A primeira greve geral contra a motosserra de ataques, demissões e cortes do Governo presidido pelo fascista Javier Milei foi uma enorme demonstração de força da classe trabalhadora. Ultrapassando o protocolo fasciszante para impedir protestos e manifestações e desafiando as provocações policiais, mais de um milhão e meio de trabalhadores saíram às ruas a 24 de janeiro e paralisaram o país.

Começando por Buenos Aires, onde uma multidão de 600 mil pessoas abarrotou as principais avenidas, e continuando por todas as cidades do país, o sucesso da greve geral ganha maior relevância devido ao contexto em que ocorre.

Depois do choque que representou a vitória deste ultradireitista, com uma hiperinflação de 200% que condena amplos setores da classe trabalhadora ao empobrecimento e à precariedade crónica, e depois de anos de políticas de pacto social e de desmobilização da burocracia sindical, o movimento dos trabalhadores desferiu um golpe devastador. Esta é a forma de derrotar os planos reacionários deste capanga do capital!.

A atitude da classe trabalhadora pôs os pontos nos is, apesar de a burocracia sindical ter resistido com unhas e dentes a convocar esta greve, ter feito todo o possível para limitá-la e continuar a tentar impedir que o enorme descontentamento popular tenha continuidade e que possa ultrapassá-los.

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Após o choque que representou a vitória de Milei e após anos de políticas de pacto social e desmobilização da burocracia sindical, o movimento dos trabalhadores desferiu um golpe devastador.

Tanto os dirigentes da Confederación General del Trabajo (CGT) como das duas Central de Trabajadores de la Argentina (CTA) recusaram-se a organizar assembleias e comités de greve e a promover piquetes para paralisar os locais de trabalho de sectores com taxas de precariedade muito elevadas e sem organização sindical como o comércio, a hotelaria e muitas pequenas empresas. Mais escandaloso ainda: num sector-chave com forte organização sindical como o dos transportes, limitaram a greve a algumas horas com a desculpa de facilitar a participação nas manifestações. Apesar de todos estes obstáculos, a participação e as mobilizações foram massivas.

A força da greve provoca tensões no Governo

Um golpe que já está a ter consequências e provocou nervosismo e tensões dentro do Governo e com seus aliados. Milei demitiu o ministro das Infraestruturas e retirou da Lei Ómnibus a privatização da petrolífera estatal YPF, a reforma do sistema que mede os aumentos das pensões e o aumento de impostos sobre algumas exportações regionais. Também reduziu a sua solicitação de ter poderes especiais de dois anos prorrogáveis para quatro, a um prorrogável para dois.

Desta forma, tenta reduzir a pressão nas ruas e facilitar a aprovação das medidas essenciais do seu plano de ataque: poderes especiais, mais repressão policial e 90% das medidas privatizadoras e contra os direitos laborais e sociais.

Os discursos dos dirigentes sindicais após o sucesso incontestável da greve, não deixam dúvidas. Nenhuma proposta para continuar a luta! Confiança cega de que será a justiça burguesa e não a mobilização social que irão travar os decretos mais autoritários do Governo. E como não!? Apelos desesperados aos deputados da União pela Pátria (UP) peronista, à direita “moderada” e até mesmo a setores do partido fascista de Milei para negociar uma flexibilização da Lei Ómnibus no Parlamento.

A maioria dos deputados apoia os pontos fundamentais da lei e já aprovou que a tramitação da mesma continue, incluindo o suposto “centro-direita” da Unión Cívica Radical (UCR), os deputados de vários partidos regionais e a direita peronista que nas eleições presidenciais apoiou o reacionário Schiaretti, e que os líderes da UP consideram possíveis aliados contra Milei. Até um grupo de deputados da UP anunciou a sua saída para apoiar o Governo.

A oposição à Lei Ómnibus dos dirigentes da UP, embora reflita a pressão vinda de baixo das massas, não é acompanhada de nenhum plano ou medidas concretas para endurecer a mobilização . Quem é que se pode surpreender? São os mesmos líderes que governaram nos últimos quatro anos e que com os seus compromissos com o FMI, as concessões aos capitalistas e os cortes sociais pavimentaram a vitória de Milei.

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Deixar a luta contra o fascista Milei nas mãos da União pela Pátria ou dos juízes, que suspenderam alguns pontos dos decretos por questões de forma, só pode levar ao desastre.

Deixar a luta contra este fascista nas mãos deles, como propõem os dirigentes da CGT, ou nas de alguns juízes que suspenderam a aplicação de alguns pontos dos decretos presidenciais por razões de forma — tentando que isso pudesse demover de alguma forma o protesto social —, só pode levar ao desastre.

Levantar um plano de luta que vá além das manobras retardadoras da burocracia!

A Argentina enfrenta uma luta de classes implacável cujo desenvolvimento influenciará os processos em muitos outros países. Os fascistas são muito claros: a extrema-direita global, entusiasmada, acena a Milei. Os setores decisivos da oligarquia financeira, industrial e agrária argentina e do grande capital internacional e do FMI também entendem isso e cerram fileiras apoiando as suas medidas. Tal como o imperialismo norte-americano, que num contexto de retrocesso contra a China no continente, vê em Milei e outros governos reacionários pontos de apoio para recuperar a iniciativa e passar ao ataque.

Centenas de milhares de trabalhadores também compreendem o que está em jogo e é por isso que, apesar da falta de um plano de luta claro e da contenção da burocracia, saíram às ruas desafiando as ameaças do Governo, da polícia e do aparelho de Estado.

O incrível é que ainda existem alguns que, declarando-se marxistas, trotskistas e comunistas, substituem uma política revolucionária consistente para lutar contra esta ameaça reacionária, e com evidentes elementos fascistas, por uma mistura desagradável de abstrações, enquanto insistem no conto de fadas de que Milei, Trump, etc. não representam a classe dominante e que esta será responsável por detê-los. Algumas ideias que são úteis para a política da burocracia sindical e dos reformistas para acabar com a luta nas ruas.

Milei pode ser derrotado e a forma de o fazer foi mostrada por centenas de milhares de trabalhadores na Argentina este 24 de janeiro. O desafio deste fascista e do seu governo de representantes diretos da oligarquia não é retórica.

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Centenas de milhares de trabalhadores compreendem o que está em jogo, e é por isso que saíram às ruas desafiando as ameaças do governo, da polícia e do aparelho estatal.

A Coordenadora contra a Repressão Policial e Institucional (CORREPI) denunciou recentemente que em 35 dias de Governo Milei, 32 pessoas foram assassinadas pela polícia, 12 delas vítimas do seu gatilho fácil nos bairros populares mais atingidos pela crise enquanto que 16 foram em prisões e esquadras de polícia. Explicamos isso em artigos anteriores. Milei não precisa de camisas negras fazendo a saudação a Hitler. Já tem a sua força de choque em uniforme na polícia e nos oficiais do exército, infestado por elementos fascistas.

A esquerda que se considera revolucionária tem a oportunidade — e a enorme responsabilidade — de propor uma política de frente única para ganhar o apoio das bases peronistas da CGT e da CTA, deve organizar assembleias em milhares de locais de trabalho, em bairros e centros de estudo para impor uma nova greve geral de 48 horas, deve promover comités de ação que organizem a autodefesa e a continuidade da luta a partir de baixo.

Um plano de ação deste tipo é a melhor ferramenta para explicar que a crise do capitalismo argentino não é um acidente, que não há espaço para acabar com a hiperinflação, a pobreza e a precariedade respeitando a lógica capitalista, que devemos organizar a imensa força demonstrada na greve geral para defender um programa socialista, de nacionalização da banca, terras e grandes empresas sob o controlo e gestão democrática dos trabalhadores.

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