A transportadora aérea de baixo custo Ryanair enfrenta um crescendo de lutas sindicais em vários países europeus. Os trabalhadores, fartos do assédio e prepotência da empresa, têm protagonizado várias greves nos últimos anos.

Um regime “de baixo custo”

Desde 2006, a quota de mercado das transportadoras aéreas de baixo custo duplicou, representando actualmente mais de 30% do mercado. As chamadas low-cost mais rentáveis em 2018 foram a Southwest Airlines (EUA) com 2,47 mil milhões de dólares seguida da Ryanair com 1,02 mil milhões e a Easyjet com cerca de metade deste valor. Apesar do aumento da competição no mercado europeu, a tendência global é ainda de crescimento do sector, à custa das transportadoras aéreas convencionais.

O modelo de negócio destas transportadoras aéreas, como a Ryanair ou a Easyjet, assenta essencialmente nos preços reduzidos do seu serviço. Para serem rentáveis, estas empresas seguem uma política de baixos salários, precariedade, sub-contratação, assédio laboral e perseguição sindical constantes. A Ryanair, por exemplo, sub-contrata trabalhadores a duas empresas de trabalho temporário, a Crewlink e a Workforce, que são propriedade da própria Ryanair. Este esquema fraudulento permite cortar custos e flexibilizar ao máximo a força de trabalho, facilitando os despedimentos e mantendo os trabalhadores sobre pressão permanente.

A Ryanair, sediada na Irlanda, aplica a legislação laboral deste país a todos os seus trabalhadores, independentemente da base aérea a que estejam alocados. Assim, os trabalhadores portugueses não têm, ao contrário do que prevê a legislação portuguesa, direito a subsídio de férias ou licença parental. Mas esta aplicação da lei irlandesa é parcial. Quando a legislação nacional é mais vantajosa, a Ryanair impõe-a sem pestanejar. Exemplos disso vêem-se nos salários. O salário mínimo irlandês, acima dos 1600€ mensais, está longe dos valores auferidos pelos tripulantes de cabine da Ryanair em Portugal ou no Estado espanhol. Adicionalmente, ao entrar-se na empresa é ao trabalhador que são imputados os custos de todas as formações, representando milhares de euros por ano, e que são um direito do trabalhador.

A este regime de precariedade junta-se a feroz política anti-sindical e o assédio laboral já mencionados. Como parte das suas funções, os tripulantes de cabine são obrigados a cumprir objectivos de venda de produtos durante os voos, sendo penalizados caso fiquem aquém do estabelecido. Até recentemente, esta empresa não reconhecia a legitimidade dos sindicatos e recusava-se a negociar com eles. A primeira vitória dos trabalhadores foi alterar este panorama.

Trabalhadores lutam, empresa responde com repressão 

Como bons representantes do capital, os governos europeus ignoram esta realidade. Por isso, desde o final de 2017 que o número de lutas sindicais na Ryanair tem vindo a aumentar. Os primeiros foram os pilotos irlandeses que forçaram a negociação de um aumento de 20% do salário e o reconhecimento do seu sindicato, que só seria confirmado com uma greve efectiva seis meses mais tarde. Em Portugal, os tripulantes de cabine, filiados no Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), organizaram uma primeira greve em Abril de 2018, onde ocorreu substituição ilegal de grevistas com pessoal de outras bases.

Os tripulantes de cabine rapidamente compreenderam que, nacionalmente, seria impossível conquistar vitórias. Organizou-se então a primeira greve europeia a 25 e 26 de Julho de 2018, juntando o SNPVAC em Portugal, o CNE/LBC na Bélgica, o Ultrasporty em Itália, o SITCPLA e o USO do Estado espanhol, exigindo o cumprimento das legislações laborais nacionais. Centenas de voos foram cancelados, representando um avultado prejuízo para a Ryanair. O braço de ferro continuou com nova greve a 28 de Setembro do mesmo ano, à qual se juntou mais um sindicato holandês. A 28 de Novembro, a Ryanair comprometeu-se a respeitar a legislação portuguesa, algo que nunca chegou a acontecer. Em paralelo, os pilotos portugueses, organizados no Sindicato de Pilotos da Aviação Civil (SPAC) chegaram a um entendimento inicial para revisão das carreiras e contrato colectivo de trabalho com a transportadora em Outubro de 2018.

Este ano, o SNPVAC organizou uma greve entre 21 e 25 de Agosto. O governo PS decretou sem cerimónias um conjunto de voos mínimos que correspondiam praticamente ao serviço regular da Ryanair. Depois de furar ilegalmente a greve dos estivadores, de impor a requisição civil a enfermeiros e motoristas de matérias perigosas, o governo utilizou outra táctica para neutralizar a greve: impor serviços mínimos que são serviços regulares, garantindo assim o lucro à empresa.

Após a greve, a Ryanair, alegando incumprimento destes serviços “mínimos”, pretende despedir 12 trabalhadores encontrando-se os mesmos suspensos preventivamente e alvo de um processo disciplinar. Este processo e a ameaça de encerramento da base de operações de Faro serviram de arma para a Ryanair exigir cortes nas taxas aeroportuárias cobradas pela ANA. Ainda assim, dezenas de pilotos foram ameaçados de despedimento no final de Setembro, caso não aceitem transferência da base de Lisboa. Face a este terrorismo, apelos às instituições burguesas e aos representantes eleitos são inúteis e enganadores. Os trabalhadores só podem contar com a força da sua própria classe. O que é preciso é aprofundar a organização e a luta! 

Combater a repressão sindical

Embora não seja caso isolado, a Ryanair constitui a face mais agressiva da exploração capitalista no sector da aviação. Os trabalhadores são perseguidos por lutar, por ficar doentes e por não cumprir objectivos de venda. No final, podem ser despedidos com toda a facilidade. 

Até agora, a postura dos sindicatos envolvidos nesta luta e dos partidos da esquerda reformista tem sido estritamente institucional — uma política de conciliação de classes e manutenção da paz social. As denúncias dos atropelos ao direito à greve e o incumprimento da legislação portuguesa têm chegado à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). A esquerda parlamentar e os sindicatos apelam ao governo e ao Presidente da República. Mas foi precisamente o governo do PS que aprovou os serviços “mínimos”! O Estado português conhece e aceita as práticas laborais da Ryanair há anos sem tomar qualquer iniciativa. A ACT e os tribunais são propositadamente lentos e burocráticos. E as comissões parlamentares de inquérito são ostensivamente ignoradas pelo próprio Michael O’Leary, CEO da Ryanair.

A luta na Ryanair colocou os trabalhadores não apenas contra o patronato mas também contra o Estado. É a tendência actual de muitas das greves ocorridas neste último período, como por exemplo os motoristas de matérias perigosas, os enfermeiros ou os estivadores. Se ainda não o era, tornou-se claro no último ano que o Estado nunca fomos “todos nós”. O Estado é um órgão de dominação ao serviço do capital e, no caso de Portugal, do capital imperialista internacional. Por isso, não basta apelar ao bom senso e ética da administração da Ryanair ou levantar a letra morta da lei burguesa. É preciso utilizar tácticas que, sem ignorar por completo os tribunais e a acção jurídica, ultrapassem estas limitações e utilizem os métodos de luta da classe trabalhadora, que são os únicos que até hoje alcançaram melhorias reais para as nossas vidas. 

Sempre que existirem casos de perseguição laboral e sindical, o movimento sindical tem de mostrar a sua força e solidariedade com os trabalhadores visados. Trabalhador atacado não pode ficar isolado! Quando o direito à greve foi anulado pela requisição civil ou através da definição de serviços máximos, a resposta que se exigia do movimento sindical de classe, isto é, da CGTP, era a convocação de uma greve geral em defesa do direito à greve. Esta é a forma de organizar uma solidariedade activa que faça uso de métodos como a greve ou a manifestação, quer para pressionar a empresa e instituições quer para aumentar a consciência e confiança da classe trabalhadora em si própria. 

Para conquistar vitórias é necessária uma greve internacional!

O plano da Ryanair para Portugal — despedimentos e encerramento de bases — é transversal aos restantes países europeus onde a empresa opera. Tal como em 2018, é urgente que os trabalhadores das transportadoras aéreas de baixo custo se organizem internacionalmente para conseguir combater o flagelo de precariedade e assédio que assola este sector. Continuar com greves a nível nacional facilita à Ryanair a substituição de grevistas. É preciso adoptar novos moldes de luta, mais alargados no tempo e no espaço. 

É necessário articular um plano de luta a nível europeu, alargar a greve dos tripulantes de cabine aos pilotos. Defendemos a organização de plenários a nível de aeroporto onde os métodos de luta sejam discutidos e decididos democraticamente, e a coordenação desses plenários a nível europeu com vista a uma nova greve internacional pelo fim da precariedade, respeito da legislação nacional e integração de todos os precários com extinção das respectivas empresas de trabalho temporário.

Exigir ainda que, se a Ryanair, a Easyjet ou outras transportadoras são incapazes de oferecer as condições de trabalho dignas aos seus funcionários então devem ter todo o seu capital nacionalizado sob controlo democrático dos trabalhadores. O direito à mobilidade não pode estar dependente do lucro privado e da exploração destes trabalhadores.

Além disso, a aviação é um dos sectores onde a transição energética é mais premente. Confiar nos capitalistas para levar a cabo esta tarefa, mais do que ingénuo, é perigoso. As últimas décadas mostraram-nos que, pela natureza competitiva e predatória do capitalismo, os próprios detentores dos meios de produção são incapazes de controlar o seu sistema. Têm de ser os trabalhadores a assumir a tarefa de um planeamento sustentável e democrático da produção e distribuição com vista à redução drástica das emissões de CO2 que a aviação causa.

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