracia burguesa proclamou o seu triunfo eterno sobre as restantes formas de governo. Quer a “ameaça comunista” quer a “ameaça fascista” estavam eliminadas. A grande maioria das organizações de esquerda foi incapaz de contrariar esta narrativa, moldando-se ao parlamentarismo e à conciliação de classes.
O capitalismo em crise
No entanto, as contradições inerentes ao capitalismo resultaram em mais uma explosão cíclica, em 2008, atirando o mundo para a pior crise estrutural do capitalismo desde 1929. Iniciou-se uma nova era política a nível mundial, que voltou a colocar em cima da mesa a possibilidade da revolução… e da contra-revolução.
Se, numa primeira fase, a Primavera Árabe, as manifestações e greves de massas na Europa e até mesmo nos EUA mostraram a possibilidade de revolução, numa segunda fase a contra-revolução ripostou violentamente através da austeridade e da guerra. O capitalismo foi obrigado a deixar cair a máscara e aquilo que a nova geração de trabalhadores viu foi a cara de um sistema decadente, opressivo e autoritário. Enquanto os direitos e salários dos trabalhadores eram atacados, o discurso racista e sexista foi exacerbado para nos dividir. Na liberal União Europeia (UE), a periferia era acusada de ser preguiçosa e de “viver acima das suas possibilidades”, enquanto os verdadeiros culpados — banqueiros e grandes capitalistas — eram resgatados. O nível da repressão estatal em protestos e greves aumentou. O autoritarismo europeu revelou-se completamente em 2015, com a eleição do governo Syriza, na Grécia, que sofreu pressões económicas e políticas quase ininterruptas por parte das instituições “democráticas” europeias até que, por fim, capitulou perante a União Europeia, traiu a classe trabalhadora da Grécia e de todos os países, passando a implementar as mesmas medidas de austeridade que os governos de direita.
Mais uma vez, uma direcção reformista da esquerda, por não ter qualquer confiança na força da classe trabalhadora e da juventude, não mobilizou as massas para uma ruptura com o capitalismo e foi derrotada na sua “luta” dentro das instituições “democráticas”, os parlamentos e os gabinetes.
São estes falhanços do reformismo que abrem as portas à extrema-direita.
O beco sem saída da democracia burguesa
A receita austeritária recuperou os lucros da burguesia, mas colocou em causa o bipartidarismo que governou os países imperialistas nos últimos 70 anos. Com a polarização social e o colapso dos partidos da família do PS, cresceram várias organizações de extrema-direita. Organizações como a Frente Nacional ou o Movimento Cinco Estrelas, apoiando-se num discurso anti-sistema, populista e racista, foram capazes de captar o descontentamento de vastos sectores da sociedade e crescer organicamente, mas sobretudo eleitoralmente, com vitórias expressivas em países tão variados como a Grécia, a Áustria, a Itália ou a França.
Perante este cenário, a resposta da esquerda reformista foi não só a de rotular imediatamente estas organizações e figuras como fascistas, mas ainda a de apresentar tais ideias e todo o fascismo como uma aberração em capitalismo, como um fenómeno completamente independente do funcionamento da democracia burguesa. Mas o fascismo é um produto do capitalismo. Este sistema produz ideias e políticas fascistas sempre que entra em crise!
Quando as direcções de esquerda concluem que, perante a irrupção do discurso fascista nas instituições da democracia burguesa, é necessário cerrar fileiras em torno dos partidos que nos trouxeram até aqui — os partidos burgueses, liberais e até conservadores —, estão a condenar-se à derrota. Foi a democracia burguesa que gerou as condições socioeconómicas para o ressurgimento das organizações fascistas. A “unidade democrática” que os reformistas pretendem construir equivale a sujeitar todo o programa da classe trabalhadora aos interesses da burguesia que os partidos de direita “democrática” servem. Portanto, equivale a alienar vastos sectores da classe trabalhadora e dos pobres que procuram uma saída deste sistema e não encontram nenhuma proposta na esquerda, mas pensam encontrar nos discursos inflamados dos novos fascistas.
Estamos, por isso, em profundo desacordo com os reformistas, apesar de reconhecermos o perigo que o crescimento da extrema-direita representa. Enquanto marxistas, não podemos limitar a nossa análise à aritmética eleitoral e àquilo que é veiculado na comunicação social burguesa. É necessário sair dos limites estreitos do parlamentarismo burguês e analisar o desenvolvimento das várias classes em disputa na sociedade, das suas organizações e das contradições que cada momento político apresenta. Só através dessa análise seremos capazes de identificar correctamente um movimento fascista e definir as tarefas para o derrotar.
Como surgiu o fascismo?
Ao contrário de outros regimes ditatoriais, que chegaram ao poder através de golpes de Estado militares, o movimento fascista italiano, o primeiro movimento fascista da Europa, surge como um movimento verdadeiramente de massas e anti-sistema, embora financiado por grandes capitalistas. Este movimento de massas encontrou a sua base social entre as camadas mais empobrecidas da pequena-burguesia e até da classe trabalhadora, assim como entre o lumpemproletariado.
Inspirado pela revolução russa, o proletariado italiano ocupou e controlou dezenas de fábricas e cidades durante os anos de 1919 e 1920. No entanto, as lideranças sociais-democratas, incapazes de conquistar o poder, deixaram o movimento revolucionário num impasse. Da necessidade de destruir a revolução, surgiu e cresceu o movimento fascista italiano. Recorrendo a formulações populistas para agitar as massas empobrecidas da pequena-burguesia e lumpemproletariado, e a bandos paramilitares para eliminar fisicamente a resistência da classe trabalhadora, foi capaz de subir ao poder em apenas dois anos. As lideranças da social-democracia preocupadas com a “opinião pública” ficaram paralizadas e entregaram os trabalhadores nas mãos dos fascistas.
Na Alemanha, com o partido Nazi, a história não é significativamente diferente, embora a ascensão tenha sido mais lenta. Assim, baseando-se nestas experiências históricas, Trotsky identificou como principal objectivo do fascismo a destruição da classe trabalhadora enquanto classe. Isto significa a destruição de todas as organizações da nossa classe, assim como as suas lideranças, no sentido de deixar a classe trabalhadora num estado amorfo e incapaz de lutar. Estas medidas extremas surgem quando o capitalismo entra em crise e a revolução socialista ameaça o sistema. Caso a classe trabalhadora organizada seja incapaz de tomar o poder de Estado e os meios de produção, a pequena-burguesia entra em desespero e perde a confiança na classe trabalhadora. O movimento fascista alimenta-se deste desespero e utiliza estes sectores da sociedade como tropa de choque para quebrar greves e manifestações ao mesmo tempo que apela à ordem, à nação e outros valores conservadores.
Apesar do principal objectivo do fascismo ser aniquilar as organizações de trabalhadores como última forma de manter a ordem burguesa, os próprios capitalistas receiam-no. O controlo sobre este tipo de movimentos é reduzido, principalmente quando adquire um carácter de massas. No entanto, não nos iludamos, este é um regime para a burguesia — e ela sabe-o.
Após conquistarem o poder, os partidos fascistas, anteriormente críticos da burocracia e do sistema, burocratizaram-se e aumentaram o peso do aparelho de Estado. O aparelho repressivo foi melhorado com a criação de polícias políticas e censura. A livre associação deixa de existir e são criados sindicatos corporativos, leais ao Estado, como substitutos dos verdadeiros sindicatos. Estas medidas permitem à burguesia, em particular ao capital financeiro, aumentar a exploração e os seus lucros.
O fascismo hoje
A eleição de Donald Trump, no final de 2016, teve um efeito galvanizante entre a extrema-direita a nível mundial, do Brasil às Filipinas e à Europa. Vários grupos nacionalistas e fascistas ressurgiram, embora sob capas como a “alt-right” (direita alternativa) nos EUA, e alguns até mesmo “em defesa da liberdade de expressão”. No entanto, estas organizações não têm ainda nem a força nem a aceitação entre a maioria da população como no passado. Será a ameaça fascista um perigo imediato e real?
Por um lado, a base social para o fascismo é hoje inferior ao que era nos anos 1930. Devido à tendência do capitalismo para a concentração de capital, a porção do proletariado urbano e rural entre a população mundial aumentou significativamente. Não existe assim, na maioria dos países, uma pequena-burguesia empobrecida e suficientemente numerosa para ser a tropa de choque do fascismo. Isto implicará necessariamente uma orientação das forças populistas e fascistas para alguns sectores da classe trabalhadora, elemento visível durante a campanha de Trump.
Por outro lado, é importante notar também que a grande maioria da classe trabalhadora não se identifica enquanto tal e está desorganizada — pelo menos por agora. Isto significa que a nossa classe é também menos forte do que era há um século e não é ainda capaz de concretizar a revolução socialista.
Adicionalmente, é preciso saber caracterizar o voto nos partidos de extrema-direita. O voto em Trump foi, na realidade, um voto maioritariamente anti-Hillary; Marine Le Pen foi obrigada a mascarar o programa mais reaccionário da Frente Nacional para captar os votos dos trabalhadores; o voto no Brexit foi essencialmente um voto de protesto contra o Partido Conservador, a UE e as políticas de austeridade. Estes e outros resultados não significam, por isso, uma viragem clara para o fascismo. São antes um momento do período de polarização social e reorganização política que estamos a atravessar. Obviamente que são resultados preocupantes mas, antes de mais, devem servir para alertar a esquerda de que, salvo raras excepções, ela não é vista como uma alternativa credível pelas classes que diz representar.
Apesar dos crimes de ódio terem aumentado por todo o Mundo, não existem ainda ataques sistemáticos de bandos fascistas contra a esquerda e os sindicatos. Por todo o lado continuamos a ver os trabalhadores e jovens a protestar em massa. Mesmo em países onde a ameaça fascista é maior, como no Brasil, o movimento dos trabalhadores e os movimentos sociais conseguem manifestar-se em massa e associar-se livremente. As organizações de trabalhadores ainda têm capacidade de lutar, apesar de o aumento dos homicídios políticos após a 1ª volta das eleições ser um dado a ter em conta.
É, por tudo isto, impossível concluir, por exemplo, que a eleição de Bolsonaro, só por si, instaure o fascismo por decreto no Brasil. Será necessário esmagar movimentos como o Movimento dos Sem Terra, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, os grandes sindicatos, etc. A tarefa principal da esquerda neste período será então discutir como resistir e construir as estruturas necessárias para o fazer.
Luta anti-fascista
A luta contra a extrema-direita é, acima de tudo, uma luta política. Temos que combater, não apenas as organizações de extrema-direita, mas as condições que tornam possível o seu crescimento. Por isso é crucial, antes de mais, a construção de uma organização forte, credível e com um programa que responda às necessidades dos trabalhadores e dos jovens.
À demagogia e populismo devemos responder com medidas radicais, que ataquem a desigualdade social e económica nas suas raízes; à opressão das minorias devemos responder com solidariedade de classe e autodefesa; e ao nacionalismo devemos responder com a solidariedade internacionalista. Ao fascismo, respondemos com o socialismo.
O combate a estas organizações não deve seguir receitas pré-definidas, mas deve ter vários factores em conta, a correlação de forças num dado momento e o tipo de confronto em causa. Por exemplo, recusar debater com políticos populistas e de extrema-direita porque “com fascistas não se discute” pode ter custos elevados, uma vez que a consciência de classe dos trabalhadores ainda está em formação e a comunicação social, tradicional ou nas redes sociais, continua a ser detida pela burguesia e a ter uma grande influência. Em debates, a esquerda — estando armada com uma análise de classe — consegue desmascarar politicamente estas forças, que são anti-trabalhadores, e desmascarar individualmente estes políticos, muitos deles corruptos e que vivem do sistema.
No entanto, quando o evento é apenas um palco para o discurso de ódio e propagação desta ideologia, a esquerda deve procurar impedir a sua realização. Nesta categoria entram as marchas, concentrações e até as supostas conferências académicas que são utilizadas para dar púlpito a assumidas personalidades de extrema-direita. Como impedir a sua realização? Através da mobilização de trabalhadores e jovens para bloquear os locais onde estas se irão realizar ou impedir a sua passagem. É preciso deixar claro aos fascistas que esses espaços não lhes pertencem.
Estas mobilizações devem ser organizadas por comités anti-fascistas que discutam, entre outras coisas, a segurança de manifestantes, minorias e activistas em geral. Defendemos que a principal tarefa destes comités, no momento presente, é garantir a participação e politização do máximo de trabalhadores e jovens em mobilizações anti-fascistas. Enquanto marxistas, não somos pacifistas, reivindicamos o direito à autodefesa, mas devemos pensar essa defesa de forma táctica. As pequenas escaramuças de rua, mesmo quando as forças fascistas são derrotadas, não permitem a mobilização de novas e mais vastas camadas da classe trabalhadora. Estes confrontos podem até apartar uma parte significativa da nossa classe e tendem a eclipsar o trabalho político de partidos e sindicatos. Isto significa que, apesar de eventuais benefícios a curto prazo, o confronto físico não pode ser uma táctica repetida artificialmente.
Lutar pelo Socialismo
Não existem atalhos para derrotar definitivamente as forças fascistas: apenas com o derrube do capitalismo e uma mudança radical nas relações sócio-económicas seremos capazes de eliminar as desigualdades que alimentam o fascismo. Por isso, a construção de um partido de massas dos trabalhadores é um passo incontornável na luta anti-fascista. Apenas uma organização massiva da classe trabalhadora terá a força para impor esta mudança e organizar uma sociedade socialista — verdadeiramente democrática, livre de exploração, livre de opressão e ecológica.