As denúncias de assédio sexual e moral de três ex-investigadoras do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, que vieram a público na edição de 11 de abril do Diário de Notícias, voltaram a colocar na ordem do dia a violência machista e a falta de democracia no meio académico.

Um ano após a abertura de um suposto canal para denúncias por parte da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) — que, longe de acusar qualquer professor machista serviu para abrir um inquérito contra um professor denunciante — as acusações de assédio ao ex-diretor do CES não apanharam o meio académico conimbricense de surpresa. Ao longo dos anos foram vários os casos de assédio sexual e moral abafados, envolvendo Boaventura Sousa Santos e estudantes de doutoramento, em geral bolseiras estrangeiras.

O assédio e abuso de poder é banal no meio académico e na sociedade

Em quase todas as denúncias de assédio que chegam a público existe uma tónica que é comum: a impunidade de que gozam os professores catedráticos e investigadores principais. Com as suas carreiras académicas dependentes exclusivamente da vontade e poder de professores todo-poderosos, muitas estudantes — algumas que são hoje professoras e outras que foram forçadas a abandonar a academia — permaneceram caladas com medo das represálias.

Por um lado, a falta de democracia no meio académico, em que o poder se concentra em dois ou três professores, enquanto a grande maioria dos investigadores continuam entregues a bolsas precárias e mal pagas, propicia este tipo de violência e abuso. Por outro lado, a lógica produtivista do sistema capitalista impele os centros de investigação a comportarem-se tal e qual como qualquer empresa capitalista que procura o lucro — neste caso o financiamento — a todo o custo e que produzem artigos em catadupa para maximizarem as suas hipóteses de continuar os projetos de investigação.

Mas perante o avanço internacional do movimento feminista e o início do fim deste silêncio sobre machistas e abusadores, também as instituições do Estado burguês tiveram que se adaptar. Não podendo abafar por completo as denúncias tentam controlar a narrativa através de canais internos de denúncias que servem dois propósitos: fingir que se preocupam e abafar as acusações para que os agressores saiam impunes, uma vez mais.

Por isso mesmo não deixa de ser de uma hipocrisia tremenda que o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas venha a público pedir justiça “doa a quem doer”. Os mesmos que nada fizeram sobre as denúncias na FDUL e sobre outros casos correm agora a ficar bem na fotografia perante o coro de indignação dos estudantes.

Também a direita e a extrema-direita, sempre prontas a culpabilizar a mulher pela forma como se veste e a defender os violadores, tenta cavalgar estas denúncias contra Boaventura Sousa Santos e o CES. Estes machistas hipócritas pretendem utilizar este caso para atacar a esquerda como um todo. Sobre esta tentativa de aproveitamento político nós, das Livres e Combativas, denunciamos bem alto estes misóginos, racistas e lgbtifóbicos que atacam diariamente as mulheres da classe trabalhadora, negando-nos o acesso à saúde pública, despedindo mulheres grávidas e oprimindo as pessoas trans, não-binárias e não-brancas.

Mas queremos igualmente dizer que jamais a esquerda poderá tolerar machistas e agressores nas suas fileiras. Todos os casos devem ser denunciados. Qualquer tentativa de silenciamento das vítimas ou de encobrimento ou menorização de um caso de violência machista tem de ser igualmente combatido dentro da esquerda. O movimento feminista, o movimento dos trabalhadores e a esquerda em geral têm de estar na linha da frente na defesa dos direitos das mulheres, pessoas LGBTI e das minorias oprimidas. Por isso, recusamos por completo o argumento de que estas denúncias são “fazer o jogo da direita”. O que faz avançar a direita é uma esquerda fraca, cujos actos não correspondem ao discurso, e que se recusa a lutar com todas as forças contra este sistema machista e violento.

Só a luta organizada pode acabar com a violência machista

Não podemos esperar que sejam os próprios agressores ou os seus pares — quer seja na universidade, nos hospitais, na polícia, na igreja, etc. — a investigarem-se uns aos outros. Também as estruturas estatais não nos servem, uma vez que se apoiam precisamente nestas estruturas de poder para perpetuar a exploração de quem trabalha.

O que podemos então fazer para enfrentar os agressores? É preciso criar órgãos de gestão democrática dentro dos locais de estudo controlados pelos trabalhadores e estudantes.

Há que integrar imediatamente todos os bolseiros e quem tiver contratos precários nos quadros das instituições em que trabalham. É preciso acabar com a precariedade que fomenta os abusos de poder! É necessário dotar a Educação pública com um orçamento que faça face às reais necessidades do sector e que permita investir fortemente na requalificação das infraestruturas e dotar de recursos humanos e tecnológicos cada local de ensino.

Só com as necessidades básicas supridas e com a participação real e democrática na vida e no rumo das escolas e universidades, ou seja, com um ensino plenamente público, gratuito e controlado democraticamente por estudantes e trabalhadores, é que poderemos erradicar o assédio e a violência machista. Não se trata apenas de corrigir ou castigar indivíduos, mas de acabar por completo com as condições que agora existem para os abusos por parte das administrações e das suas camarilhas.

Tudo isto só será possível com um movimento estudantil forte, combativo e anticapitalista que rejeite os ditames de um ensino opressivo, que rejeite uma visão produtivista da ciência e que rejeite e erradique a mais pequena réstia de opressão dos locais de ensino e da sociedade em geral. Exigimos nada menos que um mundo sem opressão e sem exploração!

Junta-te às Livres e Combativas para lutar por esse mundo!

JORNAL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA

JORNAL DA LIVRES E COMBATIVAS

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