Levantemos uma alternativa própria da classe trabalhadora!
Artigo originalmente publicado a 05 de junho de 2024 pela secção venezuelana da Esquerda Revolucionária Internacional.
A 28 de julho a Venezuela realiza eleições presidenciais. Eleições totalmente condicionadas pela decisão antidemocrática do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo governo de Nicolás Maduro, de excluir qualquer candidatura de esquerda crítica das suas políticas e permitir apenas candidatos de direita e ultradireita de competirem consigo.
Tanto Maduro como o seu principal opositor, Edmundo González Urrutia, concordam em pontos fundamentais, embora a propaganda oficial se recuse a reconhecê-lo. Ambos querem continuar a oferecer os recursos do país às multinacionais imperialistas numa bandeja de prata, atacar salários e direitos laborais dando mais poder à classe burguesa que obtém lucros recordes, e reduzir a cinzas todas as conquistas obtidas pela classe trabalhadora sob os governos de Hugo Chávez.
A diferença mais clara entre eles é se devem aplicar esta agenda capitalista e anti-trabalhadores de mãos dadas com o FMI, os bancos e monopólios estado-unidenses e europeus, como defendem Machado e Urrutia, ou com os capitalistas russos, chineses e outros que Maduro considera seus aliados, como o regime turco ultra-reacionário de Erdogan ou o Irão dos mulás.
Durante os últimos anos, o governo selou acordos com vários destes países que não beneficiaram em nada os trabalhadores, mas enriqueceram as camadas superiores da burocracia que dirige o Estado com mão de ferro e os capitalistas, e concederam suculentas receitas a sectores da pequena-burguesia.
As políticas anti-classe trabalhadora favorecem a direita e a contrarrevolução
De mãos dadas com os imperialistas chineses e russos, bem como com a cúpula militar, cada vez mais determinante no governo, a burocracia madurista e a burguesia que emergiu das suas fileiras estão a tentar consolidar um regime de capitalismo de Estado com as características mais típicas do bonapartismo burguês.
Maduro e os dirigentes do PSUV continuam a disfarçar-se com a imagem de Chávez, falando cinicamente de revolução, socialismo, anti-imperialismo e anunciando medidas sociais que sistematicamente deixam por cumprir. O que cumprem, e à letra, são os seus compromissos com os patrões, recorrendo a uma repressão cada vez mais brutal contra o movimento dos trabalhadores e a esquerda militante. O governo está a usar o seu controlo do poder judicial e do aparelho de Estado para atacar e ilegalizar os partidos de esquerda que criticam as suas políticas, bem como ameaçar, despedir e até prender sindicalistas e trabalhadores por travarem lutas e tentarem formar sindicatos fora do seu controlo.
O resultado é uma verdadeira contrarrevolução contra os direitos sociais e laborais: salários de fome, emigração de milhões de pessoas e a luta diária pela sobrevivência. Tudo isto enquanto uma minoria enche os bolsos de forma insultuosa, circulando pelos conjuntos habitacionais com os seus carros de luxo, comprando casas de luxo e saqueando os recursos do país.
Esta situação é aproveitada por elementos como Machado e Urrutia para obter apoio entre as massas, usando demagogicamente os baixos salários e prometendo um futuro cor-de-rosa às mãos do FMI, sem sanções nem conflitos com Washington, influxo de investimentos, etc. Falam mesmo de "regeneração democrática" e de "reconciliação nacional". Que hipocrisia!
Por muito que vistam a pele de cordeiro, Machado, Urrutia e todos os outros são os mesmos que organizaram golpes de Estado que custaram dezenas de vidas, e aqueles que não hesitaram em pedir uma intervenção militar dos EUA na Venezuela como as que afogaram em sangue o Iraque, a Líbia, a Síria ou o Afeganistão.
Se estes lacaios de Biden (ou Trump) chegarem a Miraflores, as suas políticas serão as mesmas dos seus amigos Milei, Uribe ou Bolsonaro. Tudo para os ricos e os sectores mais retrógrados da sociedade e nada para o povo, submissão às multinacionais estado-unidenses, apoio ao genocídio sionista contra o povo palestino...
É por isso escandaloso que dirigentes de um partido de esquerda como o PCV, que sofreu na carne a repressão de regimes reacionários anteriores e agora do governo Maduro, abandonem uma posição classista e levantem a possibilidade de votar num desses candidatos de direita.
Não se pode usar o argumento de que "a prioridade é livrarmo-nos de Maduro" para apoiar forças da reação. Nós denunciamos firmemente as perseguições e manobras antidemocráticas do Governo contra os militantes e dirigentes do PCV, mas a posição de apoio a um candidato de direita representaria uma rutura total com os interesses da classe trabalhadora e apenas contribuiria para lavar a cara das marionetas do imperialismo e brindar a burocracia governamental com justificações desnecessárias para os atacar.
Quer antes quer depois de 28 de julho, a tarefa principal é levantar uma alternativa da classe trabalhadora
Estamos perante as eleições mais difíceis que a esquerda combativa venezuelana enfrentou em décadas. Por causa dos fatores que analisamos, não só as camadas médias, mas também sectores de trabalhadores desesperados e desmoralizados, mesmo ativistas frustrados atingidos pela repressão, podem cair na armadilha de votar na direita acreditando que nada é pior do que continuar sob este governo. Outros, embora muito desencantados e críticos do governo, farão o contrário: votarão no PSUV e em Maduro, precisamente para impedir a chegada da direita controlada pelos EUA a Miraflores.
Na ausência de uma alternativa credível ao Governo e à direita, haverá também milhões de trabalhadores que se absterão, como aconteceu nas últimas eleições. Mas desta vez não serão apenas sectores desmoralizados. Muitos dos ativistas mais militantes usarão a abstenção para denunciar a repressão contra a esquerda e expressar a rejeição tanto da política capitalista do Executivo como da direita e do imperialismo.
Nós compreendemos esta posição e defendemos que tanto durante esta campanha como depois de 28 de julho o ponto-chave é levantar uma alternativa própria da classe trabalhadora, uma esquerda combativa que rompa com qualquer seguidismo, apoio eleitoral ou colaboração tanto com a direita como com o governo e a burocracia.
O trágico desfecho da revolução bolivariana apenas confirma que qualquer tentativa de negociar com sectores da classe dominante (ou da burocracia), de fazer pactos com a direita, etc., só pode levar ao desastre.
Chávez conquistou o apoio de massas e ganhou eleição após eleição porque os oprimidos sentiram que a possibilidade de acabar com o capitalismo estava ao seu alcance. Enfrentou o imperialismo e a oligarquia de forma determinada e corajosa e promoveu reformas progressistas que constituíram um ponto de viragem histórico, despertando a politização de milhões e incentivando a luta pelo socialismo. Mas também cometeu erros estratégicos que agora revelam as suas consequências.
Em vez de levar a cabo uma política coerente de destruição do Estado capitalista, de expropriação da banca e do grande capital, estabelecendo assim as bases para a gestão democrática e a participação dos trabalhadores na administração de todas as matérias da vida social e económica, procurou avançar através de acordos com os imperialistas chineses e russos. Promoveu também pactos com aquela burguesia supostamente "nacional e patriótica", mas que, na prática, é igualmente predatória e movida apenas pelos seus lucros e poder.
O resultado foi o crescimento desmedido do aparelho de Estado e o fortalecimento de uma casta de burocratas que logo se desligaram dos interesses do povo em busca de vantagens materiais e privilégios. Um processo que degenerou cada vez mais, e os levou a fundir-se com uma parte da burguesia venezuelana. O resultado é que hoje esses mesmos burocratas liquidam e arrastam o legado de Chávez pela lama.
A catástrofe que estamos a sofrer não tem origem no "socialismo", mas na manutenção pela burocracia de Maduro do regime capitalista, consolidando e ampliando o poder de uma burguesia extremamente corrupta e parasitária como a da Venezuela.
Se Maduro conseguir impor-se, contando com o seu controlo do poder judicial e estatal com o apoio da cúpula militar, da China e da Rússia, as mesmas políticas capitalistas e repressivas continuarão. Se a direita, apoiada pela Casa Branca e pela União Europeia, conseguir colocar um dos seus em Miraflores (algo que só parece viável abrindo uma divisão dentro da burocracia e da liderança militar que hoje não parece muito provável) o resultado será mais ataques, cortes sociais e repressão, como está a acontecer em países onde já governam, como na Argentina, no Peru ou no Equador.
São inegáveis as dificuldades em erguer uma alternativa revolucionária da classe trabalhadora. O ceticismo e a desmoralização provocadas pela liquidação do processo revolucionário pelos próprios dirigentes do PSUV, o medo da repressão e a desconfiança nas suas próprias forças continuam a pesar fortemente. Soma-se a isso a dispersão e o enfraquecimento organizacional causados pela luta diária pela sobrevivência, consequência do colapso económico.
Estes obstáculos só podem ser ultrapassados começando por impor clareza às políticas e ao programa a defender, explicando pacientemente às massas que não há atalhos, e combatendo quaisquer ilusões em pactos com sectores da burocracia ou da direita.
Devemos começar por organizar assembleias e reuniões em todos os locais de trabalho e estudo, bairros e comunidades para recolher as reivindicações de todos os oprimidos (movimentos operário, camponês e estudantil, coletivos feministas e LGTBI, ativistas pelo meio ambiente – contra os megaprojetos –, povos indígenas...) unificando-os num plano de ação e num programa que sirvam para organizar as lutas a partir das nossas próprias forças.
Devem emergir destas assembleias comités de ação em cada local de trabalho, bairro, etc. para organizar a resposta a qualquer ataque ou medida repressiva de onde quer que venha: do governo e do aparelho de Estado, empresários, governadores, presidentes de câmara, etc. É igualmente necessário defender a coordenação local, regional e nacional destes comités através de delegados eleitos e revogáveis.
Este plano de ação deve ser conjugado com um verdadeiro programa socialista que defenda a expropriação da banca, da terra e das grandes empresas que hoje são controladas por capitalistas, burocratas e multinacionais, colocando-as sob a administração direta dos trabalhadores e do povo para planificar democraticamente a economia e satisfazer as necessidades sociais.
Um programa que deve ser internacionalista, que lute pela revolução socialista na América Latina e no mundo, pela solidariedade de classe com todos os povos oprimidos, contra o genocídio sionista em Gaza, e por não conceder qualquer crédito político nem ao imperialismo ocidental, responsável pelos mais terríveis massacres, nem a regimes que embora se apresentem como adversários de Washington e Bruxelas são também inimigos dos trabalhadores e das lutas dos povos.
Hoje, na Venezuela, precisamos de reconstruir uma esquerda revolucionária sem sectarismos, mas conscientes das experiências pelas quais passámos, e que leve a cabo uma política de frente única com todas as forças de classe que aspiram à mudança revolucionária. Não há outro caminho.
Junta-te aos comunistas da Esquerda Revolucionária para lutar por estas ideias!