Por um salário digno! Pela defesa dos direitos dos trabalhadores contra as políticas dos capitalistas e do governo!
A crise do sistema capitalista a nível mundial está a agravar ainda mais o colapso que a economia venezuelana tem vindo a sofrer desde 2015. Este colapso deteriorou dramaticamente as condições de vida dos trabalhadores e trabalhadoras, baixando os salários para níveis insustentáveis e aumentando brutalmente a precariedade, a exploração e a economia informal.
Os salários mais baixos e os preços mais altos da América Latina
Embora o governo de Nicolás Maduros e os dirigentes do PSUV [Partido Socialista Unido de Venezuela] continuem a encher a boca com palavras como “socialismo” ou “revolução”, estão a desmantelar todos os direitos e reivindicações conquistadas pelo movimento operário com a nossa organização e a nossa luta antes e durante os governos de Chávez. De conquistar um dos salários mais elevados da América Latina durante os anos de ascenso revolucionário (2004-2009), os trabalhadores e trabalhadoras venezuelanos viram como estes últimos 5 anos de contra-revolução burocrática fizeram dos nossos salários os piores do continente.
Instituições como o Instituto Nacional de Estatística (INE) e o Banco Central da Venezuela (BCV) ocultam os dados ou disponibilizam-nos a conta-gotas. Mas não podem tapar o sol com a peneira. Segundo o BCV em 2014 o capital privado apropriava-se de 31% do PIB, 36% ia para os assalariados e o Estado obtinha 13%. Em 2017 — os dados mais atualizados disponibilizados pelo BCV — esta distribuição já se tinha modificado claramente a favor do capital. Este obtinha 50%, um aumento de quase 20 pontos em apenas três anos, enquanto nós trabalhadores víamos o nosso rendimento cair para metade, recebendo apenas 18%. Por seu lado, o Estado também recebia menos: 9%.
Também segundo o BCV, desde 2017 a exploração dos trabalhadores venezuelanos pelos empresários aumentou 247%. Por cada bolívar de salário pago, os empresários ganhavam 30. Esta proporção cresceu nos anos seguintes. De 2018 até hoje o salário real diminuiu 99%. Como explica a economista Pascualina Curzio: “O bloqueio criminoso ao PDVSA [Petróleos da Venezuela] por parte do imperialismo reduziu 78% das nossas receitas de exportações petrolíferas desde 2013. Não há dúvidas. Mas isso não justifica a queda de 99% do salário real”.
Enquanto a classe trabalhadora e os setores populares sofremos este desastre, a oligarquia tradicional e a chamada “boliburguesia” estão a utilizar a pandemia para fazer negócio com o apoio do governo, desfrutando de ajudas do Estado, privilégios financeiros e liberdade absoluta para aumentar as condições de exploração. Uma situação que se agravará ainda mais com as Zonas Económica Especiais anunciadas recentemente.
As políticas do governo atiram milhões de trabalhadores e trabalhadoras para a pobreza
O novo salário mínimo mensal decretado a 1 de maio pelo Ministro do Trabalho, Eduardo Piñate, e ratificado por Nicolás Maduro, será de 7 milhões de bolívares (3,01 dólares [1,79 euros] à taxa de câmbio no momento de escrita destas linhas). Sumando o subsídio de alimentação (que não conta para a antiguidade e outros benefícios sociais) o rendimento mensal será de 10 milhões (3,50 dólares [2,55 euros] mensais). O governo e os dirigentes da Central Socialista Bolivariana de Trabalhadores (CSBT) apresentam-no como uma grande subida de 289%. A realidade é que apenas dá para um quilo de queijo, condenando milhões de pessoas a viver no limiar da sobrevivência e inclusivamente abaixo. O nível de rendimento estabelecido por organzações como a OIT, a ONU ou a CEPAL [Comissão Económica para a América Latina e Caraíbas] para considerar uma pessoa em situação de pobreza extrema é de 1 dólar [0,85 euros] por dia.
Estes salários de miséria são ainda mais corroídos pela dolarização da economia que significa que a desvalorização que já vinha a sofrer o bolívar está a alcançar níveis estratosféricos. O BCV estima 6.000% e outras fontes calculam bastante mais. Para os burocratas e capitalistas que acumulam dólares em contas no estrangeiro e têm acesso de forma regular e em grande quantidade à moeda estadunidense e europeia (legal ou ilegalmente) a dolarização representa “papinha dada à boca”. Para os trabalhadores, pensionistas e desempregados — que vivemos dos nossos salários, pensões e da economia informal — significa mais desigualdade e miséria.
A “alternativa” governamental para aliviar o empobrecimento que representa este salário tão magro num contexto hiperinflacionário é conceder bónus sem impacto nos benefícios sociais vinculados ao salário (pensões, utilidades, etc). Estes bónus, como os cabazes básicos dos CLAP [Comités Locais de Abastecimento e Produção], são utilizados como um mecanismo clientelístico pela burocracia para tentar manter o controlo social, mas não cobrem as necessidades básicas.
A polémica sobre a subordinação dos salários aos lucros das empresas e ao Petro
Nas últimas semanas, um setor minoritário de economistas que apoiam o governo e mesmo alguns deputados do PSUV, confrontados com o crescente mal-estar social causado pelo colapso dos salários, propuseram que a nova Assembleia Nacional (AN) com maioria absoluta do PSUV, eleita a 6 de dezembro de 2020, aprovasse a fixação dos salários ao Petro, a criptomoeda criada pelo próprio governo, a uma taxa de câmbio fixa.
Esta proposta, limitada e que não questiona as políticas capitalistas do governo, desencadeou uma reação histérica não só dos empresários mas também de um grupo maioritário de deputados e dirigentes do PSUV, a começar pelo presidente da Comissão de Economia da AN, Jesús Faria, e mesmo de setores da burocracia da CSBT.
Estes setores atribuem a culpa da queda dos salários exclusivamente ao bloqueio imperialista. Isto é completamente falso. Como já explicámos, os salários têm vindo a cair desde antes e a causa disto é a política dos empresários venezuelanos e estrangeiros com a cumplicidade do governo e do Estado. A posição de Faria (e do governo) é que qualquer aumento salarial deve estar dependente dum aumento prévio da capacidade produtiva e da rentabilidade das empresas, públicas e privadas. Como parte desta política já está a preparar a revenda ou devolução de empresas públicas ou nacionalizadas durante a revolução a empresários privados.
Esta proposta, além de terminar de liquidar o chamado “legado de Chávez”, representa mais um passo na subjugação à lógica dos capitalistas e significará cortes ainda mais brutais nos salários e nos direitos e centenas de milhares de despedimentos. Este foi o resultado das privatizações e de aceitar a lógica de que para aumentar salários têm de se aumentar primeiro os lucros empresariais, em todos os países. Também na Venezuela durante a IV República [anterior à eleição de Chávez].
Acordos CSBT-governo: mais desigualdade e exploração para a classe trabalhadora
Nos primeiros cinco meses do ano vários dos principais sindicatos — FUTPV [Federação Unitária de TRabalhadores Petrolíferos da Venezuela] na PDVSA, Metro Caracas, Construcción, … — assinaram atas-acordos na televisão nacional com Nicolás Maduro e o Ministro Piñate. Apresentados como novas contratações coletivas que terão determinados benefícios socioeconómicos, com montantes dependentes da valorização do Petro, estes acordos foram aplicados sem consultar os e as trabalhadoras.
Devido à falta de uma alternativa sindical revolucionária forte e unida, e porque são apresentados como um aumento do rendimento a curto prazo, estes acordos não provocaram uma rejeição generalizada. No entanto, foram denunciados e criticados corretamente por muitos trabalhadores e trabalhadoras combativos, porque quem realmente beneficiam são os capitalistas e burocratas.
Várias empresas privadas estão também a recorrer ao pagamento de bónus mensais em bolívares, tomando como referência a taxa de câmbio com o Petro ou mesmo com o dólar. Tratam-se também de bónus sem incidência nas utilidades, férias ou prestações sociais, aproveitando o desespero que a crise económica cria em muitos trabalhadores e trabalhadoras. Na maioria dos casos são montantes equivalentes a 80 ou 100 dólares, embora algumas grandes empresas tenham oferecido 200 ou 300.
O objetivo destas medidas tanto para os capitalistas como para a burocracia é acalmar o descontentamento do movimento operário e avançar ainda mais na sua divisão, fragmentação e desmoralização. Enquanto os trabalhadores de grandes empresas públicas, mais organizados e com maior capacidade de exercer pressão, recebem este tipo de bónus, a imensa maioria — que trabalha em pequenas indústrias em condições cada vez mais precárias — é totalmente abandonada, condenada ao salário mínimo de fome aprovado pelo Ministério do Trabalho.
Mesmo para os trabalhadores que recebem estes bónus, trata-se de um presente envenenado. A evolução do Petro depende do que acontece com os investimentos dos especuladores no mercado financeiro mundial e dos preços do petróleo. Num contexto internacional de crise profunda do sistema, este sofrerá todo o tipo de alterações e oscilações. Embora o governo diga que garante o seu montante, estas palavras têm o mesmo valor que outras promessas e direitos consagrados na Constituição ou as leis aprovadas sob Chávez que estão a ser violadas sistematicamente.
Aqueles que têm melhores condições para obter Petros, convertê-los rapidamente em dólares e não perder no câmbio são, como sempre, os empresários e burocratas. Muitos já estão a ver uma nova fonte de negócio nesta troca. O Petro apenas é aceite em algumas instituições públicas e bancos estrangeiros online. Os trabalhadores que recebem estes bónus já estão a ser obrigados a negociar com os especuladores em condições desfavoráveis para trocar Petros por bolívares, perdendo até 50% do valor nalguns casos.
Além disso, o contraste entre a quantia dos bónus acordada pelos burocratas sindicais da FUTPV e CSBT para empresas públicas como PDVSA e outras, muito inferior a algumas grandes empresas privadas, é utilizado para fomentar a ideia da privatização.
Impulsionar assembleias com base na democracia operária e num sindicalismo independente e combativo
Várias organizações políticas e sindicais de esquerda que fazem parte da Alternativa Popular Revolucionaria (APR) e impulsionam movimentos sindicais como a Frente Nacional de Lucha de la Clase Trabajadora (FNLCT) e outras frentes levantaram, corretamente, a necessidade de lutar por uma escala móvel de salários que os vincule ao cabaz básico de bens. Várias destas forças propuseram exigir à AN uma lei neste sentido.
Da Izquierda Revolucionaria nada temos em comum com o sectarismo daqueles que rejeitam a importância de arrancar concessões e leis favoráveis aos trabalhadores através da luta, ao mesmo tempo que defendemos continuar a lutar por uma verdadeira transformação socialista da sociedade que ponha fim ao domínio dos capitalistas e burocratas e coloque o poder nas mãos dos trabalhadores e do povo. Tal como a experiência nos ensina, para arrancar qualquer direito avançado ou lei favorável aos nossos interesses, e ainda mais para que sejam mantidos e aplicados, o único caminho é a organização e a luta.
Muitas leis que conquistámos com luta durante o processo revolucionário, como o artigo 91 da Constituição1 e outras que estão ainda em vigor. Mas nas mãos da burocracia capitalista do PSUV e da burocracia sindical da CSBT são como papel molhado. Será que isto significa que não podemos fazer nada a não ser esperar por tempos melhores? Claro que não! Muitos dirigentes operários da vanguarda e trabalhadores de base mostraram durante este últimos 7 anos vontade de lutar e parar as políticas anti-operários, bonapartistas e capitalistas e de recuperar os seus direitos laborais apesar de obstáculos como a pandemia, a crescente repressão e as ameaças do governo, da burocracia estatal e dos empresários.
Pela unidade de ação da esquerda e um programa revolucionário que impulsione e unifique as lutas
A chave é compreender que a defesa dos nossos direitos e salários não virá de convencer um grupo de deputados do PSUV, ou setores da burocracia estatal ou sindical, para que promovam esta ou aquela lei favorável na AN, mas sim de que os trabalhadores e trabalhadoras revolucionárias impulsionemos assembleias com os companheiros e companheiras em cada local de trabalho, encorajando a criação de comités unitários de luta em defesa dos salários e dos restantes direitos que nos estão a ser retirados, elaborando plataformas com as nossas reivindicações em cada local de trabalho e em cada bairro.
Juntamente a esta primeira tarefa, e inseparável dela, devemos propor a extensão, coordenação e unificação da luta por estas reivindicações com outras empresas e setores, impulsionando assembleias e comités conjuntos de ação e luta a nível municipal, regional e nacional mediante a nomeação de delegados elegíveis e revogáveis, propondo um plano de ação com agitação, piquetes, distribuição de panfletos, comícios públicos, entre outras ações que permitam chegar às amplas camadas das massas trabalhadoras e do povo pobre em geral e apresentar um programa que responda às suas necessidades.
Este programa de luta revolucionário deve ter, na nossa opinião, como eixo central a luta por um salário acima do cabaz básico de bens, a liberdade para todos os trabalhadores e trabalhadoras presas, o direito à organização sindical, a reintegração dos trabalhadores despedidos, a vacinação massiva contra a Covid-19, a discussão de todos os contratos coletivos de trabalho, etc. Deve também incorporar pontos como o confisco dos bancos, empresas estratégicas e latifúndios, colocados sob o controlo e gestão direta dos seus trabalhadores através da elegibilidade e revogabilidade imediata dos cargos de direção.
Devemo-nos manter firmes, explicando que para defender todos os direitos laborais e sociais do povo trabalhador é imprescindível lutar por um programa revolucionário, verdadeiramente socialista, que arranque o poder aos capitalistas e burocratas. Só assim poderemos reagrupar a vanguarda de lutadores operários e populares sobre bases firmes e reorganizar um movimento sindical forte, de classe e combativo, conectando ao resto dos oprimidos e oprimidas para levantar uma real alternativa ao desastre que nos oferecem os capitalistas e a burocracia.
1. Todo o trabalhador ou trabalhadora tem direito a um salário suficiente que lhe permita viver com dignidade e cubrir para si e para a sua família as necessidades básicas materiais, sociais e intelectuais.