A intensa propaganda dos principais meios de comunicação nacionais e europeus acerca da gestão eficaz de Mario Draghi e da boa saúde da economia italiana não podem esconder as políticas de cortes e privatizações do seu governo de banqueiros , a situação desastrosa em que se encontram as finanças do país nem a crescente desigualdade ou o crescente descontentamento social que obrigou os sindicatos, CGIL e UIL, a convocar a 16 de dezembro a primeiro greve geral em sete anos.
A recuperação económica, à custa dos trabalhadores
A realidade é que depois da queda acentuada de 8,9% do PIB em 2020, a economia cresceu apenas 6,2% em 2021. A recuperação tímida estimada pelo Banco de Itália para 2022 e 2023, de 4% e 2,5%, respetivamente, apenas servirá para recuperar os níveis precários prévios à pandemia.
Segundo dados do sindicato CGIL, apenas 1% dos contratos assinados durante este último ano duraram mais de um ano. Embora oficialmente o emprego tenha crescido uns pírricos 0,3%, o número médio de semanas trabalhadas desceu dois pontos percentuais desde 2019. Segundo a OCDE, os salários reais italianos são hoje 2,9% inferiores aos de 1990; apenas em 2020, o salário médio caiu uns 4,33% enquanto a inflação ascendia já em novembro aos 3,8%, fazendo subir notavelmente o custo de vida: o cabaz de compras subiu 1,2% no último mês e o preço da luz é o segundo mais caro da Europa, alcançando 437 euros/MWh.
Por outro lado, a insustentável dívida pública cresceu para os 160% do PIB no primeiro trimestre de 2021, sendo a segunda da zona euro, e segundo as estimativas do Banco de Itália apenas se reduzirá até 153% este ano.
Perante este panorama, os novos orçamentos, que já incluirão uma parte dos fundos europeus (232.000 milhões até 2026), servirá exclusivamente para suportar os benefícios das grandes empresas, que receberão a maior parte deste jato de dinheiro (cerca de 80%). Em contraste, para o desmantelado sistema sanitário — de novo golpeado face ao avanço imparável da variante omicron da covid — estão destinados apenas 9.000 milhões.
A greve geral e o descrédito da burocracia
O mal-estar de muitos setores da classe trabalhadora e os protestos sociais, em crescimento antes da pandemia (particularmente as manifestações significativas do movimento das Sardinhas), lutam por abrir caminho e romper o cenário de paz social e “unidade nacional” em torno do grande capital que representa Draghi, e que tanto o Partido Democrático como os principais sindicatos têm vindo a defender este tempo todo, infligindo retrocesso atrás de retrocesso para os trabalhadores.
Ao longo do último ano, têm-se desenvolvido por todo o país conflitos laborais importantes, trazendo às ruas milhares de trabalhadores, e a 11 de outubro foi convocada uma greve geral por parte dos sindicatos de base (COBAS, USB…) contra os despedimentos e a catástrofe social, e perante a paralisação do sindicalismo oficial. Na fábrica da Whirlpool em Nápoles estão em risco 300 empregos diretos, Stellantis (antigo grupo PSA fundido com a Fiat) prevê até 2026 reduzir 18% dos seus 66.000 trabalhadores, e outras empresas importantes como a Air Italy e a Saga Coffee também prevêem despedimentos massivos.
No setor público, os trabalhadores da saúde, que continuam em condições desumanas perante uma pandemia, fruto das políticas privatizadoras de décadas, protagonizaram em novembro mobilizações nas principais cidades contra a escandalosa falta de meios e de pessoal, e as escolas fizeram greve geral educativa a 10 de dezembro, exigindo aumentos salariais — os professores recebem os salários mais baixos de toda a administração pública — a redução dos rácios e maior investimento.
Neste contexto, e como forma de recuperar uma certa “força” face a um patronato que cada vez mais os ignora, aprofundando o seu desprestígio perante os trabalhadores, a CGIL e UIL, dois dos três principais sindicatos do país (a CISL distanciou-se), viram-se obrigados a convocar a 16 de dezembro uma greve geral de 8 horas contra o projeto de Orçamento Geral para 2022, a primeira desde 2014, quando a classe trabalhadora paralisou o país e inundou as ruas contra a reforma laboral do Governo de Renzi.
Neste momento, no entanto, a greve geral teve um impacto limitado e uma aderência desigual. Os setores com maior aderência foram o da metalurgia, com 80% — em fábricas como a da Lamborghini e do Magneti Marelli pararam mais de 90% dos trabalhadores —, agroalimentar e da construção, com picos pontuais de 90%, e dos transportes com em média 60%, afetando notavelmente as conexões aéreas e ferroviárias ainda que com uma aderência muito variada em metropolitanos e autocarros urbanos. No resto dos setores, a paragem foi geralmente reduzida e as manifestações não tiveram uma forte afluência.
Os organizadores apostaram em organizar apenas cinco marchas — em Roma, Milão, Bari, Cagliari e Palermo — com o objetivo de terem maior impacto, mas não funcionou. Em Milão, 20.000 pessoas manifestaram-se, e na capital não conseguiram encher a Piazza del Popolo. Os sindicatos, embora falassem de “praças cheias”, nem sequer publicaram nos seus sites o número de presentes nas manifestações.
É o preço a pagar pela atitude submissa que os dirigentes da CGIL e UIL têm mantido ao longo de toda a convocatória perante o governo, que lançou desde o primeiro momento uma campanha mediática feroz contra a greve e impôs obstáculos selvagens com serviços mínimos abusivos, proibindo a paragem na saúde, com o pretexto do aumento de casos de Covid, e na educação (devida à proximidade da greve educativa do dia 10!)
É evidente que o descrédito dos principais sindicatos do país pesa muito, após anos a aceitar numerosos retrocessos sociais. A sua mensagem nesta greve manteve-se longe do confronto com o governo de banqueiros de Draghi. O secretário-geral da CGIL, Maurizio Landini, falava perante a comunicação social de uma greve “expansiva”, mas entre as reivindicações não se encontravam propostas concretas sobre como evitar os despedimentos que estão sobre a mesa, a subida de salários, o financiamento dos serviços públicos ou a redução da temporalidade no emprego. O que exigem é deixar de ser marginalizados e que se conte com eles “nas negociações das medidas” que se ponham em marcha.
Landini parece temer mais os trabalhadores do que o próprio Draghi. Logo no mês de novembro, em entrevista ao diário Supersud, manifestou estar “preocupado pelo crescente descontentamento social que poderia levar a revoltas sociais”, para o qual propunha apenas alterar “o que estava mal no modelo económico e social anterior à Covid-19”.
Sim, é possível promover uma greve geral vigorosa, organizada democraticamente desde as fábricas e postos de trabalho, que paralise o país e obrigue o governo a retroceder nos seus planos de cortes e ataques à classe trabalhadora. Para tal, é necessária uma estratégia de luta contundente, de confrontação séria com este governo do grande capital financeiro. Esta greve geral não teve nada disso: sem plataforma reivindicativa, sem assembleias, sem nenhum tipo de plano para continuar a luta… E apesar de isso tudo, setores importantes da classe trabalhadora fizeram o possível para que fosse verdadeiramente um murro na mesa.
O avanço da extrema-direita, um perigo real
A atitude de colaboração total do Partido Democrático (PD), dentro do governo e em conjunto com a extrema-direita de Salvini, é evidente. Nada indica por agora que o governo possa romper-se e o partido de Enrico Letta está completamente implicado nos planos de ajuste de Draghi, que acompanharão os fundos europeus.
São essas políticas do PD e a atitude passiva da burocracia sindical do CGIL, que nem sequer promoveram a criação de comités antifascistas perante o ataque à sua sede no passado mês de outubro, que estão a permitir à Forza Nuova e aos numerosos bandos fascistas atuar com impunidade total e que consigam mobilizar milhares para as ruas.
É claro que a força da classe trabalhadora é muito maior. Ficou claro não só na grande manifestação antifascista que se seguiu ao assalto, que juntou mais de 100.000 pessoas em Roma (à qual não se deu continuidade), mas também às eleições municipais de outubro onde as candidaturas de direita nas principais cidades sofreram uma importante derrota.
O avanço do PD nas autárquicas corresponde à vontade da classe trabalhadora de evitar que a extrema-direita avance e chegue aos municípios, e deu-se apesar das políticas que está a aplicar no governo, mas essa vitória nada teve que ver com esperanças de que os novos autarcas do PD resolvam os problemas urgentes da população. A coligação de direita, nas quais as principais formações são a extrema-direita de Fratelli d’Italia e a Liga, não ganhou em nenhuma das principais cidades. O Movimento 5 Estrelas sofreu um golpe ainda maior, perdendo 11 municípios, entre eles Roma e Turim.
Estes resultados confirmam também a reorganização das forças políticas à direita, com o crescimento de Fratelli d’Italia. A sua estratégia de não entrar no Governo, tornando-se a única força de oposição no parlamento, está a funcionar, beneficiando do desgaste do partido de Salvini e do Forza Italia de Berlusconi, ambos dentro do governo, que ficaram atrás da formação de Meloni em quase todas as principais cidades.
Apesar dos resultados nas autárquicas, o perigo de que a extrema-direita continue a avançar continua muito presente: segunda as últimas personagens, Fratelli d’Italia e a Liga obteriam quase 40% dos votos, superando o 30% de intenção de voto que recolhem os partidos de “centro-esquerda”.
A classe trabalhadora e a juventude trabalhadora italiana, perante todas as dificuldades que enfrentam (pandemia, crise económica, ausência de organizações políticas e sindicais combativas e anticapitalistas…), querem dar, e darão, como em outras ocasiões, batalha à ascensão da extrema-direita e contra as políticas capitalistas do governo de Draghi. Mas para fazê-lo, é necessário levantar uma alternativa revolucionária com uma estratégia de luta firme, de oposição frontal aos despedimentos e aos retrocessos sociais, e com um programa onde estejam representados os interesses da classe trabalhadora, que defenda a reversão de todas as contrarreformas laborais e das pensões, do ensino e saúde públicas, o aumento dos salários, a nacionalização sob o controlo dos trabalhadores dos principais setores económicos e da banca, e que lute por deitar abaixo o sistema capitalista, pela revolução socialista.