Para gerir a crise económica e social em todo o mundo, a classe dominante recorre cada vez mais a nacionalismo, militarismo, machismo, racismo e LGBTIfobia, procurando canalizar o descontentamento social e a revolta de várias camadas sociais para a extrema-direita, contra os oprimidos e para longe dos verdadeiros responsáveis pelo nosso sofrimento: os capitalistas e o seu sistema.

Nós, pessoas LGBTI da classe trabalhadora, somos alvos favoritos de assédio, violência e discriminação no acesso ao trabalho, saúde ou habitação. Em 69 países do Mundo continua a ser ilegal ser LGBTI – com penas de vários anos de prisão e até pena de morte — e o casamento e adopção só são possíveis em 28 países. Por fim, em apenas 10 países do Mundo, nos quais não se inclui Portugal, estão proibidas as crueis “terapias de conversão”.

A violência, chegando ao extremo do homicídio, é uma realidade que tem vindo a aumentar. Na América Latina, há registo de mais de 1.300 assassinatos de pessoas LGBTI entre 2014 e 2019.  Só no Brasil, uma de nós é assassinada a cada 3 dias.

O relatório de 2019 da Agency for Fundamental Rights, da União Europeia — um inquérito realizado em 30 países e com cerca de 140 mil participantes —, mostra a situação na Europa. Cerca de 60% das pessoas LGBTI recusam-se a dar as mãos em público por medo de insultos ou agresões; cerca de 11% dos inquiridos afirma ter sido alvo de violência física nos últimos 5 anos.

O caso da juventude LGBTI é dramático. Metade foi alvo de discriminação e assédio, a maior parte das vezes prepertrado no local de estudo por colegas e funcionários ou na própria casa por familiares. A distribuição destes resultados varia bastante de país para país, com países como a Polónia e a Hungria — onde governam a extrema-direita — a ter resultados brutais. Na Polónia, em anos recentes, foram criadas pelos municípios mais de 100 “zonas livres de LGBT”.

Pessoas trans e intersexo são, em tudo isto, particularmente visadas. Diariamente confrontadas com uma discriminação esmagadora no acesso à habitação, saúde, educação e emprego, são muitas vezes empurradas para a prostituição. Entre as pessoas trans e intersexo inquiridas, 60% reportou ter sentido discriminação no último ano. É por isto que as taxas de suicídio e tentativa de suicídio chegam a uns assombrosos 46%!1

Mudar as leis não basta

Na última década, a nossa luta conquistou várias leis em Portugal. O direito ao casamento independentemente da orientação sexual, em 2010, o direito à adopção por casais do mesmo sexo e também o fim da insultuosa proibição da doação de sangue por pessoas homossexuais, em 2016, e a lei de autodeterminação de género, em 2018.

Mas uma coisa são leis, outra é a realidade que vivemos. Voltando ao mesmo estudo, em Portugal, 30% dos inquiridos sofreram algum tipo de assédio no último ano e 65% dos jovens LGBTI indicaram continuarem a ocultar parcial ou totalmente a sua orientação sexual ou identidade de género. Não existindo dados oficiais sobre a condição das trabalhadoras LGBTI, nós sabemos bem o que vivemos: baixos salários, precariedade, assédio laboral e, por cima de tudo isto, abusos verbais, ameaças e discriminação no acesso ao trabalho ou à habitação.

Além de afetar a nossa saúde mental e física, esta situação mantém-nos economicamente dependentes de famílias agressoras.

As leis são papel pintado a menos que haja uma transformação real das nossas vidas. Até os burocratas LGBTIfóbicos conseguem, por iniciativa individual, colocar entraves, por exemplo, ao reconhecimento legal da identidade de género. Da mesma forma, profissionais de saúde discriminam-nos em hospitais e, nas escolas e universidades, a integração das crianças e jovens trans é ignorada.

A polícia ignora sistematicamente as denúncias de violência machista feitas por mulheres e, claro está, também as denúncias feitas por pessoas LGBTI. Juízes reacionários ilibam agressores e assassinos — o homicídio de Gisberta Salce é paradigmático: a juíza classificou o caso como “uma brincadeira que acabou mal”, ilibando os arguidos da acusação de assassinato transfóbico2.

A solidariedade de classe e a luta revolucionária são o caminho!

O capitalismo nunca nos ofereceu nada. Para alcançar o pouco que temos foi necessária a luta dura e continuada nas ruas. Por isso, quando é preciso sair à rua contra a opressão e contra o capitalismo, a juventude LGBTI está na linha da frente.

Mas em capitalismo qualquer direito é sempre alvo de ataques: em plena pandemia, pela mão da direita e do Tribunal Constitucional, foi impedida a aplicação prática da lei de autodeterminação de género precisamente nos estabelecimentos de ensino.

É urgente um movimento LGBTI revolucionário e anticapitalista que defenda uma ruptura com este sistema de opressão e exploração, que pretenda mais do que alterações às leis e lute pelo derrube deste sistema.

Queremos o controlo democrático das escolas por estudantes e trabalhadores, para promover uma educação sexual inclusiva e remover todo e qualquer elemento LGBTIfóbico, machista e racista dos locais de estudo; queremos a nacionalização de toda a saúde privada e a sua integração num SNS público, gratuito e de qualidade, com os profissionais necessários e capazes de administrar cuidados de saúde que respeitem a orientação sexual e identidade de género dos utentes.

Queremos a expropriação de todos os fundos imobiliários para criar um parque habitacional 100% público sob controlo democrático da nossa classe, para nunca mais sermos empurradas para a prostituição e para situações de sem-abrigo, ou sermos forçadas a viver com os nossos agressores.

Somos da classe trabalhadora, sofremos na pele a exploração capitalista, e é ombro-a-ombro com a nossa classe que temos a força para derrubar este sistema e todas as suas formas de opressão. No seu lugar, construíremos uma sociedade nova, socialista, onde a economia exista para o bem-comum, onde tenhamos tudo o que precisamos para viver e possamos ser o que somos!


Notas

1.  A long way to go for LGBTI equality

2.  Direitos das pessoas trans: o que foi feito e o que falta fazer?

JORNAL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA

JORNAL DA LIVRES E COMBATIVAS