Posto de forma simples, um trabalhador precário é aquele que presta serviços de cariz regular sem qualquer tipo de protecção laboral. Este trabalhador chega a ter as mesmas tarefas e obrigações de colegas a contrato, mas sem nenhum dos seus direitos. Este trabalhador pode ser despedido sem indemnização, não tem direito a uma licença de maternidade ou paternidade, não tem direito a seguro contra acidentes de trabalho e não tem direito a férias nem aos subsídios de férias, natal ou alimentação. Alguns não descontam para a Segurança Social e portanto nem direito têm a rendimentos em situação de desemprego. E, como se não bastasse, estes trabalhos são muitas vezes extenuantes e muitíssimo mal pagos.
O Remédio Neoliberal
Por todo o mundo, estas condições de trabalho degradantes têm avançado à boleia de políticas neoliberais que defendem a “competitividade” e a “flexibilidade” das empresas. Em Portugal a precarização começou pouco depois de 1974 com a introdução dos contratos a termo e generalizou-se com o surgimento dos recibos verdes perto do final da década de 1980. Mais recentemente, a crise de 2007-2008 foi usada como pretexto pelas entidades patronais para promover este tipo de precarização: dois anos depois existiam já 266 empresas de trabalho precário que empregavam perto de 280 mil trabalhadores. A precariedade foi então descaradamente fomentada pelo governo em 2011, então coligação PSD/CDS, após ter aceite as imposições de reestruturação do Orçamento do Estado pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, comummente conhecidos por troika, aquando do seu empréstimo ao Estado Português no valor de 78 mil milhões de euros. Ansioso por cortar custos, o governo desmantelou os serviços sociais públicos: reduziu reformas, cortou salários e despediu trabalhadores, favorecendo a sua “contratação” sob várias formas de precariedade. Os Contratos de Emprego-Inserção (CEI) foram uma dessas formas, não fazendo mais do que pôr desempregados beneficiários de subsídio de desemprego ou de subsídio social de desemprego a trabalhar para o Estado ou empresas privadas a um custo muito baixo.
Alguns dos resultados destas medidas podem ser consultados em dois recentes relatórios, um da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e o outro encomendado pelo actual governo com o objectivo de descortinar quantos trabalhadores da Administração Pública e do Setor Empresarial do Estado se encontram em situação de precariedade, possivelmente no sentido de reverter ou minimizar o dano causado pelas políticas anteriormente descritas. De acordo com o relatório da OCDE, ⅔ dos jovens em Portugal são precários, enquanto ⅓ dos portugueses com menos de 24 anos e ¼ daqueles com menos de 30 anos estão desempregados. Já o relatório do governo revela que o Estado tem a trabalhar na administração pública cerca de 100 mil trabalhadores em situação precária entre contratos de trabalho a termo resolutivo – vulgo contrato a prazo – (62 655), CEI (14 766), estágios remunerados (1 842), bolsas de investigação (3 662) e contratos de prestação de serviços – vulgo recibos verdes – (15 339). Este relatório deixa portanto de fora os trabalhadores precários mediados por empresas de trabalho temporário e de falso outsourcing, como acontece por exemplo com os 180 trabalhadores precários do Centro Hospitalar do Oeste – acabando por custar mais ao Estado nesta circunstância de precariedade do que se a este estivessem vinculados com contratos.
Estes relatórios põem preto no branco aquilo que já era óbvio para muitos trabalhadores: que a precariedade é um problema sistémico da sociedade capitalista e que soluções têm de ser implementadas urgentemente. Impõe-se a pergunta: quantos destes trabalhadores não estão a falsos recibos verdes e deveriam portanto ser contratados pelo Estado? É imperativo acabar com todas as empresas de trabalho temporário e legalizar os trabalhadores! É preciso defender o fim da norma da caducidade na contratação colectiva para que esta situação se corrija rapidamente!
Organização dos trabalhadores contra a precariedade
É igualmente óbvio que não podemos esperar que estas soluções provenham de um governo comprometido com os patrões como o actual, cujas medidas que tem vindo a apresentar contra a precariedade são deficientes ou mesmo contraproducentes. Um exemplo flagrante, que consta dos orçamentos de estado de 2016 e 2017, é a regra das duas saídas de funcionários públicos por cada entrada, imposta pela União Europeia e acatada pelo governo, segundo o qual representa uma redução de 10.000 trabalhadores efectivos por ano, o que pode obrigar a recorrer à contratação de precários. Um outro exemplo é o decreto-lei 57/2016, que se limita a substituir bolsas precárias por contratos precários e que apenas inclui 601 bolseiros dos 3662 a trabalhar para o Estado que com a troca podem chegar a perder 53% do seu rendimento. Apenas as lutas dos movimentos sociais e sindicais têm o poder de contrariar estas medidas e devem ser apoiadas e ampliadas pela esquerda parlamentar.
É de louvar a resposta dos trabalhadores, que se têm organizado de maneira a criar novos movimentos sociais para o efeito. Por exemplo, a Rede Investigadores contra a Precariedade Científica, criada em Maio de 2016, ajudou a levar o decreto-lei 57/2016 a discussão ao parlamento para ser reavaliada. A Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis tem feito um trabalho importante principalmente ao ajudar a organizar os trabalhadores precários, mas também ao organizar espaços de debate, reuniões com partidos, campanhas como a Precários do Estado e até programas para combater a precariedade.
Também o movimento sindical tem conseguido vitórias contra a precariedade. Talvez o melhor exemplo de uma grande conquista tenha sido a abolição da Porlis, empresa de trabalho precário que sub-contratava vários estivadores do Porto de Lisboa, e a sua passagem a contrato, graças à luta do Sindicato dos Estivadores. Esta luta, travada há já vários anos, foi marcada por grandes greves que contaram com o apoio nacional de várias outras organizações, incluindo o Socialismo Revolucionário (ver Centelha nº 5, Jul/Ago 2016), e articulada internacionalmente através do IDC (Conselho Internacional de Estivadores).
O combate à precariedade passa também pela reivindicação de um salário mínimo nacional (SMN) digno. Desde 1974 que existe uma discrepância entre o aumento da inflação e produtividade por um lado e o aumento do SMN por outro, exacerbada durante o período entre 2011 e 2014 em que esteve congelado. Segundo José Soeiro, deputado do BE, se tudo isto fosse tido em conta, o SMN seria hoje de 900€. Rita Rato, deputada do PCP, vai ainda mais longe e afirma que rondaria os 1200€. É incompreensível então que o governo e parceiros sociais acordem entre si em concertação social um SMN que é menos de metade disso! A esquerda parlamentar tem o dever para com os trabalhadores de ser mais assertiva em exigir reposições de salários. O Socialismo Revolucionário defende um aumento imediato do SMN para os 900€ e a sua indexação à inflação e produtividade.
No que toca ao combate à precariedade, é contraproducente usar a Taxa Social Única (TSU) como moeda de troca pelo aumento do SMN. A TSU é também salário dos trabalhadores, destinada a sustentar a Segurança Social. Boa parte dos trabalhadores que recebem o SMN são precisamente “empregados” pelas empresas de trabalho temporário. Há que acabar com estas empresas e fazer com que sejam os patrões a comportar os custos do aumento do SMN e não os trabalhadores! É urgente que haja um aumento real dos salários para todos os trabalhadores.
Apelamos a que hoje, mais do que nunca, todos os trabalhadores se unam na luta pelos direitos dos seus colegas precários. A integração dos trabalhadores precários é não apenas uma medida da mais elementar justiça, como é também uma forma de reforçar a união da classe e aumentar o poder reivindicativo dos trabalhadores para futuras batalhas contra o patronato. É, por isso, necessária uma frente unida contra a precariedade, que abrace campanhas como aquela que o BE está a desenvolver de integração dos precários do Estado, mas que alargue esse objectivo ao sector privado, onde o flagelo é ainda maior. A esquerda, os sindicatos e os movimentos sociais, unidos e organizados nas ruas e locais de trabalho, conseguiriam vitórias muito superiores do que as obtidas actualmente, pressionando apenas pela via parlamentar.