Não é um acaso que a abstenção tenha sido a vencedora na maioria das eleições europeias. A crise dos órgãos da democracia burguesa é internacional, e duas décadas de políticas de ataques aos direitos laborais e de cortes nos serviços e no investimento públicos deixaram a sua marca na memória dos trabalhadores e da juventude. Em massa, a classe trabalhadora nunca votará numa força incapaz de apresentar uma alternativa radicalmente diferente à União Europeia. Para o fazer, um partido de trabalhadores precisa de ter bem claro quais são as bases materiais da UE, que contradições do capitalismo expressa, que contradições internas a atravessam e, por fim, que utilidade têm os assentos no Parlamento Europeu (PE) para explorar todas essas contradições a favor da revolução.

A base económica da União Europeia

Uma das contradições centrais do capitalismo existe entre a crescente socialização da produção e a propriedade privada dos meios de produção. Hoje, quando numa única mercadoria está contido o trabalho de centenas de milhar de trabalhadores espalhados por dezenas de países, o controlo privado da produção gera o caos económico e, em última instância, comporta um limite ao desenvolvimento das próprias forças produtivas. O imperialismo, como estágio em que o capital transborda as fronteiras nacionais e as burguesias entram em competição sangrenta por matérias-primas e mercados em todo o globo, é a forma mais elevada desta contradição em capitalismo, é a base económica de ambas as guerras mundiais, e igualmente a base da UE.

No pós-guerra, as principais economias do velho continente — acima de tudo a alemã, a inglesa e a francesa — foram gradualmente empurradas para uma “comunidade económica” pela pressão competitiva de economias como os EUA, a China, o Japão ou a Rússia. A “união” existe como tentativa de prosseguir a socialização da produção sem abolir a propriedade privada, de ultrapassar os limites do Estado nacional sem o dissolver, e de conseguir tudo isto sem estabelecer relações de dominação militar entre países europeus.

A grande recessão de 2008 só veio mais uma vez demonstrar que esta tentativa é completamente frustrada. Na impossibilidade de gerir as contradições do modo de produção de outra forma, as burguesias mais poderosas continuarão a usar os velhos métodos imperialistas. O esmagamento em iguais partes brutal e pedagógico do Syriza e das suas quimeras reformistas mostrou novamente aquilo que os marxistas explicam desde Lenin: “Os Estados Unidos da Europa, no capitalismo, equivalem ao acordo sobre a partilha das colónias. Mas no capitalismo é impossível outra base, outro princípio de partilha que não seja a força.”

Uma nova recessão trará convulsões sociais muito mais violentas do que a anterior porque a burguesia esgotou todas as medidas contra-cíclicas. As burguesias alemã, inglesa e francesa serão bonecas de trapos perante o furacão que o capitalismo pôs em marcha. Em primeiro lugar, serão comprimidas na unidade europeia pela força das maiores potências económicas exteriores.

Em segundo lugar, pela força das contradições de interesses entre si, serão lançadas numa luta de morte pelo domínio da “união”, que será cada vez mais abertamente colonial. E esta luta, como se vai aclarando, favorece uma vitória germânica — a Alemanha arrastará pelos tornozelos a Inglaterra, a França, a Itália, a Espanha e todas as suas outras “irmãs” europeias.

Por último — e este é o maior problema —, os capitalistas terão de enfrentar, a cada passo, o proletariado, a classe revolucionária.

A queda da máscara progressista

As burguesias de todo o mundo montaram uma virulenta ofensiva ideológica contra a União Soviética e todo o bloco das economias planificadas. A transformação da Comunidade Económica Europeia em UE acontece no momento mais alto e triunfal desta ofensiva: os anos imediatamente seguintes à restauração do capitalismo na Rússia.

Sem cessar no combate encarniçado contra os trabalhadores, as burguesias europeias usaram todos os meios para apresentar cada conquista do proletariado, por mais pequena que fosse, como uma qualidade inerente ao “mercado livre” e, posteriormente, à UE.

Esta máscara progressista da UE, que levou décadas a montar, está condenada a cair. A nova crise capitalista implicará políticas de rebaixamento das condições de vida de centenas de milhões de trabalhadores na tentativa desesperada de salvar os lucros. O mais terrível desafio da UE é precisamente o de lançar um ataque sem precedentes contra o proletariado sem provocar uma revolução que muito rapidamente se tornaria europeia.

Os últimos desenvolvimentos políticos na Europa — como o movimento dos coletes amarelos, as mobilizações de massas no Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, os protestos estudantis pelo clima e incontáveis greves —, já deixaram clara a resposta dos trabalhadores e da juventude a novos ataques.

As divisões na UE são o reflexo de divisões profundas no seio da classe dominante, que olha para o futuro indecisa e temerosa. O Brexit, arrastando-se interminavelmente, fez da obtusa expressão facial de Theresa May a imagem desta indecisão. Mas o mais importante sintoma das divisões burguesas é o fortalecimento da extrema-direita. Ela é a voz de partes cada vez mais significativa das várias burguesias nacionais que, cientes das consequências políticas da próxima crise, defendem desde já uma atitude de guerra aberta à classe operária e de esmagamento de todas as suas conquistas.

E ainda que a extrema-direita de vários países, para consolidar uma base social, se tenha apoiado no ódio das massas populares à UE ou buscado financiamento e apoio fora da Europa, ela representa sectores de burguesias nacionais que não têm qualquer alternativa real à UE. De resto, o seu programa é perfeitamente conciliável com a permanência. Uma estrutura supranacional de órgãos de poder burguês que afoga centenas de milhares de vidas no Mediterrâneo, que resulta de décadas de corrupção, pilhagens e guerra — acima de tudo, guerra contra o proletariado internacional — não é alheia a nenhum aspecto do programa político da extrema-direita.

Nem capitalismo europeu nem capitalismo nacional…

Perante a reacção, os reformistas fazem o que fizeram durante toda a história do movimento operário e socialista: opõem-lhe a democracia burguesa.

Em Portugal, o PS fá-lo com um programa nauseante de defesa intransigente da UE como consubstanciação dos “valores democráticos”, mesmo depois dos anos de miséria da Troika, da crise grega, da crise catalã, da participação nas guerras imperialistas e da consequente crise de refugiados. A social-democracia, como uma melga à cabeçada numa lâmpada eléctrica, insistirá neste curso até à morte.

Na outra ala do reformismo, o PCP procura os “valores democráticos” no Estado nacional e levanta um programa de “retorno” à “soberania” que, como é intrínseco a todas as estirpes de reformismo, não só ignora o carácter de classe do Estado como ignora ainda, olimpicamente, todo o processo histórico de formação da UE. O seu programa soberanista esgota-se na proposta de “preparação” da saída da moeda única, permanecendo ainda na UE!

O BE, por sua vez, oscila entre ambas as alas do reformismo. Marisa Matias, quando questionada sobre a moeda única, não foi além da defesa de “uma reforma profunda” que garanta uma moeda “ao serviço de todas as economias e não apenas da economia alemã”. Esta posição é utópica tanto por ser impossível como por ser completamente livre de qualquer plano de execução.

Ambas as forças da esquerda, no entanto, falham fundamentalmente na própria abordagem às eleições. Como todos os parlamentos burgueses, o PE é a fachada democrática da ditadura do capital. E é um órgão sem poderes reais. Discorrer longamente sobre medidas progressistas a ser tomadas no PE — em defesa de saúde, educação, emprego, etc. —, como se este fosse um espaço de decisão, e ainda fazer esforços para legitimá-lo ou exagerar os seus poderes, é espalhar ilusões sobre o carácter da UE, é atirar areia aos olhos dos trabalhadores.

… socialismo e internacionalismo proletário!

O programa de um partido de trabalhadores tem de centrar-se na independência da classe trabalhadora face a todas as outras classes, e basear-se unicamente na força das organizações operárias. No PE, a função de um representante do proletariado é desmascarar o carácter burguês e reaccionário da UE e agitar os trabalhadores de toda a Europa na luta contra as burguesias europeias.

Não há solução para os problemas dos trabalhadores e da juventude dentro de órgãos criados para servir o capital financeiro. A única “preparação” possível para sair do Euro e da própria UE (porque uma coisa é impossível sem a outra) é um plano consequente de luta das organizações sindicais e políticas de trabalhadores, entre as quais se contam a CGTP, o PCP e o BE, actuando numa frente unida — pela expropriação da banca, de todos os monopólios e de todas as empresas chave da economia sob controlo dos trabalhadores, não só para impedir a fuga de capitais como para impedir a sabotagem económica. E este plano de luta nunca poderá fazer-se com o objectivo de “retorno” a uma “soberania” idealizada. Ele só é possível com o mais pleno internacionalismo, mobilizando activamente a solidariedade do proletariado internacional.

Entrámos num período de revolução e contra-revolução. A classe trabalhadora luta com todas as armas que tem e, quando necessário, improvisa novas armas no calor dos acontecimentos, mostrando a cada momento da luta de classes estar muito acima dos seus dirigentes. Um programa revolucionário, baseado unicamente na força e nos métodos do proletariado internacional, é o único caminho para derrotar tanto as políticas liberais como a extrema-direita e pôr em marcha a revolução europeia.

 

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