A cada sábado desde 17 de Novembro de 2018, as ruas de Paris e de outras cidades por toda a França enchem-se de manifestantes que bloqueiam estradas e boicotam portagens.

O aumento dos impostos sobre combustíveis, que se somou ao aumento de 23% no preço dos combustíveis, e que se estima afectar directamente 17 milhões de pessoas, foi a centelha para que a indignação popular latente explodisse.

As exigências iniciais dos Coletes Amarelos — centradas nos impostos sobre os combustíveis — foram ultrapassadas, ampliando-se ao aumento do salário mínimo, à taxação das grandes fortunas e à demissão do presidente Emmanuel Macron, já comparado por alguns manifestantes ao guilhotinado Luís XVI.

Segundo as sondagens, no final de 2018, não menos de 80% da população francesa apoiava o movimento! Ciente disto, Macron cancelou o aumento do imposto sobre combustíveis e anunciou um aumento do salário mínimo em 100€ através de um subsídio às empresas — ou seja, anunciou um aumento de salários que não tocou nos lucros da burguesia e que, em última análise, significa um corte no salário indirecto (serviços públicos).

Esta medida foi inútil tanto para a classe trabalhadora e camadas empobrecidas como para o próprio Macron. Embora os números de manifestantes tenham de facto decrescido com o desgaste inevitável depois de mais de 5 meses de luta ininterrupta, o movimento continua!

O carácter proletário do movimento

Desde o seu início que este movimento desencadeou uma discussão à esquerda sobre a sua natureza de classe, com aqueles que o defendem como progressista e aqueles que o acusam de ser um movimento reaccionário.

Em movimentos tão massivos como este, os manifestantes não podem ser de uma única classe social. É inegável que a pequena-burguesia e os trabalhadores das pequenas localidades foram os mais directamente afectados pela subida dos combustíveis e, portanto, foram quem iniciou o movimento, impondo a sua marca nas primeiras exigências.

A presidente do partido de extrema-direita Rassemblement National, Marine Le Pen, assim como o italiano Matteo Salvini e outros líderes da extrema-direita pela Europa, apoiou os protestos tanto por oportunismo como numa genuína tentativa de explorar algum potencial reaccionário no movimento.

Isto serviu de base a uma análise superficial que pretende ver nas manobras da extrema-direita uma prova acabada do carácter reaccionário dos coletes amarelos. Isto só reflecte os medos das burocracias sindicais e das camadas mais cultas e confortáveis da pequena-burguesia, que olham com total desprezo e desconfiança para todos os levantamentos populares. Se fosse de outra forma, mesmo mantendo a superficialidade da análise, dar-se-ia muito mais peso à brutal repressão com que o Estado burguês respondeu ao movimento — já há mais de oito mil detidos! —, facilitada pelo “estado de excepção” decretado pelo anterior presidente, François Hollande, do Partido Socialista francês.

Esses que, à esquerda, declaram os coletes amarelos “reaccionários” são os mesmos que só conseguem ver no independentismo catalão, na oposição à UE, nas greves dos enfermeiros e dos condutores de matérias perigosas e em tudo o que se mexe fora da ordem burguesa a “reacção” e o diabo. Não fazem mais do que expôr os seus preconceitos pequeno-burgueses, a sua permeabilidade à “opinião pública” burguesa, à imprensa e a todos os meios de comunicação social da classe dominante.

Os marxistas não se podem deixar impressionar por nada disto. Uma análise dialéctica que, antes de mais, toma os fenómenos na sua totalidade e no seu processo perpétuo de transformação, permite extrair do desdobramento desse processo até ao momento actual uma tendência geral.

Olhando para o que se passou desde Novembro até hoje, sabemos que a tendência geral dos coletes amarelos foi demonstrada uma e outra vez: com a expulsão física de manifestantes fascistas; com o impacto do movimento sobre os sindicatos, enfraquecendo as burocracias e animando as bases; com a reacção imediata de solidariedade que a enorme massa de coletes amarelos demonstrou perante a marcha feminista de 8 de Março; e, acima de tudo, com a formação de assembleias que ecoam os conselhos de trabalhadores (sovietes) da melhor forma possível apesar das direcções actuais do movimento operário.

Tudo isto mostra como os coletes amarelos estão à esquerda das direcções reformistas políticas e sindicais. Este é um movimento de massas essencialmente marcado pela sua composição e pelo seu carácter proletário, que coloca na ordem do dia a transformação revolucionária da sociedade!

A actuação das burocracias

As burocracias sindicais atacaram o movimento antes mesmo da primeira manifestação. A direcção da Confédération Générale du Travail (CGT), principal central sindical do país, fez um comunicado acusando os coletes amarelos de ser de extrema-direita. Mas em menos de um mês, os estudantes já se juntavam aos protestos ocupando centenas de escolas e universidades, os pensionistas arriscavam-se também nas ruas e, como era inevitável, largos sectores da classe trabalhadora, entre os quais estavam imensos trabalhadores sindicalizados, vestiam também o colete amarelo.

Para salvar a cara, a burocracia da CGT convocou greves em vários sectores, e no terceiro sábado de protestos, em cidades como Toulouse, Rouen e Marselha, a manifestação sindical fundiu-se à convocada pelos coletes amarelos, apesar de todos os esforços das burocracias.

Assim, um movimento que havia sido iniciado pela pequena-burguesia e trabalhadores rurais foi quase imediatamente tomado pela classe trabalhadora, e as suas reivindicações avançaram a uma velocidade impressionante.
A pressão das bases sindicais tornou-se de tal maneira forte que a CGT convocou finalmente uma greve geral de 24 horas para o dia 5 de Fevereiro. A classe trabalhadora encheu as ruas de Paris e a CGT foi pela segunda vez obrigada a convocar greve geral, desta vez a 19 de Março. Nos bloqueios de rotundas passaram a estar as faixas de sindicatos.

A principal preocupação das burocracias é agora manter os trabalhadores longe das assembleias de coletes amarelos que se formam em várias localidades e chegaram já a organizar por duas vezes uma Assembleia de Assembleias com delegações vindas de todo o país. Se estes órgãos se encontram ainda em forma embrionária, é acima de tudo por não estarem organicamente ligados aos locais de trabalho, o que dificulta que se constituam como órgãos de poder proletário e inaugurem um período de duplo poder. E se as burocracias sindicais têm uma enorme quota de responsabilidade nesta desarticulação, elas não fazem mais do que aquilo que se espera de burocracias. O papel decisivo tem de ser jogado por uma direcção política revolucionária.

A crise da direcção revolucionária

Durante o último mês, a quantidade de manifestantes tem diminuído, alcançando agora apenas alguns milhares, quando no início eram centenas de milhares só em Paris. No sábado após o incêndio de Notre-Dame o número de manifestantes por toda a França voltou a contar-se perto dos trinta mil, criticando desta vez a hipocrisia das doações milionárias para a reconstrução da catedral, mas no fim-de-semana seguinte houve as mais pequenas manifestações desde Novembro.

É impossível um movimento permanecer em ebulição sem vitórias. As massas estão a perder o fôlego, e existe o perigo cada vez maior de os elementos alheios à classe trabalhadora ganharem expressão. Mas o movimento elevou a consciência e a experiência de uma nova camada de trabalhadores na luta anti-capitalista, e não pode ser reduzido apenas a manifestações de rua.

No fim-de-semana de 5 a 7 de Abril realizou-se em St. Nazaire, a 2ª Assembleia das Assembleias dos coletes amarelos, contou com a participação de 800 delegados representando cerca de dez mil coletes amarelos por todo o país. Na declaração aprovada pode ler-se a condenação da violência estatal e a exigência de libertação imediata de todos os manifestantes presos; a expansão das reivindicações iniciais de melhores condições de vida e de recuperação de direitos e liberdades, o fim de todas as formas de discriminação e desigualdades e, contundentemente, a afirmação da necessidade de sair do capitalismo. Uma nova Assembleia de Assembleias está marcada para o mês de Junho.

O facto de este movimento avançar para tentativas de construção de uma estrutura de órgãos de decisão verdadeiramente democráticos e de, nesse esforço, expressar um programa anti-capitalista, deixa claro o potencial revolucionário que contém.

Só a ausência de uma direcção que apresente um programa revolucionário a todo o movimento poderá explicar uma eventual derrota ou desvirtuação deste magnífico, criativo e prolongado levantamento das massas em França! Mais uma vez se demonstra que a tarefa que se coloca aos marxistas é a de construir uma direcção revolucionária temperada na luta e capaz de actuar no momento crucial com o apoio e a confiança das massas para a conquista do poder. O movimento dos coletes amarelos é nada menos do que um prenúncio da revolução europeia.

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