A onda feminista continua

A histórica mobilização do 8M no México, este ano, é a maior demonstração da saturação com a violência machista. Reflecte a urgência por mudança de milhões de oprimidas, convencidas da necessidade de erradicar a cultura patriarcal, as violações, os desaparecimentos e os femicídios — que ficam impunes e mandam aos agressores a mensagem de que podem continuar a cometê-los. Uma cultura, aliás, da qual o capitalismo tanto se aproveitou para nos subjugar e explorar.

Durante a pandemia, os ataques às mulheres aumentaram ao mesmo tempo que aumentava a insensibilidade das instituições perante esses crimes. O Governo Federal nega o problema como se a estrutura de subjugação das mulheres pudesse ser alterada com conversas de moralidade e família tradicional. Apesar da contingência sanitária, dezenas de mulheres manifestaram-se para acabar com a violência e exigir acesso à justiça. Exemplo disso foi a manifestação, em Zócalo, de mães de vítimas de femicídios, obrigadas à mobilização devido à indiferença do Presidente Andrés Obrador e à priorização das suas condições de saúde.

Não é que a violência machista tenha surgido com este governo mas, dois anos após a implementação da “Quarta Transformação” [programa político do presidente Andrés Manuel López Obrador], as vítimas continuam a lutar por justiça e pelo fim dos ataques e dos femicídios. Foi por isto que a mãe de uma menina de menos de cinco anos, vítima de violação em 2017, se viu obrigada a amarrar-se a uma cadeira nas instalações da Comissão Nacional para os Direitos Humanos (CNDH), de forma a não ser forçada a retornar à sua terra natal de San Luis Potosí, e aí continuar a esperar a conclusão do longo processo burocrático e ineficaz da justiça machista.

Esta mãe foi acompanhada por vários colectivos, cujos esforços resultaram na ocupação das instalações do CNDH, no centro da Cidade do México, a 4 de setembro. Exigem uma solução para este caso específico e para os 99% de casos de violação e os 97% de casos de femicídios que permanecem impunes, além do apoio às vítimas de outros estados que procuram a Cidade do México para o acompanhamento dos seus casos. Estas mulheres baptizaram as instalações ocupadas como "Casa de Refúgio", reivindicando o Movimento Okupa que se apropria dos edifícios para disponibilizá-los aos necessitados.

A justiça patriarcal perpetua violência machista

Apesar da instituição ser agora dirigida por Rosario Piedra — que se diz empática por ser também ela uma vítima do desaparecimento do seu irmão durante a Guerra Suja — o seu papel limitou-se a exortações para o cumprimento do processo burocrático: sem recomendações, verificações ou sanções perante preconceitos, omissões e atitudes machistas dos ministérios públicos, das polícias de investigação, dos inspectores e fiscais especializados e das instituições do Estado que, supostamente, deveriam fazer valer os nossos direitos. Dada a pouca resposta dos ministérios públicos, as vítimas sentiram-se momentaneamente aliviadas com a intervenção do CNDH para fazer valer os nossos direitos e evitar sermos vítimas também ao denunciar as agressões.

Nos nossos casos, a norma são investigações ineficientes e falta de atenção psicológica atempada. Assim, exigimos constantemente que a Comissão se pronuncie, para que a Ley General de Acesso de las Mujeres a una Vida Libre de Violencia seja realmente aplicada e que o orçamento para programas de apoio à mulher trabalhadora seja suficiente. Porém, não nos foi dirigida uma palavra sobre a situação, e muito menos ações concretas que alterem a nossa realidade sangrenta.

Na Libres y Combativas estamos muito conscientes de que nada ganharemos nas instituições se não o vencermos nas ruas. Como nós mesmas pudemos vivê-lo e comprová-lo com a nossa campanha #NoEstasSola, os últimos anos e meses mostram que somente com a mobilização, a luta e a organização nas ruas e a integração de todos os sectores dos oprimidos nesta batalha as nossas reivindicações podem ser alcançadas. As ocupações simbólicas em Puebla, Estado do México, Aguascalientes, Michoacán, Yucatán, só para citar alguns exemplos, em apoio à ocupação na Cidade do México, demonstram a energia da onda que se iniciou com o 8M e a viabilidade de poder articular um movimento nacional de todas as mulheres que estão comprometidas a lutar contra a justiça machista, contra o patriarcado e pela transformação radical da sociedade. Usemos essa força!

Por um feminismo combativo e de classe

Os níveis de impunidade tornam-se tão altos porque, além da justiça ser machista, também é classista. Ao contrário das mulheres da burguesia — que podem pagar advogados, detectives, deputados, juízes — as mulheres da classe trabalhadora aprenderam que só com a luta organizada podem alcançar uma migalha de justiça. É por isso que a ocupação da CNDH iluminou o caminho de muitas mulheres, face à necessidade urgente que toca milhares de nós, e a lamentável inacção de outros sectores de luta que abandonaram a mobilização, porque se recusam a agir. Milhões de mulheres oprimidas estão dispostas a lutar, estamos convencidas de que outra vida é possível e estamos preparadas para participar.

Na Libres y Combativas insistimos que a nossa força está nas ruas, que precisamos de retomar a iniciativa de mobilização, reivindicando métodos de luta da classe trabalhadora, levantando um programa de luta eficaz para esses milhões de oprimidas, que permita a sua integração e que faça com que elas se sintam parte desta luta e não o contrário. Um movimento combativo, democrático, unificado a nível nacional e que atinja reivindicações concretas dá não só confiança, esperança e um exemplo do que pode ser feito, mas coloca-nos também numa situação mais favorável para continuar até vencermos e destruirmos o capitalismo patriarcal.

Apelamos à organização permanente do movimento com os métodos mais combativos e democráticos. Apelamos à criação de espaços de assembleia para debate para nos formarmos nas ideias e métodos do feminismo revolucionário, anti-capitalista e de classe. Retomemos o legado de gigantes revolucionárias como Alexandra Kollontai, Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin, Krupskaya, Flora Tristan, Inessa Armand. Ouvimos o que as mães de vítimas, como Norma Andrade e Irinea Buendía, nos ensinam no nosso tempo — para citar apenas alguns exemplos — de forma a sermos claras sobre os motivos pelos quais lutamos e para onde vamos.

Mulheres pobres, trabalhadoras e jovens tornaram-se protagonistas das lutas actuais, não só contra a violência machista mas também nas outras lutas contra este sistema. Continuaremos a organizar-nos de maneira a formar uma organização política que seja independente da pequena e da grande burguesia e dos seus métodos, que procuram dividir os oprimidos em termos de género e não de classe. A sociedade está dividida, mas entre exploradores e explorados. Apelamos às mulheres da classe trabalhadora, às donas de casa, às funcionárias, às estudantes, etc., a juntar-se às Libres y Combativas e a construir connosco a organização que nos ajuda a destruir o patriarcado por meio da transformação socialista da sociedade. Apenas através da transformação da sociedade nestas linhas podemos alcançar a plena libertação e justiça para todas as vítimas.

Nem mais um femicídio!

Basta de justiça machista e classista!

Nem mais um corte nos programas e na ajuda às mulheres e vítimas!

 
 
 
 
 
 
 
 

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