As pessoas trans da classe trabalhadora são discriminadas no acesso ao trabalho, à saúde, à educação e à habitação. São assediadas na via pública inclusivamente pela polícia e estão sob constante risco de violência física nas mais variadas situações da vida.

A nível mundial, entre outubro de 2020 e setembro de 2021 foram mortas 375 pessoas trans, um aumento de 7% relativamente a 2020. O Brasil é o país onde são assassinadas mais pessoas trans, seguido do México e EUA. 96% destas pessoas eram mulheres trans. A idade média das pessoas trans mortas é de 30 anos. Claro que estes números oficiais raramente representam a total magnitude das pessoas trans assassinadas.

A pobreza e a precariedade a que estão sujeitas as pessoas trans empurra-as para situações de violência extrema, inclusivamente a prostituição e até a morte. 58% das pessoas trans assassinadas eram pessoas prostituídas e a maioria mulheres negras e não-brancas.

Para além disso, as políticas xenófobas que privam os imigrantes dos direitos mais básicos, reforçam o racismo que cai sobre a comunidade trans e imigrante. Das mortes das pessoas trans na Europa, 43% eram pessoas trans imigrantes.

O sistema de educação continua, ano após ano, sem reformas significativas no seu programa. Não há educação sexual inclusiva, os conteúdos continuam a ser em grande parte machistas, homofóbicos e racistas. Mais ainda, as agressões racistas, homofóbicas e transfóbicas são repetidamente ignoradas pelas direções das escolas e universidades.

Se as queixas de violência machista são sistematicamente ignoradas pela polícia e pelo sistema judicial, claro está, que todas as denúncias feitas por pessoas LGBTI+ também o são.

A maior parte das pessoas trans e não-binárias já passou por pelo menos um episódio de discriminação em contexto médico. Há também dificuldade em ter acesso a procedimentos hormonais e cirúrgicos que sejam necessários, as listas de espera para consultas são intermináveis, médicos transfriendly que apenas trabalham em pontos específicos do país… O contínuo desinvestimento no SNS reforça os obstáculos no acesso ao SNS de pessoas trans e não-binárias.

Não é por acaso que as pessoas trans e não binárias têm tantos problemas de saúde mental, consequência de toda a violência a que são quotidianamente expostas. Há uma grande falta de psicólogos no SNS e dos poucos psicólogos que existem muitos têm práticas transfóbicas, impedindo que milhares de jovens de classe trabalhadora tenham acesso a apoio psicológico e a uma recuperação.

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O contínuo desinvestimento no SNS reforça os obstáculos no acesso ao SNS de pessoas trans e não-binárias.

Desafiando as normas da sociedade capitalista e patriarcal

As pessoas trans e pessoas não-binárias entram em choque direto com a ideologia da família burguesa — a família nuclear, heterossexual e patriarcal —, tão essencial para o funcionamento do capitalismo. O nosso sofrimento, ao contrário do que nos querem fazer crer, não é inerente à nossa orientação sexual ou identidade de género, e não pode ser evitada com “terapias de conversão” ou “cura gay”. O sofrimento é resultado direto da violência a que estamos submetidas diariamente por não encaixar nos modelos capitalistas de sexualidade, de género e de família.

E é por isso que os governos capitalistas jamais poderão combater o machismo, a LGBTIfobia e o racismo de forma consequente. A completa libertação das pessoas LGBTI+ significa um ataque direto ao que há de mais fundamental neste sistema, a reprodução do modelo patriarcal da família e, consequentemente, a manutenção da propriedade privada e os privilégios que dela resultam.

Por isto mesmo, somos atacadas diariamente e publicamente na comunicação social com toda a impunidade, como se viu recentemente relativamente ao protesto da atriz trans Keyla Brasil ou no verão do ano passado.

Sob o argumento hipócrita da “liberdade de expressão”, cronistas, jornalistas, “comentadores”, “analistas”, humoristas e todo o tipo de opinadores têm espaço na grande comunicação social para lançar ataques contra pessoas que estão entre as mais violentadas em capitalismo. Mesmo figuras que se dizem de esquerda embarcam nestas campanhas ou tentando acalmar os ânimos ou participando igualmente do ataque.

A verdade é que por todo o mundo, milhares de pessoas trans são condenadas a uma vida de pobreza, empurradas para a prostituição, agredidas, violadas, assassinadas. Dar espaço ao discurso que temos visto na comunicação social em Portugal — onde tentam humilhar-nos e vilanizar-nos, bem como ao nosso movimento — tem consequências muito reais.

Não é coincidência que a extrema-direita avance tão furiosamente para se organizar e ocupar as ruas, atacando mulheres, negros, imigrantes e pessoas LGBTI+, defendendo o ideal burguês de família, chamando-nos doentes e imorais, e preparando-se para, à primeira oportunidade, tirar-nos todos os direitos que conquistámos com décadas de luta.

A extrema-direita e os fascistas exigem a nossa resposta contundente. Não há nenhuma forma de derrotar a ofensiva reacionária sem ação revolucionária da nossa parte. A história deixou isto claro vez após vez, e já o fez também especificamente em relação à opressão das pessoas LGBTI+. Quem tem de viver escondido e com medo é a extrema-direita e todos os fascistas!

Transfobia nas organizações de esquerda

Como se já não bastasse a violência perpetrada pelos capitalistas, fascistas e familiares homofóbicos e transfóbicos, vários coletivos e organizações de esquerda e que se declaram feministas e abolicionistas têm discursos transfóbicos e reacionários.

Argumentos tais como que a defesa dos direitos trans coloca os direitos das mulheres cis em segundo plano, ou de que o uso de casas-de-banho por mulheres trans será uma ferramenta de abuso para mulheres cis... Bem sabemos que os machistas não precisam de mudar a sua forma de vestir para assediar e violentar mulheres.

Estas argumentações são simplesmente falaciosas, completamente desligadas da realidade e demonstram um total desprezo pela opressão e violência que sofrem as pessoas trans e não binárias e as mulheres cis.

As feministas que se opõem a unir-se aos nossos irmãos e irmãs de classe devem ser combatidas. As suas reivindicações não são feminismo anti-capitalista e revolucionário, são mais uma das representações do feminismo pequeno-burguês.

Precisamos de ter muito claro que estes ataques formam parte de uma reação aos avanços e à radicalização na nossa luta internacionalmente. É por temer a força do movimento feminista e LGBTI+, e o seu potencial revolucionário, que estes transfóbicos nos atacam tão desesperadamente. Não nos deixemos enganar: juntamente com a nossa classe, somos a esmagadora maioria e temos muito mais força do que eles.

A nossa solidariedade estabelece-se por linhas de classe, independentemente do género, raça ou nacionalidade. As pessoas trans não são a fonte da nossa opressão, pelo contrário estão do mesmo lado da barricada.

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A juventude LGBTI+ não tem voltado ao armário a esconder-se, mas tem saído às ruas a reivindicar os seus direitos com unhas e dentes.

Movimento Trans Revolucionário

Apesar de todos estes ataques, a juventude LGBTI+ não tem voltado ao armário a esconder-se, mas tem saído às ruas a reivindicar os seus direitos com unhas e dentes.

Defendemos que a única forma de conquistar direitos para as pessoas trans e pessoas LGBTI, para a classe trabalhadora e a juventude é enfrentar a direita e extrema-direita, o Estado burguês e os capitalistas nos locais de trabalho, nos bairros e nas escolas. 

Todas as vitórias alcançadas, como a lei da auto-determinação em Portugal, foram vitórias da luta da juventude e da classe trabalhadora. Mas esta vitória ainda está por se concretizar, porque as pessoas trans e não binárias continuam expostas à exploração e violência.

A auto-determinação só será uma realidade quando nenhuma pessoa trans ou não-binária se veja obrigada a prostituir-se para sobreviver, que o SNS seja de facto de acesso gratuito e de qualidade, que se tenha acesso a profissionais de saúde que reconheçam a sua identidade e que façam um acompanhamento médico para colmatar todas as suas necessidades, que as escolas sejam espaço onde possam expressar-se e que o acesso a habitação pública e de qualidade seja uma garantia… Sem estas necessidades materiais colmatadas, estas leis são apenas palavras em papel molhado.

As camadas mais oprimidas da nossa classe lideraram o início do movimento LGBTI+. Neste momento em que os capitalistas e os seus capatazes tentam descafeinar a nossa luta, e transformá-la em festa e lucro, é cada vez mais urgente recuperar o espírito da revolta de Stonewall.

A nossa opressão e exploração são indissociáveis da exploração capitalista, da opressão das mulheres, do racismo e de todas as formas de opressão que são produzidas por este mesmo sistema. Contra o inimigo comum, há que construir uma frente comum de luta. A luta das pessoas LGBTI+ é a luta de toda a classe trabalhadora, é a luta pelo socialismo!

JORNAL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA

JORNAL DA LIVRES E COMBATIVAS

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