Uma das formas mais brutais de violência contra as mulheres é a prostituição, que se realiza maioritariamente num regime de escravatura sexual estreitamente relacionada com o tráfico de mulheres e crianças — também elas prostituídas.
Sabemos que cerca de 90% das mulheres prostituídas vivem em indigência e querem sair da prostituição, que 75% destas mulheres já foram sem-abrigo, que têm entre 60 a 100 vezes maior probabilidade de ser assassinadas do que as restantes mulheres, que 71% já sofreram agressões físicas, que todas estão expostas às doenças dos seus “clientes” e que, consequentemente, 68% apresentam sintomas de stress pós-traumático — em certos casos, sintomas iguais aos que se encontram em vítimas de guerra.
Isto é expectável quando se entende a prostituição como a sistematização e comercialização da violação. O que distingue um violador de um putanheiro é uma transacção comercial, e não raras vezes esta diferença dissolve-se, posto que mais de 60% das mulheres prostituídas já foi violada (i.e., não recebeu o pagamento). O dinheiro, seja como for, vai para os bolsos dos proxenetas que operam com todo o tipo de esquemas para manter as mulheres em dívida permanente, na dependência de drogas e sob ameaça de agressão, deportação ou até morte. É por isso que é impossível economizar e é tão difícil sair da prostituição.
Hoje, este é um dos mais lucrativos negócios do mundo. Assim se entende o lobby proxeneta, que também avança em Portugal. Os modernos traficantes e senhores de escravas querem fazer passar legislação que lhes permita actuar com o apoio do Estado burguês. O resultado, visto na Alemanha, é um crescimento explosivo do tráfico humano e da prostituição, dos bordéis e dos lucros. Se compararmos este país com a Suécia — onde, sob o chamado “modelo sueco”, as mulheres prostituídas não são criminalizadas, mas os proxenetas e os consumidores sim — vemos que a Alemanha, com cerca de 10 vezes a população da Suécia, tem mais de 60 vezes o seu número de mulheres prostituídas,1 e em condições iguais às da ilegalidade. A legalização dos proxenetas causa unicamente a expansão do sector.
A “esquerda” que alinha com este lobby é a mesma que tem os seus dirigentes envolvidos em negócios de bares nocturnos, discotecas, drogas e prostituição tal como os tem envolvidos em especulação imobiliária. Pretendem convencer-nos que a “regulamentação” do Estado será feita no sentido de proteger as mulheres prostituídas, e ainda que tornar a prostituição “um trabalho como qualquer outro” é a forma de dissolver o “estigma” que sofrem as mulheres prostituídas. Além disto, esforçam-se por apresentar as abolicionistas como proibicionistas, ou seja, como apoiantes da criminalização das mulheres prostituídas. Estes argumentos não fazem mais do que expor a degeneração política desta “esquerda”.
Em primeiro lugar, há que perguntar: quando, em toda a história do capitalismo, é que o Estado burguês melhorou as condições de trabalho da classe trabalhadora através da regulamentação de um sector? Vez após vez, sempre que um novo sector profissional surge, sempre que um novo ramo industrial ou novas necessidades sociais são criadas, o Estado combate com todo o seu aparelho repressivo a organização dos trabalhadores desse novo sector. Em absolutamente toda a história deste sistema, a única força que garantiu a mais ínfima melhoria das condições de trabalho dos explorados foi a classe trabalhadora organizada. O Estado não é neutro, é burguês. A regulamentação da prostituição, a ser feita em Portugal, será com os capitalistas da indústria da prostituição e da pornografia a ser tratados como os capitalistas da mineração que continuam a desrespeitar normas ambientais e de segurança, como os grandes latifundiários que continuam a empregar força-de-trabalho escrava na agricultura. Haverá maior demonstração de falência política do que apresentar o Estado burguês como garante de segurança justamente quando este tem a sua natureza de classe mais exposta — quando os governos preservam um código laboral de precariedade, alimentam a especulação imobiliária e arruínam os serviços públicos com subinvestimento enquanto salvam bancos privados?
Mais ainda, precisamente por não ser “trabalho”, a prostituição coloca problemas de organização distintos dos que surgem no trabalho assalariado. A organização de mulheres prostituídas está muito mais próxima da organização de escravos. As pessoas prostituídas e escravizadas não fazem greves porque não recebem salários, fazem revoltas porque são directa e fisicamente controladas pelos seus exploradores. É impossível lutar por melhores condições de violação ou de escravidão. Expectavelmente, o lobby proxeneta procura escamotear esta realidade, ignorando as mulheres traficadas e escravizadas pela prostituição enquanto apresenta como exemplo representativo uma ínfima minoria de pequeno-burguesas que praticam “serviços sexuais” em condições qualitativamente diferentes. Os “sindicatos de prostitutas” não passam de sindicatos de proxenetas, financiados e politicamente dirigidos por capitalistas.
Se podem ser comparados a algum tipo de organização operária, essa organização é o falso sindicato fundado pelos patrões.
Quanto ao estigma que sofrem as mulheres prostituídas, há que apontar o óbvio: não tem origem nas leis, tem origem na realidade material. Uma sociedade onde se podem comprar mulheres é uma sociedade onde todas as mulheres — e não só as prostituídas — são consideradas inferiores.
A luta contra o proxenetismo é parte indispensável da luta contra o capitalismo. A classe trabalhadora, com as mulheres à sua cabeça, tem não só de lutar por condições de trabalho e habitação que não forcem nenhuma mulher a prostituir-se, mas também de lutar com todas as forças para que traficantes de mulheres e proxenetas não desfrutem de um único direito, nem mesmo do direito a existir. E o trabalhador que consome prostituição não deve encontrar entre as organizações da nossa classe uma única gota de compreensão ou complacência, só a condenação que merece um traidor.
A solução para a prostituição, é necessário dizê-lo, não existe em capitalismo. A sua abolição é possível unicamente com uma economia planificada ao serviço das necessidades humanas e não do lucro e do “crescimento” capitalista. Só uma sociedade socialista pode criar as condições para que nenhuma mulher se veja obrigada a praticar actos sexuais por qualquer consideração que não seja sexual — ao contrário do que acontece hoje, quando a maioria das mulheres precisa de reger a sua vida sexual por considerações económicas, seja na condição extrema de prostituta ou simplesmente na condição de esposa, namorada, filha, etc.
Desta impossibilidade de abolir a prostituição em capitalismo, no entanto, não se conclui que a luta pela sua abolição deva ser deixada para o futuro. A luta revolucionária é a única que consegue provocar mudanças, mesmo dentro deste sistema, e há que travar a luta contra a venda e compra de mulheres desde já! Somos mulheres, não mercadoria!
Viva a unidade da classe trabalhadora e da juventude contra a exploração capitalista e a opressão das mulheres!
Notas:
1. Melissa Farley, Ann Cotton, Jacqueline Lynne, Sybille Zumbeck, Frida Spiwak, Maria E. Reyes, Dinorah Alvarez, Ufuk Sezgin, “Prostitution and Trafficking in Nine Countries - An Update on Violence and Posttraumatic Stress Disorder”, Journal of Trauma Practice volume 2 (2004): 33–74.
2. Seo-Young Cho, Axel Dreher, Eric Neumayer, “Does Legalized Prostitution Increase Human Trafficking?”, World Development, volume 41 (2013): 67–82.