Para vencer o uribismo há que levantar um programa socialista e revolucionário!

Após uma forte campanha que encheu ruas por todo o país, o Pacto Histórico de Gustavo Petro, a candidatura da esquerda, transformou-se na força política mais votada das eleições legislativas de 13 de março, um feito histórico na Colômbia. Obteve 2.692.999 votos para o Senado e Câmara de Representantes, face aos 736.367 votos que obteve o Polo Democrático em 2018. Tudo isto apesar das tentativas de fraude eleitoral, que pretendiam omitir 545.902 votos do Pacto Histórico dos resultados preliminares, mas que foram recuperados graças à ação dos delegados e ativistas da candidatura.

Por sua vez, os partidos associados ao uribismo tradicional sofreram uma pesada derrota. O Centro Democrático, o Cambio Radical e o Partido de la U perderam coletivamente 1.5 milhões de votos, 14 senadores e 40 representantes. Após 20 anos no governo, o impressionante levantamento social contra o governo de Iván Duque tirou o uribismo e os seus aliados do poder1.

Petro arrasa nas interpartidárias enquanto o uribismo muda de rosto

Estas eleições coincidiram com as consultas interpartidárias, que servem de sondagem eleitoral oficial para as eleições presidenciais de 29 de maio e que têm um grande peso político2. O grande vencedor foi, sem dúvida, Gustavo Petro, que conseguiu cerca de 4.8 milhões de votos. No total, cerca de 6 milhões de pessoas participaram na consulta do Pacto Histórico. A direita, por sua vez, não chegou aos 4 milhões de votos, menos do que Petro sozinho.

Por sua vez, o Centro Esperanza, a coligação de centro e dos verdes onde se coligou um amplo espectro de figuras conhecidas da política tradicional burguesa colombiana, de Sergio Fajardo aos social-liberais e renegados da esquerda, sofreu um rotundo desastre. Embora em 2018 Fajardo sozinho tenha superado os 4.6 milhões de votos, nesta ocasião todos os candidatos do centro somaram apenas 2.1 milhões de votos.

Na consulta interpartidária dos candidatos de direita, Federico Gutiérrez, identificado como sendo o mais duro “anti-petrista” de todos os candidatos, com um discurso populista de extrema-direita, contra a mobilização social e em defesa da repressão, e que contou com o apoio de Iván Duque, conseguiu uns significativos 54% dos votos (2.6 milhões), ficando ainda assim muito abaixo da esquerda. Um reflexo claro de que o uribismo não desapareceu, mas que se reagrupa sob o novo rosto em linha com a extrema-direita populista de Trump, Bolsonaro e Kast.

Prova disso é como, menos de 24 horas após se conhecerem os resultados, o candidato de Uribe, Oscar Iván Zuluaga, publicou um vídeo nas redes sociais renunciando às suas aspirações presidenciais e colocando-se à disposição de “Fico” Gutierrez. Sem dúvida alguma a oligarquia e a reação reunirão forças em torno deste candidato, como fizeram no Chile com Kast, de forma a tentar impedir a ascensão de Petro e da esquerda. Apesar da enorme força do movimento, a ascensão deste extremista de direita é uma séria advertência.

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A consulta interpartidária mostra que o uribismo não desapareceu, mas que se reagrupa sob o novo rosto em linha com a extrema-direita populista de Trump, Bolsonaro e Kast.

Embora Gustavo Petro tenha alcançado 80% dos votos [da consulta do Pacto Histórico], a outra surpresa da noite foi Francia Márquez, que recebeu 763 mil votos, 14% do total. Esta candidata, ativista ambiental, que era uma completa desconhecida até há uns meses, conseguiu uma votação importante entre os setores mais jovens e radicalizados. A violência racista, classista e machista com que foi recebida pela oligarquia e pela imprensa mais reacionária foi respondida com o apoio entusiasta dos ativistas do Paro Nacional. Para explicar a simpatia que esta detém entre estes setores, o jornal El País assinalou que esta era a única candidata que entrava sem escolta em Puerto Resistencia, um bairro simbólico do levantamento social de 2021. Um reflexo também da crítica existente entre camadas avançadas em relação à viragem ao centro de Gustavo Petro.

A viragem ao centro de Petro põe em risco o fim do uribismo

Durante os protestos e greves insurrecionais de 2021, que paralisaram o país durante um dos piores momentos da pandemia, tanto Petro como a direção do Comité Nacional de Greve, em vez de levar em frente a luta até fazer cair o governo criminoso de Duque, responsável por dezenas de mortos e milhares de feridos e detidos, contentaram-se com a retirada da reforma fiscal que motivou os protestos, apelaram ao fim da greve e da luta, e planearam centrar todos os esforços nas eleições de 2022. Esta estratégia, tal como aconteceu no Chile com Piñera, garantiu a continuidade de Duque num momento crítico.

Mesmo hoje, após se demonstrar as várias tentativas de fraude eleitoral contra a candidatura de esquerda, Petro e os dirigentes do Pacto Histórico, em vez de apelar à luta nas ruas contra esta, planearam exatamente o oposto, não mobilizar e evitar falar em fraude: “Sejamos cuidados com a linguagem. Nós dizemos que se trata de um erro de transmissão. Um erro não é fraude. Vamos ter uma linguagem prudente esta semana para se poder estabelecer que se trata de um erro de transmissão…” Uma frouxidão que apenas servirá para motivar a reação a cometer fraude nas eleições presidenciais.

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Durante os protestos de 2021 que paralisaram o país, Petro e a direção do Comité Nacional de Greve contentaram-se com a retirada da reforma fiscal que motivou os protestos e apelaram ao fim da greve e da luta para centrar todos os esforços nas eleições de 2022.

Na sua ânsia de construir uma “frente ampla” contra o uribismo, Petro moderou o seu discurso, incluindo nas suas listas para as legislativas antigos políticos que chegaram mesmo a ser uribistas. Agora, seguindo esta mesma estratégia, anunciou uma aproximação ao Partido Liberal. Um partido burguês tradicional que tem estado no centro da política colombiana, incluindo na guerra suja contra a esquerda, ao longo das últimas décadas, e que aglutina todo o tipo de arrivistas e parasitas profissionais que farão tudo em prol de defender os seus tachos.

A oligarquia reacionária colombiana fará tudo o que puder para evitar uma vitória de Petro e da esquerda nas presidenciais, começando por apoiar um candidato da extrema-direita como “Fico” Gutiérrez. No entanto, conscientes da força brutal que demonstrou a classe trabalhadora e a juventude, e se não tiverem outra opção, tentarão assimilar Petro e o Pacto Histórico para que implementem políticas “realistas”, pró-capitalistas, garantindo a paz social nas ruas. Um meio de ganhar tempo e conseguir desmoralizar e conter o movimento.

Aprofundar a renúncia a uma política de independência de classe, anticapitalista e que incorpore as exigências dos movimentos das explosões de 2019 e 2021 é um erro grave que chocará com as aspirações das massas e permitirá à reação que recupere o terreno perdido. Podem vencer as eleições presidenciais, mas há que fazê-lo levantando um programa genuinamente socialista que rompa com os interesses de uma oligarquia corrupta que apenas foi capaz de oferecer às massas miséria, repressão e violência.

A tarefa da esquerda revolucionária é levantar um programa socialista que unifique as palavras de ordem do Paro Nacional contra a pobreza extrema, pela nacionalização da terra e das grandes empresas e bancos para as colocar ao serviço da classe trabalhadora e dos camponeses pobres. É necessário apelar ao voto em Petro, sem lhe oferecer um cheque em branco, enquanto se ativam comités de defesa e de bairro para lutar contra a fraude e o uribismo. Este é o caminho que propomos enquanto Esquerda Revolucionária Internacional.


Notas:

1. Para compreender o Paro Nacional, o levantamento social de 2021, ler o artigo Colômbia: O levantamento de massas obriga o ultradireitista Duque a retroceder. Agora é continuar a luta até derrubar este assassino!

2. As consultas interpartidárias definem o candidato presidêncial de uma determinada coligação de entre os candidatos dos vários movimentos que a compõe. Nestas eleições há 3 consultas interpartidárias - do Pacto Histórico (esquerda), do Centro Esperanza (centro) e do Equipo por Colombia (direita) - mas cada eleitor apenas pode participar numa delas. Nota do tradutor.

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