Não à unidade nacional com o fascista Noboa! É preciso uma alternativa revolucionária!

O início do ano no Equador foi o culminar de uma escalada sem precedentes da criminalidade naquele que até há pouco tempo era conhecido como um dos países mais seguros da América Latina. O alarme foi dado face ao aumento da violência associada ao tráfico de drogas, aos numerosos motins nas principais prisões do país e ao subsequente assassinato, em agosto de 2023, de Fernando Villavicencio, candidato nas eleições presidenciais realizadas duas semanas após sua morte.

No entanto, durante os primeiros dias de 2024, a situação deu um salto qualitativo. A fuga do conhecido "Fito", o maior traficante do país, vários motins sincronizados nas principais prisões e o decreto de "conflito armado interno" ordenado pelo Presidente Daniel Noboa, desencadearam dezenas de massacres, incursões de sicários em edifícios públicos, sequestros, tiroteios e até a ocupação ao vivo de um canal de televisão por gangues de narcotráfico.

Este cenário coincide com o início do mandato de Noboa, filho do maior magnata do país, que tem uma agenda profundamente reacionária, na continuidade com os governos neoliberais de Lenín Moreno e do banqueiro Guillermo Lasso. As políticas de cortes, liberalização económica e austeridade, de mãos dadas com a penetração das máfias nas instituições, semearam o terreno para transformar o Equador num novo narco-Estado.

A decomposição social abre caminho à violência e criminalidade

Durante o mandato presidencial de Rafael Correa (2007-2017), conhecido como a Revolução Cidadã, em que o partido de mesmo nome concentrou grande poder institucional e regional, ocorreram importantes conquistas sociais. Apesar das suas limitações, avanços como a eliminação do analfabetismo em tempo recorde, o aumento das despesas sociais e a redução da pobreza tiveram um grande impacto na inclusão social. De 2006 a 2017, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes caiu de 17,7 para 5,81.

Coincidindo com a crise económica, especialmente após a pandemia de COVID, o país tornou-se uma das principais rotas para a saída da cocaína em direção ao México, aos EUA ou à Europa. O suculento negócio do narcotráfico encontrou nos capitalistas e nos altos comandantes militares e judiciais sócios famintos com quem estabelecer rotas de transporte seguras, bem como redes eficazes para lavar dinheiro na economia equatoriana dolarizada.

Os capos das máfias locais, rapidamente convertidos em novos capitalistas, sem escrúpulos, recorrem aos jovens mais desesperados e oprimidos para criar exércitos pessoais que dão a vida para garantir o negócio. Não é por acaso que esta vaga de criminalidade coincide com uma taxa de desemprego juvenil de 24% — sem acesso à educação ou ao emprego.

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No gráfico, elaborado pelo Banco Mundial, é possível ver a variação percentual de gastos públicos com educação de 2009 a 2022.

2023 fechou com uma taxa de 46 homicídios por 100 mil habitantes, ou seja, quase 8 mil mortes, um homicídio a cada hora. Um crescimento de 800% desde 2019. Não é preciso ter muita compreensão em matemática, estatística ou sociologia para apreciar a relação entre a destruição dos direitos sociais especialmente a educação pública e o acesso ao emprego, e o crescimento da violência associada às gangues de drogas.

Traficantes de drogas e capitalistas são a mesma classe social

Seguindo os passos dos seus antecessores na Colômbia ou no México, os grandes traficantes tornaram-se capitalistas bem-sucedidos, fundindo os seus negócios com a "respeitável" burguesia equatoriana. 70% do dinheiro gerado pelo tráfico de droga é branqueado ou lavado no sistema financeiro. E não estamos a falar de migalhas. De acordo com uma estimativa do jornal online PlanV, este é um negócio que movimenta anualmente cerca de 40 mil milhões de dólares, pouco menos de 40% do PIB do país. O narcotráfico tornou-se rapidamente uma parte essencial da economia equatoriana, sendo fundamental para o capital financeiro que lava e absorve os seus ativos.

Citando o El País, "tomaram conta dos portos, bairros inteiros, lojas e frotas de taxistas. Pelo caminho, infiltraram-se nas principais instituições: têm juízes, polícias, generais, procuradores e congressistas na sua folha de pagamento. Ordenam o assassinato de candidatos à presidência e vereadores que não alinham com eles. Nas suas áreas, as carrinhas funerárias não entram para recolher os corpos até receber autorização. Às vezes, a própria família recolhe os mortos e enterra-o numa caixa de pinho, sem qualquer certidão de óbito registada."

Nada disto seria possível se não fosse a conivência da burguesia e do aparelho estatal, fundidos com as quadrilhas do tráfico, para defender os seus negócios. Não é por acaso que, assim como os governos Moreno e Lasso reprimiram selvaticamente as mobilizações sociais em 2019 e 2021, várias lideranças indígenas e camponesas foram ameaçadas ou mortas por ordem de traficantes de drogas que assumem o negócio do petróleo ou da mineração ilegal.

O historial de ligação entre os narcotraficantes, o Estado e a burguesia em seus negócios e na unidade de ação para aterrorizar os movimentos sociais é muito extensa na América Latina. Como dizia Lenine, seguindo Engels, em última análise, o Estado é composto por grupos de homens armados em defesa da propriedade privada.

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Este gráfico, da Datos Macro, mostra a taxa de homicídios por 100.000 habitantes no Equador de 1992 a 2022.

Noboa não tem intenção de reprimir o tráfico de drogas. O poder militar do Estado é muito superior ao dos narcotraficantes, que se quisesse derrubá-los, saberia onde encontrá-los e como fazê-lo. Sanearia extensivamente o aparelho de Estado e implementaria um ambicioso plano de reintegração social nos bairros marginalizados de Guayaquil e Quito. Mas o herdeiro da dinastia que controla o país não o fará, porque os seus interesses estão ligados aos dos narcotraficantes. No máximo, ele disciplinará os bandos rebeldes quando estes exagerarem e garantirá que os seus recebam uma parte do bolo para ser compartilhado.

A sua demagogia baseia-se na perseguição selvagem dos jovens que alimentam as fileiras dos bandos dos grandes mafiosos, prender algum bode expiatório para manter a sua credibilidade, ao mesmo tempo que cria um clima de terror que lhe facilita a imposição da sua agenda de direita. Esta demagogia foi fundamental para o triunfo de Bolsonaro, vimos isso também na Argentina com Milei, e especialmente em El Salvador com Nayib Bukele. Em menos de duas semanas, foram registadas mais de 1.500 detenções, muitas delas arbitrárias, além de queixas generalizadas de ONGs como a Amnistia Internacional.

A prova inicial dos verdadeiros planos de Noboa é o novo projeto de aumentar drasticamente o IVA, com a desculpa de financiar "a guerra ao crime". Este é o primeiro de muitos cortes que a direita quer aplicar num contexto de crise capitalista e de ofensiva reacionária. Não deveria constituir surpresa que, num curto período de tempo, a "Operação Fénix" de Noboa se converta igualmente num avanço das posições dos EUA no país.

Num cenário de perda de influência ianque naquele que tem sido, historicamente, o seu quintal, uma das últimas decisões do anterior governo de direita de Lasso foi assinar um acordo, a 1 de outubro de 2023, com os EUA que autorizaria "o envio de tropas terrestres e marítimas para o país" com a desculpa do tráfico de droga. (Europa Press, 1/10/23). Após os últimos dias de violência, o governo dos EUA não demorou a oferecer a sua "colaboração" a Noboa.

Correa e a oposição curvam-se à reação: Não à unidade com Noboa e o narco-Estado!

O candidato de centro Fernando Villavicencio, que tinha um discurso tímido contra as máfias, foi assassinado impunemente. Embora não representasse um perigo para eles, ninguém pode fugir ao guião. Por fim, os assassinos presos pelo crime acabaram liquidados na prisão, para garantir o seu silêncio. O homicídio, que foi atribuído ao correísmo numa grosseira fabricação judicial, facilitou o triunfo de Noboa sobre o candidato da esquerda conciliadora.

A recusa da candidata correista em fazer uma clara rutura com as políticas capitalistas, ecoando também o discurso do reacionário Noboa em relação à violência e outras questões como a luta feminista, ou a oposição indígena aos megaprojetos, facilitou ainda mais a estratégia da direita e a sua vitória eleitoral com um discurso duro focado na repressão.

O procurador que investigava a invasão do canal de televisão TC, o casus belli para Noboa declarar um estado militar, também foi vítima dos sicários. O que não é surpreendente, considerando que a invasão foi perfeita para o presidente: terminou sem vítimas e com todos os assaltantes presos em poucas horas. Um guião perfeito.

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A carta branca que a oposição, incluindo Correa, dá ao governo reacionário de Noboa será usada para esmagar os movimentos sociais, sindicatos e organizações revolucionárias que questionam os seus negócios e os dos narcotraficantes.

Apesar desta clara evidência de envolvimento estatal e capitalista na indústria do narcotráfico, os três principais atores da oposição cerraram fileiras com o governo. Rafael Correa e o seu partido apelaram à "firmeza" de Noboa, ou seja, mais repressão e militarização, apelando à unidade nacional em torno do governo de extrema-direita para enfrentar esta crise. A mesma posição foi tomada pelo movimento indígena, a CONAIE, e o seu principal líder, Leónidas Iza, bem como pela maior central sindical, a FUT.

É uma autêntica vergonha! Dão carta branca ao governo reacionário de Noboa, que a usará, não para combater os traficantes de drogas, dos quais é cúmplice, mas para esmagar os movimentos sociais, sindicatos e organizações revolucionárias que questionam os seus negócios capitalistas e os dos traficantes. Estas lamentáveis posições, que ecoam a propaganda burguesa mais reacionária, terão consequências duras para a esquerda e para qualquer movimento social.

Estes poderes militares quase ditatoriais acumulados serão usados para reprimir qualquer luta ou revolta revolucionária, ao mesmo tempo em que se chegam a acordos com os narcotraficantes sobre a divisão do bolo, como já vimos na Colômbia, no México e em muitos outros países da América Latina.

A verdadeira guerra contra as máfias é a luta contra o capitalismo e a podridão que dele emana. Os acontecimentos recentes, bem como a experiência com os gangues de traficantes no continente, mostram-nos que, para pôr fim a estes capitalistas degenerados, a classe trabalhadora e os camponeses só podem contar com as suas próprias forças, como nos lembra o exemplo das Forças de Autodefesa e da polícia comunal no México. É preciso acompanhar a autodefesa armada da população com um programa socialista, exigir a expropriação das terras e propriedades dos traficantes, bem como a nacionalização dos bancos e dos principais setores da economia, para colocá-los sob controlo democrático dos trabalhadores.

As raízes podres do sistema capitalista são a base de uma miríade de flagelos, entre os quais se destaca o tráfico de droga.

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