Depois do sucesso da greve geral de 19 de janeiro contra a reforma das pensões, dia 31 de janeiro foi convocada uma segunda, que, apesar das mentiras e ridículos números dados pelo Governo, foi ainda mais vigorosa: 2,8 milhões de trabalhadores e jovens mobilizados nas ruas, segundo a CGT.

Em todo o país as manifestações foram massivas: 500.000 em Paris, 200.000 em Marselha, 80.000 em Toulouse ou 70.000 em Nantes, Bordéus ou Lille... Nos transportes públicos a greve voltou a ser massiva: 65% dos caminhos-de-ferro, 75% dos comboios regionais e 92% dos interurbanos não funcionaram. Na região de Paris houve linhas com 90% de cancelamentos de comboios. A adesão tem sido também total nas refinarias, ensino ou entre os alunos.

O desespero de Macron em apresentar o movimento em recuo ou como algo minoritário contrasta com a força esmagadora das massas na rua, a amplitude crescente do movimento e o apoio social: 7 em cada 10 franceses rejeitam a contra-reforma. Uma força que já obrigou os sindicatos a convocar imediatamente dois novos dias de greve e manifestações nos dias 7 e 11 de fevereiro, coincidindo com o início da discussão parlamentar.

A mobilização está a colocar o Executivo da Primeira-Ministra Élisabeth Borne e o próprio Macron contra as cordas.

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Nos transportes públicos a greve voltou a ser massiva: 65% dos caminhos-de-ferro, 75% dos comboios regionais e 92% dos interurbanos não funcionaram.

A contra-reforma das pensões: uma velha aspiração da burguesia francesa

A destruição do sistema de Segurança Social, construído fruto da luta revolucionária da classe trabalhadora após a Segunda Guerra Mundial e, especialmente depois do Maio de 68, tem sido um dos objetivos centrais da classe dominante francesa nas últimas décadas. A primeira tentativa séria foi feita em 1995, o plano Juppé, e resultou numa derrota histórica para a direita como resultado da rebelião social que provocou.

Desde então, tanto os governos de direita de Chirac e de Sarkozy como do Partido Socialista de Hollande atacaram as pensões públicas, tornando mais difíceis os requisitos para se lhes ter acesso e eliminando regimes especiais com condições mais favoráveis para alguns sectores de trabalhadores.

Mas foi sob a presidência de Macron que os ataques se intensificaram. A retirada em 2019 e 2020 de planos semelhantes aos atuais, mesmo depois de aprovados pelo Parlamento, foi resultado não da pandemia, como tentaram fazer crer, mas de meses de greves muito duras que afetaram praticamente todos os sectores da produção. Uma vitória que mostra que mesmo com uma correlação de forças desfavorável no Parlamento, no final de contas o que é decisivo é a greve, a luta e a mobilização nas ruas.

Agora, mais uma vez, Macron pretende dar um golpe no financiamento da Segurança Social, incluindo uma redução de 5% nas despesas com pensões. No entanto, encontrou dinheiro para aumentar o orçamento militar em 30%, que chegará aos 413 mil milhões no período 2024-2030. Uma quantia sem precedentes desde a guerra da Argélia entre 1954 e 1962. A penetração de capital russo e os acordos militares com Moscovo nas antigas colónias francesas de África, como o Senegal, o Burkina Faso ou o Mali — onde há mobilizações contra a presença militar e as bases francesas — preocupam uma burguesia em decadência, e é isso que explica este aumento desproporcionado das despesas militares.

Tudo num cenário nada favorável para a economia francesa, que poderá entrar em recessão no segundo semestre de 2023. A crise industrial na Alemanha já está a atingir a indústria francesa, especialmente as siderurgias do norte do país, com a produção industrial a cair 2,9% em dezembro.

Ao mesmo tempo, a situação social das famílias trabalhadoras está cada vez mais desesperada. 14,6% dos franceses vivem abaixo do limiar da pobreza — 21% para os menores de 18 anos — e em 2022 havia mais de 400.000 pensionistas a trabalhar para compensar as suas pensões de pobreza. Uma situação que não pára de piorar com uma inflação de 5,6%, que no caso dos alimentos subiu para 12,2%, o que levou a que 60% da população fosse afetada por cortes e racionamento de energia. Ao mesmo tempo, as grandes empresas cotadas no CAC40 gastaram um recorde de 80,2 mil milhões de euros em 2022 no pagamento de dividendos e outras remunerações aos seus acionistas.

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Em 2019 e 2020 Macron já teve que voltar atrás com planos semelhantes aos atuais, mesmo depois de terem sido aprovados pelo Parlamento, como resultado de meses de greves muito duras.

Embora a rebelião dos trabalhadores e o confronto nas ruas se intensifiquem em todo o país, é significativo que a extrema-direita não tem sido capaz de desempenhar qualquer papel relevante. Por um lado, o ultrarreacionário Zemmour apoiou a contra-reforma das pensões, mostrando os interesses de classe que defende. Por seu lado, o discurso de Le Pen, demagogicamente apelando à convocatória de um referendo e rejeitando as greves — o que também a desmascara — mostra a sua impotência e insignificância quando a classe operária e a juventude militante se preparam para a greve geral e a luta nas ruas.

Uma valiosa lição para todos aqueles que durante anos defenderam e teorizaram sobre a viragem para o fascismo da classe trabalhadora francesa. Análises que, ante os primeiros sintomas de ações de massas dos trabalhadores, se desmoronam com a realidade.

O papel das direções sindicais e da France Insoumise

Esta onda de mobilizações está a perturbar os planos da burguesia. Até a direção do CFDT, o sindicato mais conservador, foi forçada a aceitar a unidade sindical face à extensão e pressão do movimento. De facto, a federação petroquímica da CGT adotou um calendário de luta ascendente: a 26 e 27 de janeiro realizou uma greve de 48 horas e voltarão à carga com uma convocatória de 72 horas a partir de 6 de fevereiro, altura em que se propõem convocar uma greve por tempo indefinido e uma paralisação total das refinarias.

O papel da France Insoumise e Jean-Luc Mélenchon — confrontados com os sectores mais à direita da sua coligação eleitoral (NUPES) liderada pelo PS e pelos Verdes — apoiando e incentivando os protestos, apelando a mobilizações massivas, como a de 21 de janeiro em Paris com 150.000 jovens, que permitiram que os sectores da juventude precária se juntassem à luta... é também reflexo da enorme pressão desde baixo.

Mélenchon salientou que combater estes ataques apenas a partir de posições parlamentares é completamente insuficiente e inútil. É verdade que temos de ir mais longe, começando por desenvolver uma campanha militante, juntamente com os sectores e comités mais combativos e radicalizados da CGT, para defender uma estratégia de luta ascendente, seguindo o exemplo dos trabalhadores petroquímicos, com um objetivo claro: uma greve geral de 72 horas de todos os sectores e com a perspetiva de generalizar greves indefinidas.

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A France Insoumise tem de passar de oposição a Macron para a formulação de um programa anticapitalista que reivindique a expropriação e nacionalização sob o controlo dos trabalhadores das grandes empresas e dos bancos.

É fundamental que as decisões sobre a continuidade da luta sejam debatidas e votadas pelos trabalhadores. A convocação de assembleias em todo o país deve fazer parte deste plano de luta. A criação de fundos de luta, a formação de comités de ação em todos os locais de trabalho e centros de estudo, mas também comissões de bairro e piquetes massivos serviriam para ampliar ainda mais o movimento, multiplicando a sua força.

Esta batalha não é apenas sindical. Os ativistas da esquerda combativa e revolucionária devem exigir coerência a Mélenchon e à France Insoumise: passar da oposição a Macron para a formulação de um programa político claramente anticapitalista que reivindique, sem complexos, a expropriação e nacionalização sob o controlo dos trabalhadores das grandes empresas e dos bancos. Desta forma, todos os recursos existentes podem ser canalizados para as necessidades sociais e o bem-estar da grande maioria. Assim, entre outras coisas, não só a idade da reforma não deve ser alargada, como a reforma aos 60 anos, como defende a France Insoumise, poderia ser uma realidade.

A classe trabalhadora francesa está a mostrar que tem muita força não só para derrotar a contra-reforma das pensões e derrubar Macron, mas para desafiar o capitalismo francês, contagiar a classe trabalhadora europeia e erguer a bandeira da revolução socialista.

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