Reorganização sindical
O sector de transportes de mercadorias é há décadas marcado por condições laborais do séc. XIX. Mas hoje, após 20 anos de negociações falhadas entre a FECTRANS ― da CGTP ― e a associação patronal, ANTRAM, os trabalhadores buscam novas formas de luta.
Em 2015 nasceu o Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM) e, no final de 2018, o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP). Com menos de um ano de existência este último já marcou um antes e um depois na história do sindicalismo nacional.
As décadas de sindicalismo amarelo ― de conciliação de classes ― acumularam material explosivo. A primeira greve do SNMMP, em Abril, foi uma autêntica revolta contra os salários a roçar o mínimo e as jornadas de trabalho a rondar as 15 horas diárias. Isto é “compensado” com cláusulas no contrato colectivo de trabalho que, apesar de aumentarem o rendimento dos trabalhadores, os condenam à pobreza em caso de doença ou desemprego, e também na reforma. Além disto, as cláusulas permitem aos patrões burlar a Segurança Social em milhões de euros!
As reivindicações dos motoristas são do mais elementar bom senso: um salário base digno, a jornada de trabalho de 8 horas e o pagamento do trabalho suplementar à hora.
Em poucos dias de greve, enfrentando uma intensa campanha mediática de desinformação e uma requisição civil, o SNMMP conseguiu o que a FECTRANS não alcançou em 20 anos: as primeiras cedências da ANTRAM às reivindicações dos trabalhadores. Os pontos centrais passavam pelo aumento do salário base de 630€ para 900€ e o fim da cláusula que estabelece a isenção de horário. No entanto, a actuação do governo e da direcção da FECTRANS contra a greve dos motoristas deu confiança aos patrões para romper o acordo com o SNMMP.
Em Julho, no I Congresso Nacional de Motoristas, que juntou o SIMM e o SNMMP, os trabalhadores decidiram responder convocando uma nova greve, desta vez por tempo indeterminado, a partir de 12 de Agosto. O objectivo era aguentar até forçar os patrões a assinar o novo Contrato Colectivo de Trabalho (CCT). Foi uma das greves mais importantes das últimas décadas — um ponto de inflexão na reorganização sindical.
Contra patrões, governo e burocratas...
A luta colocou trabalhadores não apenas contra os patrões do sector mas, acima de tudo, contra toda a burguesia, representada pela comunicação social, pelo Estado e pelas burocracias sindicais da FECTRANS e CGTP.
Agosto foi marcado não pela falta de combustíveis, mas por uma campanha brutal contra a greve. A burguesia bombardeou-nos com reportagens “ao minuto” — alegou-se tanto a especulada escassez de bens de primeira necessidade como a eminente falta de combustível para os iates das marinas algarvias!
O governo, por seu lado, em ligação com a ANTRAM, começou por impôr serviços “mínimos” impossíveis de cumprir com 8 horas diárias, de forma a justificar ― como fizera com os enfermeiros, e com os próprios motoristas em Abril ― o recurso à Requisição Civil. Seguiu-se a mobilização da polícia e do exército. Só da PSP foram mobilizados 12.000 efectivos. Dissipando ilusões de “neutralidade” do Estado burguês, o governo pôs o exército ao serviço dos patrões.
A isto juntou-se a burocracia da CGTP e do PCP. A actuação da burocracia foi criminosa. Furou a greve, reuniu com os patrões nas costas dos trabalhadores e, finalmente, assinou um “memorando” com a ANTRAM que não só ignora as principais reivindicações como tem por objectivo desmobilizar, desmoralizar e isolar o novo sindicato ― visto como uma ameaça à CGTP.
Agora, o Ministério Público avança com uma tentativa de dissolução do SNMMP, usando como bode expiatório a figura de Pardal Henriques. O secretário-geral da CGTP reagiu... “estranhado” a demora do Estado burguês!
Já a direcção do BE assumiu uma posição que, nunca entrando na difamação dos motoristas, foi marcada por uma equidistância que é inaceitável num partido socialista. Era preciso muito mais.
… solidariedade e luta!
A reorganização sindical é a consequência do sindicalismo de conciliação de classes que crescentemente domina a CGTP e sempre marcou a UGT. As primeiras tentativas de ultrapassar as burocracias não se darão sem erros. Mas a necessidade de novas ferramentas de luta é tão premente quanto são impotentes os métodos corporativos dos burocratas.
Os motoristas seguem outros sectores, como os estivadores ou os enfermeiros. Hoje, reintroduzem-se métodos que foram centrais para conquistas históricas, como os fundos de greve, a greve por tempo indeterminado e a solidariedade internacional. E a cada passo há que enfrentar não só o patrão, mas logo também o Estado, a burguesia enquanto classe, a burocracia sindical. As greves tornam-se quase automaticamente políticas e, assim, impulsionam saltos de organização e consciência. Aos revolucionários cabe estar do lado dos trabalhadores, aprender e contribuir para este processo.
A onda de greves que marcou os últimos 2 anos deve ser unificada numa poderosa greve geral pela autonomia e independência sindical. Devemos exigir o fim dos ataques ao SNMMP, o fim da Lei da Requisição Civil, do Código Laboral da troika e do PS, as 35 horas para todos e um Salário Mínimo Nacional de 900€!
Quando se dá o maior ataque das últimas décadas ao direito à greve e aos direitos democráticos, a nossa resposta só pode ser uma: solidariedade e luta!