No passado dia 3 de Maio, as mulheres trabalhadoras nos EUA acordaram com uma nova ameaça: o Supremo Tribunal pretende eliminar o seu direito de poder decidir sobre a sua maternidade. A indignação entre milhares e milhares de mulheres não se fez esperar.
Nesse mesmo dia, concentraram-se em frente ao edifício do tribunal em Washington e houve protestos e manifestações em muitas cidades, algumas delas duramente reprimidas pela polícia: desde Nova Iorque a Los Angeles, passando por Boston, Minneapolis, Filadélfia, Seattle e Florida.
Segundo o que foi publicado no site Político, o projecto do Supremo Tribunal vazado é assinado por cinco dos nove juízes que constituem a mais alta instância judicial dos EUA (com uma maioria conservadora de seis contra três, algo inédito em décadas) e que estão determinados a anular o direito ao aborto em qualquer situação. Um direito conquistado a pulso em 1973 com o histórico acórdão Roe v. Wade — que reconheceu pela primeira vez o aborto sem restrições antes de que o feto seja viável, um limite fixado em 23 semanas de gestação — e que, como vimos nos últimos anos, os sectores mais reaccionários do aparelho do Estado apoiados por Trump não pararam de atacar.
Os direitos das mulheres podem retroceder 50 anos
"A sentença de Roe estava terrivelmente errada desde o princípio... A sua motivação foi terrivelmente errada e essa decisão teve consequências prejudiciais", "a Constituição não faz qualquer referência ao aborto, e nenhum direito deste tipo está implicitamente protegido por qualquer artigo constitucional"... Estes são alguns dos "argumentos" que os cinco juízes ultra-católicos de extrema-direita — Samuel Alito, Clarence Thomas, Brett Kavanaugh, Coney Barrett e Neil Gorsuch, os três últimos nomeados por Trump — estão a utilizar para tentar acabar com este direito e fazer retroceder cinquenta anos as condições de vida das mulheres trabalhadoras nos EUA.
Até ao dia de hoje, são 28 os estados que já aprovaram até 300 leis contra este direito. Há pouco mais de dois anos, o Alabama revogou este direito constitucional, que está suportado pela 14ª Emenda à Constituição dos EUA, sob ameaça de penas de prisão até 99 anos para os e as profissionais que o realizassem, deixando as mulheres pobres a arriscarem-se a fazer abortos ilegais e inseguros que colocam a sua vida em perigo.
Há apenas algumas semanas, a Câmara dos Representantes do estado de Oklahoma juntou-se a esta escalada machista e reaccionária, aprovando uma lei que proíbe o aborto em todos os casos excepto naqueles em que a vida da mãe corre perigo, tornando-a a legislação mais restritiva do país. Um texto promulgado pelo governador do estado, o republicano Kevin Stitt, que contou com 70 votos a favor e 14 contra. Este indivíduo, no passado mês de setembro, prometeu assinar qualquer legislação pró-vida que chegasse à sua mesa. O projeto de lei também penaliza os médicos que realizem abortos com até 10 anos de prisão e incentiva que indivíduos denunciem qualquer pessoa que acreditem estar a ajudar uma mulher grávida a abortar com recompensas financeiras até 10.000 dólares para o delator.
O texto aprovado pelo Supremo Tribunal tem ainda de ser ratificado entre Junho e Julho, mas tudo indica que seguirá avante. Se aprovado, serão os estados que decidirão sobre os direitos reprodutivos de 166 milhões de mulheres estado-unidenses e permitirá em mais de 20 estados que as leis promulgadas pelos governadores republicanos possam vetar imediatamente o aborto, mesmo que tenham sido vítimas de violação. Significará um enorme retrocesso para as condições de vida das mulheres trabalhadoras, empurrando-as ainda mais para a pobreza. Não devemos esquecer que os EUA são o país desenvolvido com a maior taxa de mortalidade materna, de acordo com a OMS; para não falar do facto de não haver acesso gratuito aos cuidados de saúde pública, muito menos licença de maternidade. Entretanto, os abortos continuarão a existir e as mulheres ricas poderão viajar e pagá-los.
Esta ofensiva da extrema-direita não vai parar aqui. É óbvio que, se o aborto for proibido hoje, a presença destes sectores dentro do Estado e nas ruas irá crescer. Na sua mira estão desde a proibição dos contracetivos até aos direitos das pessoas LGTBI e dos sectores mais oprimidos da sociedade. Não é preciso ir mais longe, nesta mesma semana já começou a ofensiva: o Louisiana propôs uma lei que defende o feto desde a concepção, ilegalizando todos os contraceptivos, e convertendo o aborto em crime de homicídio e o governador do Texas vai recorrer ao Supremo Tribunal da decisão que, desde 1982, obriga os estados a oferecer educação gratuita a todas as crianças, incluindo os filhos de migrantes sem documentos. Alguns dias depois, entrou em vigor uma nova lei no estado do Alabama que torna um "delito muito grave" fornecer às crianças trans terapia hormonal ou qualquer ajuda médica, psicológica, educacional ou social que lhes permita crescer de acordo com o seu género.
Enquanto isto, a postura dos Democratas é completamente passiva. Joe Biden limita-se a dizer que por agora se trata apenas de uma "fuga de informação", e o máximo a que chegou foi pedir aos funcionários da administração que preparassem uma "resposta ao contínuo ataque ao aborto e aos direitos reprodutivos". Mas não levantarão um dedo, são uma engrenagem mais do sistema capitalista. Escondem-se hipocritamente atrás do facto de terem uma pequena maioria no Congresso e portanto ser muito difícil que este consagre o direito federal ao aborto. Todas as promessas de programas e direitos sociais que apregoava Biden mostraram-se falsas, enquanto continuou a encher os bolsos dos ricos, durante a pandemia e agora com a guerra. Não será pela mão dos democratas que conseguiremos os direitos das mulheres e dos oprimidos.
A luta é a único caminho
De acordo com a última sondagem do Pew Research Center de 2021, 59% dos adultos nos EUA acreditam que o aborto deveria ser legal em todos ou na maioria dos casos, em comparação com 39% contra.
As concentrações às portas do Supremo Tribunal com centenas de pessoas contra a possível revogação da protecção legal do aborto foram instantâneas, demonstrando a sua rejeição e a raiva que esta decisão provocou. "Se quisesse o governo na minha vagina dormiria com um senador" ou "O meu corpo, a minha decisão" eram algumas das mensagens escritas nas pancartas que se agitavam em frente ao tribunal. Embora também tenha estado presente um grupo de manifestantes a favor da abolição do direito ao aborto, o número de pessoas em defesa do direito ao aborto superou-o amplamente e dominou a concentração, deixando claro que não hesitarão em sair à rua para defender o seu direito a decidir.
O único caminho para enfrentar esta ofensiva reacionária, a hierarquia da Igreja Católica, a sua moral podre e os seus privilégios, a direita e a extrema direita e aqueles que fazem negócios com a nossa exploração é lutar para acabar com um sistema que nos condena, mulheres trabalhadoras, a condições sub-humanas.
O movimento de milhões de mulheres e jovens que saíram às ruas dos EUA para fazer frente ao misógino e racista Donald Trump em 2017 é o melhor exemplo que temos para nos inspirar nos dias de hoje. Como vimos também em toda a América Latina com o movimento Ni una menos, com a Maré Verde na Argentina que encheu as ruas e conquistou o direito ao aborto para todas as mulheres ou com a luta do movimento ROSA na Irlanda. O único caminho é a organização e a luta nas ruas pelos nossos direitos e por condições de vida dignas para as mulheres trabalhadoras e para o conjunto da classe trabalhadora.