Para derrubar e acabar com o governo Macron, greve geral!

Durante novembro e dezembro, dezenas de milhares de trabalhadores e jovens mobilizaram-se por toda a França contra a chamada Lei de Segurança Global de Macron. Uma mobilização respondida pelo Governo com uma repressão brutal: só no domingo, 13 de dezembro, houve cerca de 150 detidos. Em várias cidades importantes, como Bordeaux ou Lille, as manifestações em locais centrais foram proibidas; e em Montpellier, diretamente em toda a cidade. A maior manifestação, em Paris, a 28 de novembro, foi escoltada por mais de 6.000 policias durante toda a sua jornada. Em Bordeaux, Marselha ou Lyon, também foram enviados muitos efetivos para controlar os protestos.

Apesar do contexto de pandemia — que está a atingir duramente a França, com cerca de 60.000 mortes — entre 60.000 e 500.000 pessoas continuam a sair às ruas tanto contra esta lei como contra a repressão feroz. Fruto da pressão nas ruas e da rejeição massiva da opinião pública — o que tem levado a Macron a ter um índice de reprovação superior a 60% — o Governo viu-se obrigado, para tentar apaziguar a luta, a propor que iria reformular o polémico artigo 24 da lei, que proíbe gravar a policia. Apesar disso, os protestos continuaram exigindo a revogação completa da Lei da Mordaça francesa.

Esmagar os direitos democráticos e garantir a impunidade polícial

A nova Lei de Segurança Global foi aprovada a 20 de novembro. O texto é mais um passo com a intenção de garantir a impunidade dos corpos de segurança do Estado. O referido artigo 24 é o mais explícito: difundir imagens que visem atentar contra a integridade física ou emocional de um polícia pode resultar na pena de um ano de prisão e multa de 45.000 euros. Uma redação que, na prática, impede que se possa gravar a polícia e que se difundam abusos e atuações policiais arbitrárias. Um artigo que afeta especialmente a liberdade de imprensa e, mais concretamente, a dos meios de comunicação de esquerda e alternativas que costuma denunciar este tipo de ações.

Além disso, aumenta-se a videovigilância da população (inclusive por drones), limita-se a redução de penas e os benefícios penitenciários quando se trata de ataques à polícia, e permite-se aos policias fora de serviço carregar as suas armas com impunidade. Ao mesmo tempo, o governo também está a impulsionar a chamada “Lei contra o Separatismo”, que criminaliza os muçulmanos e promove a islamofobia, em linha com o discurso de extrema-direita que Macron critica de forma hipócrita. Como podemos ver, não foi necessário que Marine Le Pen governasse para que se promovessem políticas reacionárias e xenófobas, relativamente às quais a democrática União Europeia se cala e dá o seu aval.

Ao mesmo tempo, o orçamento da polícia foi aumentado drasticamente. A Lei de Segurança Global veio acompanhada por um plano para reforçar em 10.000 os efetivos policiais no prazo de 5 anos. Ao mesmo tempo que cortam os orçamentos destinados ao desemprego ou às ajudas sociais, ao mesmo tempo que permitem despedimentos massivos nas grandes empresas, aumentam o orçamento do aparelho repressivo em mais de 500 mil milhões de euros.

Utilizando como pretexto a organização de grandes eventos como a Campeonato do Mundo de Râguebi em 2023 ou os Jogos Olímpicos em 2024, a lei abriu as portas para a privatização da segurança, equiparando a segurança privada com os dispositivos policiais em aspectos como as tarefas vigilância e buscas na via pública. Uma forma de continuar a promover este negócio — em ascensão desde os ataques ao semanário Charlie Hebdo — e de contar com um exército privado de 170.000 agentes em tarefas de ordem pública. Algo que servirá para reprimir greves e conflitos laborais, como se viu quando agentes de segurança privada foram usados ​​para rebentar a greve das camareiras do hotel Ibis em Paris.

Macron atua como Trump: racismo, repressão policial e autoritarismo

Tudo isto num país com uma força policial profundamente racista, onde vimos centenas de casos de extrema violência policial contra negros, árabes e contra sindicalistas e ativistas sociais. Um bom exemplo foi a repressão contra o movimento dos coletes amarelos, que já causou 12 mortes, cerca de 2.000 feridos (100 deles graves) e em torno de 10.000 detidos. Tudo isso na França democrática do liberal Macron!

A deriva autoritária do governo face à mobilização social não parou de aumentar. Com o pretexto da luta contra o terrorismo, foram aprovadas várias contra-reformas, entre as quais a lei antiterrorista, em outubro de 2017, que substituiu o estado de exceção em vigor desde os atentados no Bataclan em 2015. Uma lei que implicou a militarização de dezenas de espaços públicos, como aeroportos, estações comboio ou autocarro, e inclusive escolas e faculdades.

Os episódios de violência policial não param de se multiplicar. Durante os protestos contra a reforma laboral há um ano ou contra as subidas de impostos, milhares de pessoas foram feridas e presas. As imagens de dezenas de estudantes do ensino médio ajoelhados e ameaçados pela polícia em Mantes-la-Jolie circularam pelo mundo como mais um exemplo da brutalidade e impunidade com que atuam as forças de segurança francesas. Os escândalos abalaram inclusivamente a própria segurança privada do presidente, como demonstra o caso Benalla, no qual o responsável da segurança presidencial foi gravado a agredir um manifestante no chão durante a manifestação do 1º de Maio de 2018 em Paris.

O caráter reacionário e racista das forças de ordem francesas não é algo novo. As recorrentes revoltas dos banlieue (subúrbios), especialmente em grandes cidades como Paris, são frutos dessa repressão racista e classista que atua com completa impunidade. O assassinato pela polícia de Adama Traoré em 2016, a violação de um jovem por parte dum agente com seu cassetete, ou o assassinato este ano de Cédric Chouviat mediante uma manobra de “imobilização” semelhante à que acabou com a vida de George Floyd são apenas alguns exemplos.

Não é por acaso que Paris foi uma das cidades europeias que se mobilizou mais massivamente na repulsa ao assassinato de Floyd e em solidariedade com o movimento Black Lives Matter. O fato de Macron ter mostrado sua solidariedade com esses protestos demonstra o seu grau de cinismo. A realidade é que em nada deixa a invejar no racismo e na repressão, nem Trump, nem a extrema-direita de Marine Le Pen.

Três anos de luta sem quartel contra o Governo Macron. O medo da rebelião social aprofunda a viragem autoritária

Desde o triunfo de Macron em maio de 2017, os ataques aos direitos laborais, serviços públicos e direitos democráticos não deixaram de se suceder. E o mesmo aconteceu com a resposta da classe trabalhadora e da juventude nas ruas, um ciclo de mobilizações enormes e altamente radicalizadas. Aquele que se apresentava como representante da moderação e do centro liberal, converteu-se no presidente mais autoritário desde Charles de Gaulle.

Primeiro foram as mobilizações contra a reforma laboral em 2017, respondidas com vários dias de greve geral e mobilizações massivas em todo o país. Posteriormente, foi aprovada uma reforma fiscal que, sob pretexto de redistribuir encargos, subia impostos sobre os aposentados e os baixava sobre os rendimentos do capital. Finalmente, nos finais de 2019, chegou o seu novo projeto estrela: a reforma das pensões. Uma reforma massivamente contestada nas ruas e que deu lugar à greve dos transportes mais longa da história da França. Fruto dessa luta, os aspectos mais sangrentos do projeto foram eliminados e, mais tarde, após o descalabro de Macron nas municipais de março de 2020, o projeto permanece paralisado.

Outro exemplo da temperatura da luta de classes em França foi a mobilização permanente, muito radicalizada e baseada na ação direta, dos coletes amarelos. Um movimento duramente reprimido, que conquistou a simpatia da maioria da sociedade e que obrigou Macron a recuar e retirar o aumento do imposto sobre o diesel. Algo que não implicou nem a sua dissolução, nem que se continuassem a manifestar, convergindo com o movimento contra a reforma das pensões nos finais de 2019 nas maiores mobilizações desde o Maio de 1968.

Macron — a "grande esperança" da França e da Europa! — parece ferido de morte. As últimas eleições municipais foram um duro golpe, não conseguindo a prefeitura em nenhuma cidade com mais de 100.000 habitantes. Ao mesmo tempo, a esquerda — tanto os Verdes como Mélenchon (em aliança com o PS e outros partidos) — obteve a vitória em grandes cidades como Lyon e Marselha, recuperada das mãos da direita, ou de Bordéus, governada pela direita desde 1947. A debilidade demonstrada por Macron obrigou-o a remodelar o seu governo, destituindo o primeiro-ministro.

A mobilização e a luta são o único caminho. Por uma greve geral que acabe com Macron e suas contra-reformas

Tal como os coletes amarelos demonstraram, a única maneira de acabar com a Lei de Segurança Global e o resto das contra-reformas de Macron é por meio de uma mobilização contínua e contundente da classe trabalhadora e da juventude até que seu governo seja derrubado.

De novo as diferentes lutas estão a voltar a confluir, como por exemplo em Marselha, onde a mobilização de 5 de dezembro se uniu com uma marcha em homenagem a Zineb Redouane, uma mulher árabe de 80 anos que foi assassinada faz agora dois anos por uma granada de gás lacrimogêneo lançada pela polícia na sua casa durante a repressão aos coletes amarelos. Mas talvez o melhor exemplo tenha sido a tradicional mobilização da CGT contra a precariedade laboral no primeiro sábado de dezembro, que acabou por converter-se na primeira manifestação massiva contra a Lei de Segurança Global.

Neste contexto, é necessário impulsionar a luta a um nível superior. Um dos objetivos desta lei é, sem dúvida, poder golpear o movimento operário e, concretamente, ter ferramentas para enfrentar as mobilizações, greves e conflitos laborais que se multiplicarão fruto da crise económica. É assim que a classe dominante se prepara. O papel dos sindicatos, e especialmente da CGT, mais à esquerda e mais combativa, é crucial. Preparar e convocar uma greve geral que possa canalizar o enorme mal-estar existente contra Macron é a chave para conseguir derrotar os seus planos. É assim que a reforma das pensões está paralisada por enquanto. Há força para isso, mas há que a organizar!

Por outro lado, Mélenchon e a França Insubmissa devem promover uma estratégia de confrontação e mobilização nas ruas. Posicionar, como Mélenchon apontou, que “a colisão frontal [com Macron] não favoreceria a tomada de consciência política” é um erro completo e só dá balões de oxigênio a um Macron moribundo.

A tomada de consciência política produz-se através da luta, da ação direta nas ruas, de experienciar na própria carne o que é realmente o aparelho de Estado e a democracia burguesa. Precisamente, o movimento guarda uma enorme experiência acumulada nos últimos anos, a juventude e os trabalhadores franceses foram à frente das suas direções em todos os conflitos anteriormente mencionados, foram eles os que empurraram sempre desde baixo e impulsionaram à unificação dos conflitos, estabelecendo comités de luta, etc. E assim está a acontecer com estas novas mobilizações.

Propor — como também fez o líder da France Insoumise — que haja reformas na polícia "para reconstruir os laços de confiança com a sociedade" é uma utopia reacionária. Tal como já explicaram Marx e Engels, no capitalismo, tanto a polícia como as forças de segurança do Estado são homens armados a serviço da propriedade privada. A polícia capitalista é irreformável, ainda que isso não signifique que nos opomos aos direitos democráticos dos polícias, ao seu direito à organização e à greve, ou que os revolucionários não desenvolvam propaganda no seio da polícia para dividir as suas forças em linhas de classe, com apelos claros à recusa de reprimir a população. E claro, é necessário exigir a eliminação dos elementos reacionários e fascistas das forças de segurança do Estado e acabar com a impunidade de que gozam.

Há que organizar uma luta séria e contundente nas ruas, formar comités de luta nos centros de trabalho, centros de estudo e nos bairros, que esses comités impulsionem a organização da greve geral, e paralisar o país até que Macron e seus capangas partam. É assim que se podem interromper os ataques, se impulsiona a tomada de consciência e é assim que a classe trabalhadora e a juventude adquirem confiança nas suas próprias forças e na sua capacidade para transformar esta sociedade.

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