O partido fascista Aurora Dourada, na Grécia, foi ilegalizado e considerado uma organização criminosa. Longe de ser um exemplo do bom funcionamento dos tribunais e das instituições democráticas, o julgamento que se arrastou durante mais de 7 anos demonstra que o Estado só toma medidas contra o fascismo quando é forçado a fazê-lo sob a pressão de um movimento de massas. Por outras palavras, a ilegalização do Aurora Dourada é uma vitória da classe trabalhadora e da juventude que foi ganha contra os tribunais e todo o Estado que sistematicamente protege e encoraja os fascistas.

O Estado protege os fascistas

No rescaldo da queda da Ditadura dos Coronéis — 1967 a 1974 — formou-se, na década de 80, o partido de extrema-direita Aurora Dourada (AD). A organização declaradamente fascista apresentava um programa nacionalista, anti-trabalhadores, machista, racista e xenófobo, prestando culto a Hitler.

Com o acirrar da Grande Recessão de 2008 na Grécia, o governo de coligação PASOK e Nova Democracia (ND) aplicou brutais medidas de austeridade sob os planos da Troika, obrigando trabalhadores e pobres a pagar pela crise capitalista. O AD viu-se neste período catapultado para o lugar de terceira força política. Em 2012, entrou no parlamento com 21 deputados e manteve o controlo de 18 assentos parlamentares até 2019.

O discurso reaccionário do AD apontava os imigrantes, a esquerda e a corrupção dos políticos como as principais causas da crise económica, prometendo uma saída da crise sob um governo de extrema-direita que expulsasse imigrantes, esmagasse a esquerda e as organizações de trabalhadores e punisse os corruptos. As camadas mais reaccionárias da pequena-burguesia atiradas para a pobreza e desespero pela crise, algumas camadas atrasadas e desmoralizadas dos trabalhadores e, claro, a polícia e todas as forças repressivas formaram a base eleitoral dos fascistas, apostando neste programa como a solução para a crise.

Os fascistas sentiram-se de tal forma confiantes neste período que um dos seus líderes chegou a declarar publicamente que iam “ligar os fornos” na Grécia para fazer “sabão e candeeiros com a pele de imigrantes”, numa imitação da violência nazi contra os judeus e os roma durante o Holocausto. Tudo isto foi mansamente tolerado pelo Estado, com os seus tribunais, a sua polícia e a sua constituição — a título de exemplo, Alexandros Plomeratis, o facho que fez a ameaça sobre “ligar os fornos”, foi tão-somente condenado a uma pena-suspensa de um ano.

Esta tolerância do Estado explica-se pela utilidade que têm os fascistas em capitalismo, que é a de reprimir a classe trabalhadora e a juventude quando estas se levantam para lutar. De facto, durante os piores anos da crise, a classe trabalhadora da Grécia deu um exemplo brilhante de combatividade: foram mais de 50 greves gerais, mobilizações massivas, ocupações de edifícios do Estado contra despedimentos e cortes, ocupações e controlo de empresas e todo o colossal movimento de massas contra a austeridade. Para a burguesia fazer frente às massas, os fascistas tornam-se cada vez mais indispensáveis.

O trabalho sujo dos fascistas: aterrorizar e reprimir os explorados e os oprimidos

Em Setembro de 2013, o rapper e activista de esquerda Pavlos Fyssas foi assassinato por membros do AD. A morte de uma figura tão conhecida marcou o início das investigações contra a organização fascista, sob enorme pressão das massas. No entanto, o assassinato de Fyssas não foi nem o primeiro nem o último ataque orquestado pelo AD.

Os ataques fascistas já se davam nas décadas de 80 e 90, mas durante a crise económica houve uma verdadeira onda de espancamentos e assassinatos de trabalhadores e jovens de esquerda, imigrantes, sindicalistas, pessoas LGBT. Também em 2013, dois membros do AD foram ligados ao assassinato de um imigrante paquistanês em Atenas.

Os fascistas estavam a cumprir a sua função de aterrorizar e reprimir os explorados e oprimidos para defender o sistema capitalista, apesar de toda a conversa “anti-sistema” e “anti-corrupção”. O AD, como todas as organizações fascistas, é o mais feroz defensor da barbárie capitalista na Grécia, com toda a sua miséria e corrupção.

Esta vitória já é nossa...

A 7 de Outubro de 2020, Giorgos Roupakias, o principal dirigente do AD, e 68 membros do partido — 18 dos quais tinham sido deputados — foram considerados culpados pela morte de Pavlos Fyssas. As gravações apresentadas em tribunal deixaram claro que os ataques tinham sido ordenados pela liderança do partido. O AD foi considerado uma organização criminosa. Esta quarta-feira, 14 de Outubro, viu a condenação de 57 dos dirigentes fascistas a 13 anos de prisão, com Roupakias a ser condenado a prisão perpétua.

Esta decisão dos tribunais é fruto da pressão e das mobilizações de massas da última década, não é, de forma alguma, uma demonstração do carácter democrático ou anti-fascista do Estado burguês, dos seus tribunais, da sua polícia e restantes órgãos. A prova mais acabada disto é a actuação da polícia imediatamente após a decisão do tribunal. No dia 7 de Outubro, à porta do Tribunal em Atenas, onde se leu a sentença, estavam dezenas de milhares de jovens e trabalhadores manifestando-se contra o fascismo e exercendo a pressão indispensável para a vitória que o movimento conseguiu. Após ser noticiada a sentença, a multidão não teve sequer tempo de celebrar a vitória: um gigantesco aparato de mais de 2.000 polícias carregou imediatamente com bastonadas, gás lacrimogêneo e canhões de água sobre os manifestantes. Foi neste acto, e não na sentença, que o Estado mostrou a sua cara.

A mensagem é clara: a repressão continuará a ser aplicada para romper a organização da classe trabalhadora que está a enfrentar agora uma nova e maior crise na qual, mais uma vez, a burguesia se prepara para passar a factura aos trabalhadores.

… mas a luta continua!

Depois de o Syriza, sob a direcção de Tsipras, ter traído o movimento de massas contra a austeridade e se ter ajoelhado perante os capitalistas de toda a Europa para aplicar as mais violentas medidas de austeridade, deixar de pé os centros de detenção de refugiados, deportar imigrantes e até refugiados de volta para países em guerra, usar a polícia para reprimir os trabalhadores e a juventude... a porta estava aberta para um governo de direita. O ND não perdeu tempo a agradecer a Tsipras, atravessou imediatamente essa porta e agarrou o poder. Tendo formado governo em 2019, este partido lançou-se imediatamente contra os sindicatos e organizações de trabalhadores.

O ND avançou com um pacote de medidas que, nas palavras do “ministro do desenvolvimento e do investimento”, Adonis Georgiadis, servirão para tornar a Grécia “o país da Europa mais amigável para os negócios”. As medidas vão desde redução dos impostos sobre o capital à liberalização dos salários e a medidas contra greves. Mais ainda, o governo pretende tornar obrigatório o registo electrónico de todos os membros de sindicatos, o que significa que os patrões e a polícia passarão a ter uma lista de todos os trabalhadores sindicalizados, e tornar também obrigatório que todas as decisões dos sindicatos se processem por votações online, numa tentativa evidente de asfixiar qualquer democracia ou processo colectivo de tomada de decisões nos sindicatos.

O movimento operário respondeu imediatamente a estas medidas e convocou uma greve geral a 24 de Setembro e a 2 de Outubro de 2019. As duas greves gerais contaram com uma forte participação de médicos, professores, trabalhadores de transportes marítimos e armadores dos principais portos do país e significaram o primeiro passo no rearmamento da classe trabalhadora e de todos os movimentos sociais contra a direita.

Está claro que a classe trabalhadora na Grécia não vai ficar de braços cruzados durante esta nova crise. Com a experiência da última década e com os brilhantes exemplos internacionais, os trabalhadores e a juventude começam a mostrar, especialmente entre as camadas mais jovens, uma retoma do seu espírito combativo após um período de desmobilização com a traição do Syriza. Ciente disto, a burguesia afia as facas. Já em Junho de 2020, o ND publicou um decreto-lei para aumentar a repressão face aos avanços do movimento operário e da juventude. O executivo de Mitsotakis, o primeiro-ministro, vê como única solução a repressão, criando um novo corpo policial fortemente armado chamado de “Panteras Negras”, e reactivando a unidade especial Drassi (anteriormente Delta), conhecida como os “hooligans da polícia”.

São vários os casos de violência policial que passam com impunidade. A repressão contra da classe trabalhadora é absolutamente indispensável para os capitalistas. Não surpreendentemente, durante o julgamento dos dirigentes fascistas foram apresentadas várias provas em tribunal que confirmam as conhecidas ligações da AD às forças policiais. Seria ingénuo pensar que a ilegalização do AD é o fim dos fascistas; eles estão organizados, antes de mais, na polícia. Para além disto, existem mais de uma dezena de outras organizações fascistas a funcionar na Grécia, e o Estado continua a protegê-las enquanto reprime os trabalhadores.

Esta vitória é, por isso mesmo, apenas um passo numa guerra muito mais longa. Enquanto houver capitalismo, o fascismo existirá sempre como instrumento nas mãos da classe dominante. A tarefa que agora se coloca na Grécia é a da construção de um partido revolucionário que, armado com o programa da revolução socialista, se prepare para actuar decisivamente e derrubar o capitalismo.

 
 
 
 
 
 

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