A situação na Venezuela entrou numa espiral que pode decidir o futuro imediato do país nos próximos dias. O Ministro do Interior, Néstor Reverol, anunciava a proibição de qualquer manifestação que possa alterar a concretização das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte (ANC), previstas para este domingo 30 de julho. Os dirigentes contra-revolucionários da MUD (coligação que agrupa a direita e a extrema direita venezuelanas) desafiaram abertamente esta proibição convocando os seus partidários a ocupar as ruas durante todo o fim de semana e a prosseguir com as suas ações violentas, com o objetivo de impedir a eleição da Constituinte.

O Departamento de Estado estado-unidense pediu aos seus cidadãos que não viajem para a Venezuela e ordenou às suas famílias diplomáticas que abandonem o país. “A situação política e de segurança na Venezuela é imprevisível e pode mudar rapidamente”, diz o comunicado. Trata-se da mesma linguagem cínica e calculista que precedeu outras ações golpistas e violentas auspiciadas pelo imperialismo em diferentes momentos e lugares.

As concessões do governo encorajam os fascistas

O agudizar da ofensiva contra-revolucionária é a resposta dos dirigentes da MUD e o imperialismo estado-unidense às vacilações, tentativas de reconciliação e negociações realizadas pelo Governo Bolivariano durante os últimos dias: desde a libertação (rejeitada pelas bases chavistas) do dirigente fascista Leopoldo López, responsável por 43 mortes na guarimba[1] de 2014, até à sugestão por parte da reitora do CNE[2], Socorro Hernández, e o próprio Presidente Maduro de que o projeto da ANC[3] poderia ser reconsiderado se a MUD aceitasse o diálogo. Na marcha de apoio ao Governo na quinta-feira, 27 de Julho, Maduro (para surpresa dos seus próprios partidários) reiterava esta ideia, chamando os dirigentes da MUD para a reconciliação nacional e oferecendo-se para abrir negociações antes de instalar a Constituinte.

Uma vez mais, como aconteceu com todas as convocações para diálogo anteriores, a resposta da MUD foi intensificar a via insurrecional e recrudescer a violência e ações terroristas nas ruas. A debilidade convida a agressão. É uma velha lei que vimos funcionar em todas as revoluções e a Venezuela não é uma excepção.

A incapacidade da MUD para conseguir que a greve geral de 48 horas que convocaram na quarta-feira, 26, e quinta feira, 27, fosse seguida nas grandes e médias empresas e em zonas como o centro e oeste de Caracas e outras zonas populares das principais cidades demonstra que continuam a ter enormes problemas para se sintonizarem com amplos sectores das massas. Embora descontentes com a grave situação económica e as políticas que o governo está a aplicar, milhões de jovens, trabalhadores e camponeses desconfiam instintivamente da direita. Isto demonstra que se se estivessem a aplicar medidas socialistas e o poder estivesse nas mãos dos trabalhadores e do povo, seria possível derrotar a ofensiva golpista da direita.

Derrotar a contra-revolução exige medidas socialistas, não capitalistas

Como explicamos em artigos anteriores: “Só há um modo de evitar a derrota da revolução bolivariana. Que a economia e o Estado passem a estar controlados efectivamente pelos trabalhadores e não pelos capitalistas e burocratas, como ocorre atualmente. A solução é que a classe trabalhadora, à cabeça das camadas oprimidas da Venezuela, tome o poder político e económico e leve a cabo medidas socialistas enérgicas, nacionalizando a banca, a terra e as principais empresas sob seu controlo democrático para planificar e utilizar os recursos da economia em função das necessidades sociais. Desta maneira, com um Estado baseado na democracia operária e em órgãos reais de poder dos trabalhadores, eleitos e revogáveis democraticamente, poder-se-ia lutar imediatamente e de maneira eficaz contra a inflação, o desabastecimento, a corrupção burocrática e a sabotagem capitalista. Há que derrubar de uma vez por todas o capitalismo, expropriar a burguesia e acabar com a quinta-coluna burocrática!”

Milhares de jovens e trabalhadores estão dispostos a seguir este caminho. Quando foi convocada a Constituinte, muitos deles tentaram converter esta num instrumento para lutar tanto contra o parlamento burguês (Assembleia nacional) controlado pela MUD como contra a burocracia que se dedica a minar as conquistas sociais alcançadas durante os últimos anos, sabotar e reprimir a luta dos trabalhadores e do povo. Alguns grupos e candidatos que se apresentam às eleições de 30 de Julho continuam a defender que a ANC deve servir para discutir sobre como expropriar a burguesia e construir um verdadeiro estado revolucionário.

No entanto, o que está a fazer o governo é exatamente o contrário do que seria necessário para fortalecer uma resistência de massas contra o golpe e a insurreição contra-revolucionária em marcha. Embora tenha anunciado medidas como a inclusão das Misiones (planos educativos, pensões, etc.) nas modificações constitucionais que discutirá a ANC, o grosso de medidas planeadas supõe um desmantelamento das acções mais à esquerda aplicadas por Chávez na tentativa de responder às massas.

Distintas organizações e grupos de activistas chavistas de base elaboraram durante a campanha e nos últimos meses críticas à política governamental por procurar uma aliança com a burguesia e gerir a crise aplicando políticas capitalistas como pagar pontualmente a dívida externa enquanto corta o dinheiro público destinado a importar alimentos para enfrentar o desabastecimento, aceitar as constantes subidas de preços exigidas pelos empresários, paralisar as expropriações e o controlo operário ou fazer despedimentos em massa em empresas e instituições do Estado.

Nenhuma concessão aos empresários!

Desde que convocou as eleições para a ANC, o governo bolivariano deu um protagonismo cada vez maior aos escassos sectores empresariais que decidiram apoiar a Constituinte. Alguns desses empresários não hesitaram em aproveitar esta oportunidade para apresentar os seus próprios candidatos e exigir que um dos objetivos da Constituinte seja aplicar toda uma série de medidas que a burguesia vem a exigir já há muito tempo, incluindo os sectores mais abertamente comprometidos com a estratégia golpista e violenta da MUD.

A agenda dos empresários não pode ser mais clara: novas e mais amplas subidas de preços, reversão das expropriações e entrega de toda uma série de empresas aos seus antigos proprietários, travar o controlo operário ou experiências de sindicalismo combativo e revolucionário que desafiem os seus interesses de classe, extensão das zonas especiais, empresas mistas, ampliação de experiências como a de Arco Minero, que abrem os recursos minerais e naturais da Venezuela à exploração selvagem por parte das multinacionais e empresas privadas.

Diferentes dirigentes do PSUV celebraram esta participação empresarial na ANC e mostraram a sua vontade de ceder a várias das suas propostas. Por outro lado, muitos dos candidatos à ANC são esses mesmos dirigentes que setores das massas vêem cada vez com maior desconfianças depois de anos à frente de instituições do Estado (distritos, governos locais, ministérios...) durante os quais travaram todas as intenções das bases revolucionárias de acabar com o Estado capitalista e construir um verdadeiro Estado revolucionário dirigido pelos trabalhadores e o povo.

Este feito, juntamente com a aplicação de políticas capitalistas que estão a colocar o peso da crise sobre o povo, tem sido uma das causas fundamentais da debilitação do apoio ao PSUV e o aumento da desmoralização e do cepticismo entre as massas durante o último período. Seguir por este caminho só facilita os planos da direita.

Embora a curto prazo determinados empresários se disfarcem de amigos e participem nas reuniões com o governo (porque não fazê-lo se essas reuniões terminam com concessões de divisas a preços preferenciais que lhes permitem fazer sumarentos negócios?) ou façam declarações a favor da paz, da reconciliação nacional e do diálogo, é apenas questão de tempo (cada vez de menos tempo) até que se somem ao coro reacionário que apela à queda do governo. Estão somente à espera do momento mais propício para fazê-lo, quando a decepção das bases chavistas com os erros e o giro à direita do governo alcançar um ponto sem retorno e o plano golpista da MUD tiver maiores garantias de êxito.

Só a mobilização da classe trabalhadora com um programa verdadeiramente socialista pode derrotar a direita

Até ao momento o fator fundamental que impediu a direita de tomar o poder é que, pese a profundidade do colapso económico e a brutal campanha de violência e terrorismo que despontaram (mais de 104 mortos em 115 dias de violência nas ruas, atentados terroristas e ações fascistas como linchar e queimar vivos vários militantes de base chavistas) não conseguiram abrir uma brecha na alta oficialidade do exército que lhes permita dar um golpe, derrubar o governo e lançar o assalto final a Miraflores.

O governo está convencido de que a política de basear-se em promoções e concessões aos altos oficiais enquanto chama os soldados e as suas famílias (a classe trabalhadora e o povo) a resistir, a apertar o cinto, etc., chega para garantir a unidade das Forças Armadas frente à ofensiva contra-revolucionária. Nada mais longe da realidade!

Todas as contradições que existem na sociedade venezuelana: o colapso económico (desabastecimento, inflação, luta pela sobrevivência, corrupção, etc.), a desigual distribuição da riqueza, a erosão do apoio ao governo motivado pela falta de resolução destes problemas e a política cada vez mais errática e vacilante por parte do mesmo, não podem deixar de afectar o próprio exército. Devido às suas características a cúpula militar tende a parecer monolítica durante algum tempo. No entanto, quando a crise e a polarização política chegam a um ponto crítico (como está a acontecer hoje na Venezuela), todas as contradições acumuladas no seu seio tendem a estalar bruscamente. A aparente unanimidade rompe-se e aparecem divisões abertas como vimos em Abril de 2002. Este perigo é cada vez maior num contexto como o que vive a Venezuela. A possibilidade de um golpe, que num primeiro momento inclusive se declare bolivariano e utilize uma retórica parecida com a que já está a ser aplicada pela Procuradora Geral do Estado (aliada na prática à MUD, mas que continua a declarar-se chavista) para planear algum tipo de “transação” ou “governo de unidade nacional”, é uma ameaça muito real.

O único modo de impedir que, caso se produzam estas divisões no comando militar, se imponha a direita, é conquistar o apoio massivo da tropa, os milhares de operários e camponeses de uniforme que compõe a base do exército. Mas só há um modo de conseguir isto: com medidas socialistas, revolucionárias, e o desenvolvimento de um verdadeiro Estado revolucionário dirigido pelos trabalhadores e pelo povo.

Como repetimos incansavelmente: só o povo salva o povo. Nós, jovens, trabalhadores, camponeses e soldados revolucionários devemos organizar-nos nos nossos centros de trabalho, bairros e quartéis, em primeiro lugar para resistir e derrotar o ataque fascista, os planos golpistas da MUD e o imperialismo estado-unidense. Mas ao mesmo tempo para nos reagruparmos sob uma bandeira clara, com um programa que unifique todas as reivindicações operárias e populares. Um programa que defenda medidas verdadeiramente revolucionárias, que acabe de uma vez por todas com o poder dos capitalistas e burocratas e ponha a direção da economia e do Estado nas mãos da classe operária e do povo pobre.

Este programa, entre outros pontos, deveria incluir os seguintes:

  • Não ao governo reacionário e planos golpistas que a MUD tenta impor.
  • Assembleias em cada centro de trabalho e cada bairro para discutir como enfrentar a estratégia golpista da MUD e formar comités de ação para organizar a defesa das conquistas e reivindicações operárias e populares.
  • Luta pelo controlo operário e gestão directa das empresas mediante conselhos de trabalhadores e do povo, derrotando tanto a contra-revolução burguesa como a reação burocrática.
  • Nenhuma concessão nem pacto com a burguesia. Nacionalização da banca, da terra e das grandes empresas sob o controlo e gestão directa e democrática dos trabalhadores e do povo.
  • Frente à especulação e à inflação: formação de comités populares de ação directa, democraticamente controlados, para garantir o abastecimento e impor preços acessíveis para o povo.
  • Nenhum retrocesso nas condições de vida, salários e direitos dos trabalhadores. Subidas salariais por cima da inflação mantendo o poder aquisitivo dos trabalhadores.
  • Nenhuma destruição de emprego em empresas públicas nem privadas. Recolocação imediata de todos os trabalhadores que de maneira arbitrária e injustificada foram despedidos.
  • Abertura dos livros de contas e inventários de todas as empresas públicas e privadas à inspeção dos trabalhadores e comissões de moradores. Prisão imediata de todos os burocratas corruptos que roubaram o povo.
  • Que todos os cargos e representantes públicos cobrem o salário de um trabalhador qualificado.
  • Elegibilidade e revogabilidade de todos os cargos e que mostrem contas da sua gestão, periodicamente, perante assembleias dos trabalhadores e moradores.
  • Não à impunidade para os golpistas e assassinos do povo. Juízo, investigação e castigo de todos os envolvidos em ações violentas contra os trabalhadores.
  • Monopólio Estatal do comércio exterior sobre gestão directa operária e popular para garantir que há alimentos suficientes e a preços acessíveis para o conjunto da população.
  • Unidade na luta com os nossos irmãos de classe na Bolívia, Equador, Cuba, Brasil, Argentina... O socialismo só pode ser internacional: pela Federação Socialista da América Latina.

NOTAS:

[1] A palavra “guarimba” é a expressão venezuelana para barricada. Hoje, no entanto, é o nome dado às acções de rua violentas, aos bloqueios de rua e às barricadas que organizam as forças da direita.

[2] Conselho Nacional Eleitoral.

[3] Assembleia Nacional Constituinte.

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