As drogas servem como escapatória individual a um sistema asfixiante!

Quando a realidade não nos serve, fugimos a ela. Ninguém nasce toxicodependente e quem sofre com os problemas resultantes do abuso de substâncias não está nessa situação por falta de caráter ou de “força para deixar”. Fá-lo fruto daquilo que o sistema capitalista tem para nos oferecer: um dia-a-dia esgotante, com demasiadas horas de trabalho por um salário demasiado pequeno, sobrevivendo de mês a mês sem qualquer perspetiva de mudança para melhor, e sem oportunidades públicas para desfrutarmos o nosso tempo livre de forma construtiva e saudável. Por isso, a solução tem de passar em primeiro lugar pelo fim das condições desumanas em que vivemos.

Ainda que alguma esquerda tente pintar o uso de drogas como libertador, tratando-as como algo subversivo ou até místico, nós, trabalhadores, conhecemos perfeitamente o real impacto que têm nas nossas vidas. A miséria e a dependência, a ansiedade e depressão, a pequena criminalidade: é isso que as drogas trazem realmente às nossas vidas. Segundo o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, em 2021 estavam em tratamento quase 24.000 pessoas por problemas de adição às drogas. O mesmo consumo danoso é encontrado no álcool: no mesmo ano, houve quase 40.000 internamentos hospitalares relacionados com o seu consumo.

O sistema capitalista depende e lucra do nosso embrutecimento!

As drogas e a sua dependência são uma tragédia que afeta a classe trabalhadora e em nada estão isoladas das restantes relações sociais que se estabelecem em capitalismo. Os salários de miséria, as rendas brutais e a inflação que esmagam os trabalhadores são o reverso da medalha dos lucros exorbitantes das grandes empresas, dos senhorios e dos bancos. O machismo, o racismo, a lgbtfobia e também as drogas são armas do arsenal da burguesia para poder dividir e conquistar! O sistema capitalista move-se unicamente na busca do lucro e para um punhado de bilionários poderem encher os seus cofres teremos sempre de estar nós, na mó de baixo, em condições que nos levam ao abuso e à dependência.

A burguesia “legal” não se distingue em nada dos grandes barões da droga. Aliás, não poucas vezes são os grandes grupos económicos a controlar a produção e tráfico, unindo o “legal” com o “ilegal”. É por isso que os grandes negócios ilegais gozam de tanta proteção dos bancos e do Estado como os negócios legais. Os “escândalos” de lavagem de dinheiro ou de polícias corruptos não são novidade. Como podemos esperar que a burguesia “legal” não queira a sua fatia de um mercado que move 320 mil milhões de dólares por ano?

Não só estas burguesias se entrelaçam, como também a forma de consumo das drogas ilegais e dos fármacos de prescrição se assemelha cada vez mais. Dada a falta de investimento em áreas como a saúde mental, a solução passa a ser a medicação fora de um quadro de acompanhamento por um profissional. Assim como o que se passa com as drogas ilegais, a vulnerabilidade do paciente torna-se alvo da indústria farmacêutica. Esta realidade não ganhou predominância apenas pela falta de cuidados de saúde públicos: estas empresas funcionam mediante as leis do mercado. O seu objetivo é aumentar os lucros, vender cada vez mais.

Só assim conseguimos entender que em Portugal 30% das intoxicações sejam causadas por psicofármacos, número ainda mais preocupante quando percebemos que a utilização das benzodiazepinas aqui é quase 2 vezes superior à do resto dos países europeus. Olhando para os Estados Unidos da América, país da saúde privada por excelência, vemos que o número de mortes por overdose se multiplicou por 5 vezes desde 2000! Só em 2021 mais de 16 mil pessoas morreram por overdose de fármacos de prescrição. Ao mesmo tempo os opioides, principalmente o fentanil, utilizados fora do contexto médico ameaçam cada vez mais os bairros estado-unidenses. Em 2021 causaram 70 mil mortes por overdose uma a cada 7 minutos um aumento de 400% em 5 anos, sendo o fentanil já a principal causa de morte entre adultos com menos de 45 anos.

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Só em 2021 mais de 16 mil pessoas morreram por overdose de fármacos de prescrição e 70 mil por overdose de fentanil.

Mas para além de ser uma mercadoria extremamente lucrativa, a droga cumpre outro papel essencial no sistema capitalista: o de desmobilizar e desorganizar os trabalhadores. Perante uma realidade sufocante, a escapatória momentânea e individual do álcool e das drogas retira o foco à única saída possível: a luta consciente e organizada da classe trabalhadora.

A burguesia está plenamente consciente da arma que tem nas mãos. O problema de alcoolismo que Portugal enfrentava durante o fascismo não era casualidade. Perante as duríssimas condições de vida, os trabalhadores e agricultores eram incentivados a beber.

Outro perfeito exemplo é a operação dirigida pela CIA nos anos 80. Além da perseguição política aos grupos de esquerda que surgiam nos EUA na época, o governo estado-unidense assistiu os Contras, um grupo fascista que financiou para acabar com a revolução na Nicarágua, a traficar cocaína para os EUA para poder inundar os bairros negros com crack.

Não conseguindo parar a organização da juventude e dos trabalhadores negros através da perseguição e do assassinato, a CIA recorreu ao envenamento da comunidade. O resultado foi uma epidemia de opióides que até à data só se tem agravado. Mais ainda, toda a operação serviu de justificativa para começar a famosa “Guerra às Drogas”, resultando num incremento massivo de jovens negros a engrossar as fileiras da mão-de-obra carcerária das prisões privadas estado-unidenses.

Também não é por acaso que Portugal teve uma gigante crise com as drogas nos anos 80 e 90. No rescaldo da Revolução Portuguesa e a braços com a primeira intervenção do FMI, em 1983, o país encontrava-se numa recessão profunda. Entre 1980 e 1982 a dívida externa passou de menos de 500 milhões de contos para quase 1200 milhões! Nos anos seguintes congelou-se o investimento público e os produtos básicos sofreram aumentos colossais.

A juventude e a classe trabalhadora que participaram na revolução e que continuavam a lutar — a luta na Lisnave acontece precisamente nesta altura — por falta de direção revolucionária é derrotada e desmoralizada. A saída coletiva e construtiva é substituída pela solução individual e destrutiva das drogas.

É preciso lembrar que 5 anos antes a classe trabalhadora tomava o céu por assalto! Com a Revolução começada no 25 de Abril, desenvolviam-se os Comités de Trabalhadores e Moradores, a educação, a habitação e a saúde pública, nacionalizavam-se os setores chave da economia e varriam-se os fascistas de qualquer espaço. A frustração dos trabalhadores e agricultores só teve uma saída: não existia um partido capaz de servir como direção revolucionária, há que afogar as mágoas de alguma maneira… e a burguesia absolutamente deliciada com o resultado.

Contra a legalização, não queremos o ócio das drogas!

A esquerda que tenta passar a imagem do uso de drogas “recreativo” é a mesma esquerda que defende que se poderiam mitigar parte dos problemas das drogas através da sua legalização: transformar os barões da droga em respeitáveis empresários, encher as televisões com publicidade de erva e haxixe e permitir um acesso mais fácil à sua compra. Que ideia brilhante para mitigar os danos causados pelas drogas!

O principal dos argumentos pela legalização é que, dessa forma, o Estado poderia controlar o mercado e a qualidade da droga. Partindo de uma visão que retrata o Estado como uma entidade abstrata e que representa toda a população, esta esquerda reformista esconde a realidade: não é o Estado que controla o capital, mas o capital que controla o Estado!

Isto é claramente visível no serviço que o Estado lhes presta na habitação e na alimentação. O privilégio de uma mão cheia de capitalistas empurra a classe trabalhadora para os despejos e para a fome. De que forma é possível acreditar que o Estado não iria cumprir igualmente todos os caprichos da burguesia da droga? Na realidade, mesmo com o estatuto ilegal já o faz. O tráfico não acontece à margem do Estado, muito pelo contrário! Desde as bases da polícia aos mais altos órgãos governamentais, o tráfico é agasalhado pelas autoridades. Como em qualquer outro mercado, o papel do Estado será unicamente assegurar que as margens de lucro sejam ampliadas.

Basta olharmos para o exemplo de legalização no Colorado: a hospitalização por problemas relacionados com a marijuana duplicou (!) e houve um aumento em 5 vezes na prevalência de doenças mentais nos casos de entrada nas urgências por problemas relacionados com a erva. E como o Colorado existem muitos outros exemplos.

O executivo do Porto prepara-se para a criminalização!

Sabendo que o consumo de drogas está vinculado às relações sociais em que nos inserimos, é fácil compreender que as crises económicas, que abalam todos os aspectos das nossas vidas, alterem o panorama do consumo das drogas e das relações que se estabelecem à sua volta.

A precariedade e miséria que a burguesia impõe numa situação de crise são o gatilho perfeito numa situação que só por si já convida ao ócio destrutivo. Quem fuma começa a fumar mais; quem bebe começa a recorrer mais vezes ao consumo abusivo e quem consome drogas consome mais ou vai para outras mais potentes.

Ao mesmo tempo, a burguesia luta com unhas e dentes por cada euro que consiga tomar como apoio para os seus negócios, como entre 2007 e 2012, anos em que o Estado enterrou mais de 3,1 mil milhões de euros na banca privada!! Quantos empregos não teriam sido criados com este dinheiro? Quantas pessoas não poderiam ter tido apoio para saírem de uma situação de dependência das drogas? Quantos centros recreativos não se financiariam para evitar que a juventude entrasse nesse beco?!

Ao mesmo tempo, o Estado burguês reconhece perfeitamente que a raiva contra este sistema tem de sair à rua. Mascarando o investimento em meios de repressão como forças de “segurança” para fazer a guerra às drogas, vemos agora como no Porto o presidente da Câmara, Rui Moreira, já se prepara para o que aí vem. Em 2020 tinham sido gastos 325 mil euros na compra de 10 carros para a PSP; a isto acrescentamos os 4 milhões gastos em câmaras de videovigilância!

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Em 2020 a Câmara Municipal do Porto gastou 325 mil euros na compra de 10 carros para a PSP e 4 milhões de euros em câmaras de videovigilância.

Falando do policiamento de visibilidade, o presidente da câmara tem um objetivo muito claro: um imenso corpo policial nas ruas, com especial foco na Pasteleira, para que os pobres saibam que este sistema é defendido a ferro e fogo. Perante isto, nem a CDU nem o Bloco de Esquerda apresentam alternativa: são contra o policiamento de visibilidade mas a favor do policiamento “em contacto com as pessoas”, um policiamento de proximidade. Um jogo de palavras para evitar retratar o Estado como ele é: uma ferramenta nas mãos da burguesia.

Como porta-bandeira da gentrificação do Porto, Rui Moreira não ficou por aqui. Depois de transformar tudo o que era habitação em alojamento local, deseja agora rebentar tudo o que são pequenos negócios para favorecer a grande burguesia da vida noturna.

No fundo, o plano apresentado pelo executivo municipal vai dificultar profundamente a vida a todos os comerciantes que não sejam os donos dos bares e discotecas das Galerias de Paris, e que representam o grande capital da vida noturna que sempre andou de mão dada com as drogas e o tráfico.

A hipocrisia é tanta que este plano é defendido como forma de reduzir o crime e a violência, sendo que é nas Galerias de Paris que vemos agressões, assédio sexual, racismo e lgbtfobia diariamente, muitas vezes levadas a cabo pelos porteiros das discotecas e bares.

Exigimos um ócio saudável e gerido democraticamente!

Está claro que em nenhum momento podemos confiar no sistema capitalista e nas suas instituições para salvaguardar o bem-estar da nossa classe. Mais ainda, sabemos que em momentos de crise, todos os ataques à classe trabalhadora são incrementados. Isto passa por facilitar o acesso à droga mas também por perseguir quem necessita de apoio, tudo ao mesmo tempo que aumentam as condições que levam à tentativa de fuga à realidade.

Num momento em que vemos tantos irmãos e irmãs afetados por problemas de saúde mental, a saída nunca será um maior policiamento. Frente à escapatória individual que representa a droga, desde a Esquerda Revolucionária levantamos a bandeira da luta organizada da juventude e dos trabalhadores. Só o fim do sistema capitalista acabará com as condições de miséria que nos empurram para as drogas e só com a construção socialista da sociedade poderemos construir um ócio saudável, controlado por todos os jovens e trabalhadores, para nos afastar do embrutecimento que representam o álcool e as drogas.

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Só com a construção socialista da sociedade poderemos construir um ócio saudável, controlado por todos os jovens e trabalhadores, para nos afastar do embrutecimento que representam o álcool e as drogas.

Tomando a economia nas nossas mãos conseguiremos o acesso gratuito ao desporto, à cultura e a todo o tipo de lazer construtivo. Basta olhar para o que foi conseguido pela União Soviética e a total transformação do dia-a-dia da sua classe trabalhadora. O acesso ao desporto e à dança eram gratuitos e democráticos, construíram-se centenas de salas de espetáculos, organizavam-se teatros amadores nas fábricas e no campo, investiu-se massivamente no cinema e na construção de museus… a Revolução Bolchevique transformou uma Rússia analfabeta na vanguarda do desporto e cultura! Com a tecnologia que possuímos hoje o salto que se poderia dar é infinitamente maior.

Desde a Esquerda Revolucionária e o Sindicato de Estudantes exigimos:

  • O fim dos contratos precários, o horário semanal de 30h para todos e 1200€ de SMN
  • Investimento público massivo na saúde e na educação, na cultura, nos centros culturais e no desporto
  • A nacionalização da banca e expropriação dos grandes traficantes, utilizando todo esse capital para investir no apoio profissional a todos os que o necessitem!

 

Constrói connosco a alternativa a este sistema de miséria e podridão!

Junta-te à Esquerda Revolucionária e ao Sindicato de Estudantes!

JORNAL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA

JORNAL DA LIVRES E COMBATIVAS