Uma das formas mais brutais de violência machista é a compra e venda de mulheres — a prostituição.

Em Portugal, com o crescimento explosivo do turismo, a prostituição tornou-se um negócio apetecível para os capitalistas nacionais e por isso temos assistido, nos últimos anos, a uma pressão crescente para a legalização do proxenetismo e dos bordéis. Esta política de legalização do proxenetismo já conta inclusivamente com defensores que se apresentam como sendo de “esquerda” e “feministas”.

Apoiar ou simplesmente manter o silêncio sobre a legalização do proxenetismo é compactuar com um ataque não só às mulheres pobres como a toda a classe trabalhadora e a todos os oprimidos.

Quem são as mulheres prostituídas?

À imensa rede internacional de empresas (legais e ilegais) que lucram com a compra e venda de mulheres e ao mercado que existe para esse negócio tem sido dado o nome de “sistema prostitucional”. Este sistema é todo um sector da economia capitalista, uma indústria de pleno direito, tal como a das drogas ou a das armas, que funcionam com variadíssimas situações legais de Estado para Estado e envolve processos como os da captura de mullheres e crianças, da sua redução a mercadorias através de todos os tipos de violência física e psicológica, do seu transporte internacional, até mesmo de marketing1. Como os restantes sectores da economia capitalista, também o sistema prostitucional se sofisticou com o desenvolvimento do modo de produção, e é hoje uma máquina colossal de exploração que consome os corpos e as vidas de milhões e milhões de mulheres e crianças por todo o mundo. E por necessidades inerentes ao “negócio”, o sistema funciona quase exclusivamente em regime de escravatura e, por isso mesmo, estreitamente relacionado com o tráfico humano e as modernas rotas de comércio de escravos — mais especificamente de mulheres e crianças que são também elas prostituídas.

À escala mundial, sabemos que cerca de 90% das mulheres prostituídas vivem em indigência e querem sair da prostituição, que 75% destas mulheres já foram sem-abrigo, que têm entre 60 a 100 vezes maior probabilidade de ser assassinadas do que as restantes mulheres, que 71% já sofreram agressões físicas, que todas estão expostas às doenças dos seus “clientes” e que, consequentemente, 68% apresentam sintomas de stress pós-traumático2 — em certos casos, sintomas iguais aos que se encontram em vítimas de guerra.

Isto é expectável quando se entende a prostituição como a sistematização e comercialização da violação. O que distingue um violador de um putanheiro — um consumidor de prostituição — é unicamente uma transacção comercial, e não raras vezes esta pequena diferença também se dissolve, posto que mais de 60% das mulheres prostituídas já foi violada no sentido estrito (i.e., não recebeu qualquer pagamento). O dinheiro deste comércio, seja como for, vai na sua totalidade parar aos bolsos dos proxenetas que operam com todo o tipo de esquemas para manter as mulheres em dívida permanente, na dependência de drogas e sob ameaça de agressão, deportação ou até morte. É por isso que é impossível economizar e é tão difícil sair do sistema prostitucional.

A última década de crise capitalista e políticas de ataque aos trabalhadores, especialmente a liberalização do mercado imobiliário, significaram um aumento da pobreza e da prostituição em formas muito diversas. Hoje, em Portugal, sabemos da existência de senhorios que aceitam o pagamento da renda em “serviços sexuais”, e até de senhorios tornados proxenetas que transformaram a sua propriedade em bordéis onde as mulheres vivem a troco de serem violadas pelo próprio senhorio e pelos seus “clientes”.

Também entre as estudantes universitárias novas formas de prostituição como o camming — a prostituição feita através de uma webcam em websites criados para o efeito ou em chats e redes sociais — são cada vez mais comuns para pagar as propinas e a renda. Estas novas formas coexistem agora com as que já existiam, como a dos chamados sugar daddies, os homens burgueses ou pequeno-burgueses endinheirados que financiam os estudos de uma jovem pobre a troco de acesso ao seu corpo — e que agora o podem fazer em aplicações e websites desenhados especificamente para o efeito. O sistema prostitucional floresce na pobreza e na desigualdade social, sempre recorrendo a toda a tecnologia disponível.

As mulheres prostituídas são, portanto, mulheres que a pobreza e a violência machista fizeram cair nas mãos de homens (e por vezes até de outras mulheres) que têm o capital ou o dinheiro necessários para as explorar no sistema prostitucional. Já a ínfima minoria de pessoas que “presta serviços sexuais” fora do sistema prostitucional — sob condições de independência económica — constitui uma camada social completamente distinta, uma camada pequeno-burguesa de artesãos do sexo. E essa camada pequeno-burguesa não só não representa de maneira alguma as mulheres prostituídas como, em última análise, tem interesses antagónicos aos destas mulheres.

O proxenetismo e a esquerda reformista

Hoje, a venda e compra de mulheres é um dos mais lucrativos negócios do mundo. Assim se entende o lobby proxeneta que avança também em Portugal. Os modernos traficantes e senhores de escravas, os proxenetas pequenos ou grandes, os capitalistas, os senhorios, os sugar daddies e toda a estirpe de parasitas sociais, além dos putanheiros, querem fazer passar legislação que lhes permita actuar com o apoio do Estado burguês. 

O resultado, visível na Alemanha, é um crescimento explosivo do tráfico humano e da prostituição, dos bordéis e dos lucros. Se compararmos este país com a Suécia — onde, sob o chamado “modelo sueco” ou “modelo nórdico”, as mulheres prostituídas não são criminalizadas, mas os proxenetas e os consumidores sim — vemos que a Alemanha, com cerca de 10 vezes a população da Suécia, tem mais de 60 vezes o seu número de mulheres prostituídas,3 e em condições iguais às da ilegalidade. A legalização dos proxenetas causa unicamente a expansão do sector.

A “esquerda” que alinha com este lobby é a mesma que tem os seus dirigentes envolvidos em negócios de bares nocturnos, discotecas, drogas e prostituição tal como os tem envolvidos em especulação imobiliária. Pretendem convencer-nos que a “regulamentação” do Estado será feita no sentido de proteger as mulheres prostituídas, e ainda que tornar a prostituição “um trabalho como qualquer outro” é a forma de dissolver o “estigma” que sofrem as mulheres prostituídas. Além disto, esforçam-se por apresentar as abolicionistas — as feministas que lutam pela abolição da prostituição — como proibicionistas, ou seja, como apoiantes da criminalização e perseguição das mulheres prostituídas, fazendo equivaler da forma mais desonesta o programa revolucionário ao programa conservador de violência contra as mulheres. Estes argumentos não fazem mais do que expor a degeneração política desta “esquerda” defensora de proxenetas e putanheiros.

Em primeiro lugar, há que perguntar: quando, em toda a história do capitalismo, é que o Estado burguês melhorou as condições de trabalho da classe trabalhadora através da regulamentação de um sector? Vez após vez, sempre que um novo sector económico surge, sempre que um novo ramo industrial ou novas necessidades sociais são criadas, o Estado combate com todo o seu aparelho repressivo a organização dos trabalhadores e procura, através das condições do novo sector, rebaixar as dos restantes sectores. Em absolutamente toda a história deste sistema, a única força que garantiu a mais ínfima melhoria das condições de trabalho dos explorados foi a classe trabalhadora organizada. O Estado não é neutro, é burguês. A regulamentação da prostituição, a ser feita em Portugal, será com os capitalistas da indústria da prostituição e da pornografia a ser tratados como os capitalistas da mineração que continuam a desrespeitar normas ambientais e de segurança, como os grandes latifundiários que continuam a empregar força-de-trabalho escrava na agricultura. Haverá maior demonstração de falência política do que apresentar o Estado burguês como garante de segurança justamente quando este tem a sua natureza de classe mais exposta — quando os governos preservam um código laboral de precariedade, alimentam a especulação imobiliária e arruínam os serviços públicos com subinvestimento enquanto salvam bancos privados?

Mais ainda, precisamente por não ser “trabalho”, a prostituição coloca problemas de organização distintos dos que surgem no trabalho assalariado. A organização de mulheres prostituídas está muito mais próxima da organização de escravos. As pessoas prostituídas e escravizadas não fazem greves porque não recebem salários, fazem revoltas porque são directa e fisicamente controladas pelos seus exploradores. É impossível lutar por melhores condições de violação ou de escravidão. Expectavelmente, o lobby proxeneta procura escamotear esta realidade, ignorando as mulheres traficadas e escravizadas pela prostituição enquanto apresenta como exemplo representativo a ínfima minoria de pequeno-burguesas que praticam “serviços sexuais” em condições qualitativamente diferentes. Os “sindicatos de prostitutas” não passam de sindicatos de proxenetas, financiados e politicamente dirigidos por capitalistas, arregimentando essa ínfima minoria de pequeno-burguesas como testa de ferro. Se estes grupos pudessem ser comparados a algum tipo de organização operária, essa organização seria o falso sindicato fundado e controlado pelos patrões.

Quanto ao estigma que sofrem as mulheres prostituídas, há que apontar o óbvio: não tem origem nas leis ou nas cabeças dos indivíduos, tem origem na realidade material, naquilo que efectivamente é o sistema prostitucional à escala nacional e internacional. A redução das mulheres a objectos sexuais é o próprio significado de prostituição — é exactamente nisso que consiste o sistema prostitucional — e essa redução tem necessariamente efeitos na consciência social. Uma sociedade onde se podem comprar mulheres é uma sociedade onde todas as mulheres — e não só as prostituídas — são forçosamente consideradas inferiores. Os efeitos da prostituição — e hoje, especialmente, os da prostituição filmada, a pornografia — na consciência da juventude e da classe trabalhadora são gigantescos e facilmente verificáveis. A disseminação de imagens pornográficas, imagens de objectificação ou mercadorização das mulheres como brinquedos sexuais — a chamada “pornificação” da cultura — dá-se hoje como nunca antes.

Um programa político feito a partir da posição da classe trabalhadora e das oprimidas só pode ser um programa abolicionista, um programa de combate à prostituição em todas as suas formas. Tal programa não tem nem a mais pequena semelhança com o programa reaccionário do proibicionismo, antes de mais porque este último consiste em declarar criminosas as vítimas do sistema prostitucional. Mais ainda, a posição abolicionista revolucionária que defendemos distingue-se de todas as outras porque tem por base a organização das mulheres e de toda a classe trabalhadora, e não a política parlamentar e as medidas do Estado burguês.

O feminismo revolucionário é abolicionista!

A luta contra o proxenetismo é parte indispensável da luta contra o capitalismo. A classe trabalhadora, com as mulheres à sua cabeça, tem não só de lutar por condições de trabalho e habitação que não forcem nenhuma mulher a prostituir-se, mas também de lutar com todas as forças para que traficantes de mulheres e proxenetas não desfrutem de um único direito, nem mesmo do direito a existir. E o trabalhador que consome prostituição não deve encontrar entre as organizações da nossa classe uma única gota de compreensão ou complacência, só a condenação que merece um traidor.

A solução para a prostituição, é necessário dizê-lo, não existe em capitalismo. A sua abolição é possível unicamente com uma economia planificada ao serviço das necessidades humanas e não do lucro e do “crescimento” capitalista. Só uma sociedade socialista pode criar as condições para que nenhuma mulher se veja obrigada a praticar actos sexuais por qualquer consideração que não seja sexual — ao contrário do que acontece hoje, em capitalismo, quando a maioria das mulheres precisa de reger a sua vida sexual por considerações económicas, seja na condição extrema de prostituta ou simplesmente na condição de esposa, namorada, filha, etc.

Desta impossibilidade de abolir a prostituição em capitalismo, no entanto, não se conclui que a luta pela sua abolição deva ser deixada para o futuro. A história já deixou bem claro que só a luta revolucionária consegue provocar mudanças. Mesmo as mais pequenas reformas dentro deste sistema foram resultado da luta organizada e revolucionária dos explorados e oprimidos. E como mostram as políticas reaccionárias dos governos dos mais variados países na última década e o crescimento da extrema-direita, do machismo e do racismo, todas as conquistas feitas em capitalismo estão sob o ataque permanente da classe dominante. É por isso que a luta contra a venda e compra de mulheres tem de fazer-se desde já e até às suas últimas consequências, com o programa revolucionário e anticapitalista, com os métodos e a força da classe trabalhadora e da juventude!

Somos mulheres, não mercadoria!

Viva a unidade da classe trabalhadora e da juventude contra o capitalismo e o patriarcado!

Está na hora da organização e da luta! Junta-te à Esquerda Revolucionária e à Livres e Combativas!

 


Notas:

1. Em países onde o proxenetismo foi legalizado, como a Alemanha, há mesmo cartazes publicitários anunciando as prostitutas mais baratas ou, como já se viu, publicidade a um pacote que inclui cachorro quente, cerveja e uma mulher. Mas o marketing do sistema prostitucional pode ver-se facilmente infiltrado até em campanhas publicitárias para destinos turísticos, sendo estas campanhas feitas por órgãos dos próprios Estados.

2. Melissa Farley, Ann Cotton, Jacqueline Lynne, Sybille Zumbeck, Frida Spiwak, Maria E. Reyes, Dinorah Alvarez, Ufuk Sezgin, “Prostitution and Trafficking in Nine Countries - An Update on Violence and Posttraumatic Stress Disorder”, Journal of Trauma Practice, volume 2 (2004): 33–74.

3. Seo-Young Cho, Axel Dreher, Eric Neumayer, “Does Legalized Prostitution Increase Human Trafficking?”, World Development, volume 41 (2013): 67–82.

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