O Inquérito às Condições de Vida, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) no final de fevereiro, é muito eloquente quanto ao rumo traçado pelas políticas dos governos do PSOE, primeiro com a participação do Unidas Podemos e agora com a do Sumar, Izquierda Unida e PCE.
De acordo com os dados do INE, no final de 2023, 26,5% da população espanhola estava em "risco de exclusão social", o termo oficial para a pobreza, mais meio ponto percentual do que no final de 2022. Pior ainda, a percentagem de pessoas afectadas pela pobreza severa aumentou em mais de um ponto, para 9% da população.
A pobreza atinge duramente os reformados ou os desempregados, mas não só: quase 17% dos trabalhadores assalariados são pobres. Toda a propaganda triunfalista sobre o "escudo social", o "ninguém vai ficar para trás" ou os ditirambos sobre os resultados maravilhosos que a reforma laboral de Yolanda Díaz nos traria, caem com estrondo perante esta terrível realidade.
Mas enquanto a grande maioria da classe trabalhadora enfrenta um futuro cheio de privações, uma minoria de empresários, financeiros e rentistas de todos os tipos acumula uma riqueza que é um verdadeiro insulto.
Após a pandemia de 2020, os lucros das empresas, obtidos com base na exploração laboral, nos baixos salários, na especulação imobiliária e nas rendas abusivas, ou no aumento dos preços dos alimentos e de outros bens de primeira necessidade, têm batido recordes ano após ano. Só as empresas e os bancos do IBEX 35 acumularam lucros de 165 mil milhões nos últimos três anos. Depois falam-nos do governo social-comunista!
A reação, mais encorajada do que nunca
Não é de surpreender que esta deterioração da situação social tenha enfraquecido o apoio popular ao governo e dado asas à reação.
O PP e o Vox preparam-se para se vingarem da sua estreita derrota eleitoral em julho de 2023. A direita de toga, a polícia e a guarda civil, os seus meios de comunicação e os seus especialistas lançam-se dia após dia contra a jugular do Governo. Não é apenas a amnistia [catalã]. Por mais grotesco que pareça, qualquer manifestação de apoio ao direito de decisão do povo da Catalunha é acusada de "terrorismo".
À ofensiva reacionária juntaram-se também os agricultores abastados, os mesmos que exploram impiedosamente os trabalhadores migrantes, os privilegiados que beneficiam dos subsídios da UE e de uma vasta gama de isenções fiscais e bónus, que, com os seus tractores de 300.000 euros e a bandeira franquista desfraldada, querem fazer-nos crer que a miséria os ameaça.
A explosão do caso de corrupção que envolve o ex-ministro José Luis Ábalos e outros altos funcionários socialistas enfraquece ainda mais o apoio ao governo e alimenta a ofensiva da direita, tal como a hipocrisia do governo face ao genocídio da população palestiniana em Gaza.
Todas as belas palavras de Sánchez e dos seus ministros sobre a "paz", ou o teatrinho das suas "reprimendas" a Netanyahu, revelaram-se uma farsa completa quando chegou a altura de passar das palavras aos actos e votar no Congresso uma moção do Podemos sobre a rutura de relações com Israel.
O peso dos negócios com Israel e a total subordinação do PSOE ao imperialismo norte-americano e à NATO prevaleceram sobre qualquer outra consideração. Sánchez e outras forças que compõem o bloco de apoio ao governo, como o Junts e a ERC, recusaram-se terminantemente a atuar contra as políticas criminosas do sionismo.
Igualmente lamentável foi o facto de o segundo da lista do Sumar e grande aposta de Yolanda Díaz, Agustín Santos Maraver, ter votado contra o seu próprio grupo parlamentar nos principais pontos da proposta do Podemos e ter-se abstido mesmo na votação da abertura de um corredor humanitário.
Um Governo que enche a sua política de gestos hipócritas e vira constantemente as costas à sua base social e eleitoral não pode gozar de credibilidade e estabilidade.
Só a luta pode travar a reação
A experiência da grande luta de classes que varreu o Estado espanhol de 2011 a 2015 e a amarga lição do colapso do Podemos, na sequência do seu abandono da mobilização e da sua deserção da política institucional, não passaram em vão.
As razões que provocaram a eclosão do 15M e a vaga que se seguiu não só não desapareceram, como são hoje muito mais graves do que eram na altura. O muro erguido pelo PSOE, pelos partidos que o apoiam e pelos dois grandes sindicatos, CCOO e UGT, unidos para impor a todo o custo uma paz social completamente artificial, não é suficiente para conter a agitação e a polarização à direita e à esquerda.
Os sinais de que este muro está a ceder são visíveis por todo o lado. As mobilizações de massas do feminismo militante, a vaga de greves no País Basco promovida pela ELA [Eusko Langileen Alkartasuna, Solidariedade dos Trabalhadores Bascos] e pelo LAB [Langile Abertzaleen Batzordeak, Comissões de Trabalhadores Abertzales], a formidável subida do BNG nas últimas eleições galegas ou a recente luta dos professores da Comunidade de Madrid, que realizaram três dias de greve, com assembleias e um enorme grau de participação apesar da oposição ativa da CCOO e da UGT, são sinais de que uma paz social que só serve para abrir caminho à extrema-direita começa a ser quebrada a partir de baixo.
Impulsionar estas lutas, reuni-las e, sobretudo, dotá-las de um programa revolucionário que lhes permita avançar com coragem e energia é a tarefa do momento.