O Reino Unido vive um crise histórica. Sem estar recuperada da grande recessão de 2008, envolta na disputa pelo domínio do mercado mundial entre China e Estados Unidos, desgastada por anos de políticas de austeridade e integrada numa UE a entrar em recessão, a burguesia britânica divide-se e paralisa.

A ala maioritária teme as consequências catastróficas de um Brexit sem acordo. A exclusão do mercado único significa um emaranhado de barreiras entre as mercadorias britânicas e os seus destinos mais importantes, além de dificuldades acrescidas para aceder a bens essenciais como medicamentos, alimentos e combustíveis. Somam-se a isto a questão da fronteira irlandesa — que pode reacender o conflito sectário entre católicos e protestantes — e a questão nacional escocesa — que ameaça ferir de morte o Reino “Unido”.

A incapacidade de chegar a um acordo aceitável para as burguesias europeias dá confiança à minoria decidida a avançar com o Brexit a todo o custo. Esta crise tem já 3 anos e a economia já contraiu 0,2% no último trimestre. A pressão da próxima recessão, que dá os primeiros passos, levou este sector da burguesia a concluir que, dada a crise da UE, é necessário alinhar-se com o imperialismo estado-unidense contra a China. Abraçou o nacionalismo económico para gritar contra os condicionamentos da UE à soberania nacional enquanto aceita fazer da Inglaterra colónia dos EUA. Buscando o apoio de Trump, esta ala dispõe-se a tudo, desde abrir as portas aos produtos tóxicos do agronegócio yankee até privatizar o Serviço Nacional de Saúde, uma das grandes conquistas dos trabalhadores.

Esta cisão na classe dominante aprofunda a crise do parlamentarismo. Internacionalmente, as burguesias deixam de poder governar sem formas de dominação autoritárias e bonapartistas, mesmo nos países mais “civilizados”. Assim, Boris Johnson, primeiro-ministro não eleito, anunciou a suspensão do parlamento com o aval dessa relíquia do feudalismo que é sua majestade, a Rainha.

A resposta a esta nova ofensiva anti-democrática não se fez esperar. No dia em que Johnson anunciou a suspensão do parlamento, os deputados da oposição declararam que tudo fariam, inclusive formar um parlamento alternativo, para se opor a isto. No entanto, a burguesia não confia no líder da oposição. Desde que Jeremy Corbyn chegou à liderança do Labour Party, catapultado por um movimento de massas de apoio ao seu programa anti-austeridade, que todas as forças do regime — com a ala direita do próprio Labour na linha-da-frente — o tentam derrubar. Mas uma e outra vez o movimento corbinista derrotou a direita. Esta situação reforça a paralisia da ala anti-Brexit e as suas próprias tendências bonapartistas. Temem a vitória de Corbyn em eleições gerais e tentam afastá-lo com manobras palacianas.

Numa coisa a burguesia está unida: é imperativo que a classe trabalhadora e a juventude continuem a pagar pela crise, dentro ou fora da UE. Qualquer vitória dos sectores explorados e oprimidos, mesmo que parcial, é inadmissível. Assim, até o programa reformista de Corbyn se torna uma cedência inaceitável. No quadro do capitalismo, com ou sem Brexit, não há soluções para a classe trabalhadora.

As cedências de Corbyn aos partidos burgueses enfraquecem o movimento, não são uma “táctica habilidosa”, são mais um passo na direcção de uma tragédia grega. E ceder mais é impossível! Ao invés de responder a Johnson apelando à greve geral, exigindo a demissão do governo e eleições gerais, Corbyn pediu uma audiência à Sra. Elizabeth e tentou cozinhar um acordo com a direita. Disponibiliza-se a liderar um governo “de salvação nacional” que, sem tocar na economia — i.e. mantendo a austeridade —, convoque um novo referendo que permita ficar na UE, protegendo a credibilidade institucional e os interesses burgueses.

No momento da escrita deste artigo têm lugar protestos por todo o Reino Unido, e vários são convocados pelo movimento corbinista. Este é o caminho a aprofundar. Mas qualquer mobilização que esteja subordinada a acordos com a direita está condenada a virar-se contra as próprias massas. A UE é o clube de gestão dos interesses da burguesia europeia — da precariedade, das privatizações e do militarismo. A vitória do Brexit em 2016 foi, acima de tudo, uma revolta contra essa máquina de exploração e opressão. E defender a UE apenas divide a classe trabalhadora em linhas sectárias.

Nenhuma das facções da burguesia tem resposta para os problemas dos trabalhadores e da juventude. Dentro ou fora da UE ela estará unida contra qualquer melhoria das condições de vida das massas.

Só a mobilização mais decidida e um programa socialista de expropriação dos monopólios e da banca, que acabe com a austeridade e com a precariedade, reconstrua os serviços públicos, resolva a crise de habitação, elimine a dívida estudantil, garanta direitos iguais para os trabalhadores imigrantes e promova a urgente transição energética podem garantir um futuro digno. Finalmente, em lugar dos pactos com alas do imperialismo, é necessário um programa internacionalista que ganhe a solidariedade de todos os oprimidos, defendendo o direito à autodeterminação nacional na Escócia e na Irlanda, no quadro da luta por uma Europa socialista, sem fronteiras nem austeridade!

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